Capítulo 1 - Aylla

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   Assim que perdi o controle do carro, achei que seria meu fim. Capotei várias vezes e fui arremessada contra a parte interna do meu Rav4. Nenhum dos air bags abriram e os freios simplesmente não funcionaram. Senti meu corpo inteiro sendo esmagado. Minhas pernas e cabeça latejavam e não sentia meus braços. Instantes depois, eu apaguei.
  
   Nem sei por quanto tempo eu fiquei desacordada. Até que vi uma forte luz vindo em minha direção. Tentei pedir ajuda, mas não podia, pois sentia muita pressão em meu peito e uma falta de ar insuportável. Fiz de tudo para me manter lúcida, mas foi em vão, pois não tinha controle sobre meu corpo. 
 
   Acordei novamente com várias pessoas à minha volta. Eles falavam, mas eu ouvia apenas um estrondo em meu ouvido e minhas costas doíam muito. Também não podia olhar para a luz, na verdade nem conseguia abrir meus olhos. Sentia um gosto horrível de sangue na boca e queria poder chorar, mas nem isso eu podia. Em uma fração de segundos, consegui dizer a sílaba bê... Mas não saia o resto. Eu tinha que avisar para salvarem meu bebê. Não me importava com mais nada, mas eles não entenderam e comecei a sufocar com meu sangue.
  
   Parecia que meu peito havia sido esmagado e nem a mão sobre a barriga eu podia colocar. Por mais que eu tentasse, meu corpo permanecia inerte.
 
   Comecei a sentir uma cólica muito forte e ouvi a voz de Enrico, porém não conseguia entender nada do que falava, devido ao zumbindo no ouvido e novamente desmaiei.
 
   Sentia tanto medo de não poder vê-lo mais, senti medo pelo meu pacotinho e tentava voltar desesperadamente. Eu precisava ficar, mas não conseguia.
 
   Quando eu achava que estava voltando, algo me puxava para as trevas de novo e de novo. Não conseguia me comunicar com ninguém, embora estivesse tentando muito. Senti que alguém injetou algo em meu braço e queria gritar para parar. Eu odiava agulhas, odiava ir em médico e agora eu estava sendo furada sem minha permissão de novo. Depois da injeção, apaguei por um bom tempo.
 
   Eu não queria morrer, não podia. Eu e Enrico tínhamos tantos sonhos, fizemos tantos planos para nosso futuro. Teríamos o nosso filho e construiríamos um lar. Estávamos tão felizes, não era justo tudo acabar daquela maneira.
 
   Devo ter ficado muito tempo desacordada. Na verdade eu ainda estava, mas embora eu não pudesse me comunicar, me encontrava num estado de consciência em que eu podia sentir tudo à minha volta, só não conseguia pedir por ajuda. Certamente estava em algum estágio de coma.
 
   Senti quando Enrico se aproximou e pude sentir até seu perfume.

   — Eu estou aqui meu amor. Não tenha mais medo. Você tem que voltar para mim...
 
   Eu tentava enviar algum sinal de que eu o ouvia, mas não conseguia. Meu corpo inteiro estava paralisado. Ele falava sobre tudo o que íamos fazer quando eu estivesse melhor e realmente, adoraria muito fazer tudo aquilo com ele. Aceitaria até morar numa caverna se eu conseguisse sair daquele lugar.
  
   De repente, senti meu coração bater descontroladamente. Uma sensação que ele iria explodir me invadiu e novamente mergulhei na escuridão.
  
   Eu queria minha anne, queria Enrico e queria meu bebê. Deus não podia levar ele de mim... De nós. Não era justo passarmos por aquilo. Por que eu não podia simplesmente ser feliz como todo mundo? Me senti esgotada e decidi me entregar. Seria mais fácil se eu aceitasse meu destino. Se tivesse que partir, que partisse.
 
   Despertei com Enrico chorando muito e com a mão em cima da minha barriga. Ele estava inconsolável e descobri naquele momento que nosso filho não havia sobrevivido àquele acidente. Eu tentei acordar, eu tinha que abraçar o meu amor, mas meu corpo não reagia e eu senti uma espécie de choque por ele todo e apaguei.
 
   Quando voltei, mesmo sem ter voltado realmente, minha mãe estava comigo e senti o toque de sua mão em meu rosto. Queria tanto avisar que eu estava ali com ela, mas não conseguia, por mais que tentasse, era impossível. Então, ela começou a falar sem parar como sempre.

   — Kizin (filha), meu passarinho. Fica com sua anne, askin (amor). Você não se atreva a ir para os braços de Allah. Eu não posso permitir. Todos estão rezando muito por você, principalmente aquele grandão. Ele está perdido aqui. Sabia que ele e o pai fizeram as pazes, finalmente? Estou tão feliz por minha amiga Cecília. Finalmente tem todos os filhos perto novamente. Portanto não se atreva a me deixar justo agora. Não posso ficar sem você, minha alma. Seus sobrinhos estão com saudade da tia Lala e principalmente a Laurinha, não para de falar de você. E seu irmão meu cordeiro, ele não se aguenta de tanto remorso. Ele está se culpando tanto pelo que aconteceu, mas não fica brava com ele. Vocês se amam e sabe como ele é, fala as coisas na hora do nervosismo e depois se arrepende. Ele conseguiu conversar com o Enrico e ele o perdoou, filha. Você também vai conseguir perdoa-lo. Você precisa perdoar teu abi.
 
   Naquele momento, eu só queria esquecer que tinha um irmão. Foi graças a ele que fiquei tão desesperada e acabei naquela situação, que na verdade, eu nem sabia qual era. Eu ouvia a todos, pois de alguma forma minha audição havia voltado, mas sentia fortes dores mesmo com a sedação, ao mesmo tempo, parecia que eu tinha perdido meus membros, pois eu não conseguia movê-los. Eu deveria ter me quebrado inteira. Não queria ver Karim nunca mais. Eu perdi meu bebê. Um pedaço de Enrico que eu tanto queria.
  
   Estava despedaçada mental e muito provável que fisicamente também. Eu estava tão feliz em um minuto e no outro tudo desmoronou, por culpa do seu egoísmo e rancor. Esperava que Enrico tivesse dado uma surra nele por mim. Pois eu não o perdoaria. Uma vez ele me livrou da morte, mas agora quase me entregou para ela. Minha dívida de gratidão estava muito bem paga e com juros.
 
   Só de me lembrar de suas palavras duras, meu coração doía.

Vidas Cruzadas Parte IIIOnde histórias criam vida. Descubra agora