Acordei emburrada. O Felipe chegou tarde na noite anterior e se recusou a dar muitas explicações. Disse que acabou perdendo a hora ao conversar com um amigo. Só de pensar no que ele poderia ter feito meus olhos já lacrimejavam de tanto ciúmes. Eu só não insisti no assunto quando ele chegou, pois o Art estava dormindo em nossa cama e eu havia prometido que não ia mais brigar na frente dele. Muito menos acordar o guri com uma briga horrível.
Percebi que o Filipe já tinha acordado e trocado de roupa, mas estava imóvel, sentado na cama. Eram umas 9h. Eu e Art nunca fomos muito fãs de acordar cedo. O pequeno então... dormia um sono bem profundo perto de nós. Filipe percebeu que eu já estava acordada.
- O que houve? Mais um pesadelo? - Ele perguntou.
- Não. - respondi secamente.
- É melhor acostumarmos o guri no quarto dele, Madah. Você sabe o sacrifício que foi tirar ele da nossa cama depois que você parou de amamentar.
Não respondi, estava com muito ódio para falar alguma coisa. Ele ficou me olhando sem reagir a minha indiferença. Percebeu meu mal humor, mas não falou mais nada. Fez cócegas no nariz do Art, para que ele acordasse.
- Ei guri do pai. Acorda dorminhoco. - Confesso que mesmo com raiva eu me derretia quando ele falava assim com nosso filho. Art começou a se espreguiçar e abrir os olhinhos azuis.
- Oi papai. - Ele cumprimentou com voz de sono. - Oi mamain!
- Oi meu amor! Vem tomar café com a mamãe, vem. - Eu queria sair do quarto.
- Não, vou ficar com o papai. - Ele disse manhoso.
- Vem Art. Vem. A mamãe vai preparar seu café. Aquele suco de laranja e ovinho que você ama. - Eu estava um pouco sem paciência, mas falei de forma carinhosa.
- Não. Quero que o papai dê o ovinho. - Eu respirei cansada. Me deu vontade de chorar. O meu filho sempre escolhia o pai.
- Anda filho, levanta vem. - Puxei seus braços, pegando-o no colo a contragosto. Ele começou a chorar e a gritar.
- Madalena. Deixa ele. Não faz assim.
- Vai me desautorizar, Filipe? Como sempre? - Eu falei séria. O menino esperneava no meu colo. Deixei ele descer e fui puxando sua mãozinha até que chegássemos na cozinha.
- Se acalma Madah! Não vamos discutir por bobeira. - Filipe veio atrás de mim.
- Não é bobeira. Olha a hora que você chegou ontem! Não me deu a mínima satisfação e agora ao invés de incentivar nosso filho a obedecer a mãe dele, não. Você me desautoriza na frente dele. Você tem satisfação em ver que ele ama mais você do que a mim. - Eu despejei tudo o que eu sentia em cima dele, enquanto chorava.
- Madalena para de falar isso na frente dele. Eu vou sair, preciso respirar fora daqui. Se acalma e acalma o menino. Agora! Quando eu voltar a gente conversa. - Ele falou calmo, mas firme. O Arthur chorava assustado e o Filipe já estava na porta.
- Filipe, volta aqui. Eu quero falar com você! - Ele saiu sem olhar pra trás e não consegui mais alcançá-lo. Eu queria gritar, eu queria brigar, deixar sair toda a frustração que estava dentro de mim. Na mesma hora que ele saiu eu me arrependi. E se ele pedisse a separação? Eu fiquei com um nó na garganta.
O Arthur ficou sentado no sofá bege cru que ocupava toda a nossa sala. Estava assustado, com os braços prendendo os joelhos e a cabecinha baixa. Não queria falar comigo. Deixei que ele se acalmasse sozinho, não adiantava insistir, seria pior. Eu sei que ele tinha feito malcriação, mas eu era a culpada por aquela crise. Eu era culpada pelo Filipe ter saído daquele jeito. Fiquei me sentindo mal, com uma dor no peito que não passava. Eu não conseguia parar de chorar. O choro incontrolável me deu ânsia de vômito. Corri para o banheiro e vomitei. Depois fiquei parada em frente ao sanitário, ainda enjoada. Lavei bem o rosto e escovei os dentes. Quando olho pra trás está o Art. Tomei tanto susto que meu enjoo até passou.
- Ai filho! Que susto você deu na mamãe. - Eu disse com a mão no peito. Respirei fundo.
- Mamain, você tá bem? Desculpa, não queria que você brigasse com o papai por minha culpa. - Ele disse ainda soluçando.
- Vem cá meu amor. - Dei um abraço forte nele e peguei o pequeno no colo, sentando-o na bancada do banheiro. Ele estava com os olhos vermelhos e inchados de tanto chorar. Abri a torneira. - Nada disso é culpa sua, tá bom? Não é culpa sua. A mamãe e o papai se desentenderam, mas não se preocupe, já já isso passa e estamos de bem de novo, não é mesmo? O importante é que nós dois amamos muito você. - Eu disse enquanto lavava o rostinho dele com a água fria. - Desculpa, a mamãe não queria brigar com você e nem com o papai. - Enxuguei o seu rostinho. - Eu te amo muito.
Peguei Art no colo. Ele estava cansado, achei esquisito, tinha acabado de acordar. Tentei dar algo para o guri comer, ele recusou, ficou resmungando. Deitei-o novamente na cama, achei que estava com um pouco de febre. Medi a temperatura e não deu outra. 38 graus. Fiquei a manhã e a tarde toda com ele na minha cama. Preocupada. A única coisa que o menino conseguiu comer foi uma mamadeira de leite quente. Ligava para o Filipe e ele não atendia. No restaurante ele não estava. Deixei recado. Na casa da dona Telma o telefone só dava ocupado, devia estar fora do gancho.
Ele sumiu e eu estava muito, mas muito magoada. Cansada de tudo. Mesmo amando o Filipe com todas as minhas forças, até mais do que a mim mesma e querendo morrer com a possibilidade de uma separação, neste dia eu comecei a questionar que talvez fosse melhor. Não sei o que faria da minha vida sem o Filipe, mas eu tinha chegado no limite.
Não mandei o guri para a escola, óbvio. Não sei como seria na festa a noite, provavelmente não iríamos. Eu colocava meus lábios na testa do Arthur, tentando sentir se a febre havia baixado. Nada! Ele queimava. A culpa me consumia. Eu conhecia meu filho, era emocional.
- Filho, fala pra mamãe o que você tá sentindo? - Ele resmungou. - Aponta pra mamãe aonde tá doendo? - Ele não conseguia.
O banho e o antitérmico não melhoraram a febre. Resolvi levá-lo ao hospital. Peguei o Art no colo com um pouco de dificuldade, ele estava pesado e eu um pouco tonta. Atravessei o quintal em direção a casa da dona Telma e pedi que avisasse ao Filipe que eu estaria na emergência do hospital São Bento. Ela não me ofereceu ajuda e não gostou quando eu reclamei pelo Filipe não atender o telefone. Provavelmente achou que eu estava fazendo drama. Eu fiquei enfurecida e saí pisando duro da casa dela.
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TEMPO, TEMPO, TEMPO
RomanceAté quando vale a pena lutar por um amor? O quanto vale a pena deixar os sonhos de lado por um casamento? Por um homem? O quanto se pode errar e voltar atrás? O quanto o amor é capaz de perdoar? O quanto os erros nos fazem perfeitos? O quanto os e...