LA MACCHINA

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Eu simplesmente não conseguia acreditar que eu estava passando por isso de novo. Minhas pernas ficaram bambas e eu andava por toda a casa chamando pelo Arthur. Depois de alguns minutos eu não sabia mais o que estava fazendo ou que atitude tomar caso ele não aparecesse ali na minha frente, dizendo que havia sido uma brincadeira de mal gosto.

- Eu vou dar uma volta no quarteirão. Ele não pode estar longe. - O Filipe se manifestou, senti pelo seu tom de voz que estava muito preocupado.

- Eu vou com você. - Eu disse firme. Eu apertava a Bella contra o meu corpo, como se alguém pudesse tomá-la dos meus braços a qualquer momento. Ele me olhou triste, acariciou os cabelos da bebê.

- Não, fica aqui cuidando da Bella e esperando o Art, caso ele volte.

- Eu acho que ele fugiu, fratello. - A Gigi opinou e toda a culpa do mundo me consumiu.

- Fugiu, por que? - Eu perguntei desesperada. - Por que eu fui trazer meu filho pra cá? Ele estava tão bem, feliz. Foi só a gente pisar aqui e todos os problemas voltaram como um turbilhão. Está de noite, meu filho sozinho em uma cidade desconhecida. - Eu desabafei.

- Se acalma, amor. Eu vou encontrar nosso guri. - Filipe tentou me acalmar. Dona Telma me olhava assustada.

- Eu vou com você! - Ela ofereceu.

- Melhor não. - Ele foi seco e ela não ousou rebater. - Fiquem aqui juntas, por favor. A gente ainda não sabe se ele fugiu mesmo ou se foi levado. - Eu coloquei a mão no peito, ali tinha um vazio. Perdi as forças e caí sentada no sofá.

- Gi, olha a Bella pra mim? - Eu tomei aquela decisão repentinamente. Eu confiava na Giovanna. - Por favor, não tira o olho da minha guria? Eu preciso ir com o Filipe procurar o Arthur.

- Amor. Fica aqui, é melhor. - Filipe pediu.

- Não, eu preciso ir. Vamos! - Eu dei um beijinho na testa da Bella. - Tchau minha princesa. Fica com a titia, a mamãe já volta. Eu te amo! - Eu falei com ela com carinho.

Saímos pela porta e a noite foi angustiante. Rodamos de carro pela vizinhança toda, paramos nas vinícolas próximas, em vilas e capelas. A escuridão e ruelas mal iluminadas só atrapalhavam.

Depois de uma hora fomos para uma delegacia próxima dali. Meu desespero só aumentou. Meu italiano era muito básico e por mais que o Filipe entendesse, a comunicação ainda era difícil. Ele tinha que explicar a situação nos mínimos detalhes, os policiais falavam rápido e não tinham paciência conosco. Passamos horas na delegacia, até que nos foi avisado que eles só poderiam considerar desaparecimento com 24h.

Foi o ápice. O Filipe se irritou com o delegado, falou umas besteiras em português e quase foi preso. Depois disso nos trataram com mais desprezo. Nos chamavam de "Gli immigrati" que o Filipe depois traduziu para mim como "Os imigrantes".

Por mais nervoso que meu marido estivesse, ele ainda tentava me acalmar.

- Ele vai voltar, vai dar um jeito de ligar. O Arthur é esperto. Independente do que aconteceu, a gente vai encontrar nosso filho. - Eu me agarrei a ele, como se aquele abraço fosse tudo que eu tinha naquele momento. E era.

- Como amor? Como ele vai ligar? - Minha voz estava embargada.

- Não sei, mas vai dar um jeito de voltar pra gente. - Ele disse triste, mas tentava mostrar pra mim que não poderíamos perder a esperança.

- Filipe. - Algo passou pela minha cabeça e limpei minhas lágrimas. - Tô pensando em uma coisa... - Ele estava agitado, me interrompeu.

- Acha que ele pode ter marcado de sair com alguém na internet? Algum amigo? Namoradinha? - Ele perguntou, mas eu não considerava aquela possibilidade.

- Não amor. Eu tô muito atenta a isso. Ele não tem celular. Computador mais pra estudar. E eu olho todos os sites que visita e tô sempre perto. Não foi isso. O Art nunca falou de amigo, nem namoradinha nenhuma pela internet. Eu conheço os amigos, as mães. Não é possível. - Eu balançava minha cabeça em negativa. - Mas ele pode ter escutado nossa conversa sobre o aborto... e fugiu. - Ele olhou pra mim incrédulo.

- Meu Deus! Eu não estava me lembrando. Por que cometemos esse erro ridículo? A gente vem tentando ter tanto cuidado com o que falamos, brigas. Desde aqueles episódios com pesadelos. Foram parando aos poucos, mas uma fuga. Ahh meu filho... será? O papai e a mamãe te amam tanto, fugir? Foi minha culpa! Minha. - Ele parecia falar mais com ele mesmo e com o Arthur do que comigo.

- Não amor, não foi. - Eu esfreguei as mãos dele. - Tu precisava se abrir, foi um descuido. E também agora não tem o que fazer. Se ele ouviu, já era! Temos que encontrar nosso filho e tentar entender. - Um policial nos interrompeu e levantamos num ímpeto. Os dois ao mesmo tempo.

- Ehi viaggiatori hanno trovato un bambino che corrisponde alle descrizioni che hai dato all'aeroporto di firenze. - O policial, Antônio, falou rápido em Italiano e eu só entendi algumas palavras soltas. Fiquei olhando pro Filipe ansiosa.

- Ele disse que encontraram um menino com as características do nosso guri no aeroporto. - Ele disse dando um sorriso. - É ele, amor. Só pode ser ele. - Ele segurou minhas mãos e depois me abraçou animado. O policial, por sinal muito carrancudo, não se moveu.

- Il ragazzo è con la polizia? Come andiamo da lui? È al sicuro? - O Felipe perguntou, mas como ele falava bem devagar e com sotaque, eu entendi que ele queria saber como faríamos para ir até o guri, se ele estava com a polícia, se estava bem. Me animei com aquela possibilidade.

- SÌ. Sei in macchina? C'è un agente di polizia che ti aspetta. - O agente respondeu. O Filipe agradeceu e virou as costas indo em direção a saída. Eu nervosa ao lado dele, sem entender muito bem. Macchina é carro... polizia.

- Filipe aonde estamos indo? O que ele disse? - Eu perguntei enquanto o Filipe me puxava pela mão na direção do carro.

- Vamos pro aeroporto. Tem um policial desta unidade nos esperando por lá. Pode ser nosso filho, amor. Pode ser.

Entramos naquele carro conversível e agora a sensação era totalmente diferente de quando chegamos mais cedo. Se antes eu tinha sede de aventuras e vontade de sentir o vento no rosto, agora o frio me trazia medo e um pedido a Deus. Pedi que a aventura acabasse pra eu ter meu filho nos meus braços de novo. Me encolhi dentro de mim mesma, tentando conter aquelas sensações, e o Filipe acelerou o carro dentro daquela noite escura.

TEMPO, TEMPO, TEMPOOnde histórias criam vida. Descubra agora