Capítulo 2 - Enrico

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   — Você precisa comer amor, assim não vai sair daqui nunca. Tente pelo menos. Você adora sopa.
 
   Fazia vários dias que ela havia saído do coma e eu tinha me mudado para o hospital de vez. Nem Meryem ficava com a filha, pois Aylla só queria a mim. Também já estava com o buraco da traqueostomia fechado e iniciou o processo de reabilitação.
 
   Ela tinha que começar a ingerir somente líquidos, mas Aylla não queria se alimentar de jeito nenhum. Nem mesmo com a mãe e as amigas quase enfiando goela abaixo.
 
   Em alguns momentos eu até saia do quarto para não perder a paciência, pois aquela mulher era irritante quando queria.
 
   Karim veio para o hospital, mesmo eu avisando para não vir e o resultado foi que ele ficou com a testa roxa, pois a irmã tacou a vasilha de metal que a enfermeira usava para ministrar seu medicamento, o acertando em cheio. Foi seringa e remédio para todo lado tendo que tira-lo de lá. Mesmo assim, ele vinha todos os dias e ficava do lado de fora para saber como ela estava.

   — Ela precisa me ouvir, eu não vou desistir. Até quando ela vai me ignorar? Isso é criancice. Eu sou o irmão dela, porra.

   — Não força a barra, Karim. Nós dois sabemos como ela é cabeça quente e não vai te ouvir se não quiser. Não funciona assim. Eu falo com ela e sua mãe também, o tempo todo. Mas é melhor você ter paciência ou vai piorar as coisas entre vocês.

   — Enrico tem razão, amor. O melhor agora é você esperar e torcer para que uma hora ela te perdoe. Tenta entender que ela passou por muita coisa e ainda vai demorar para se recuperar. Mas com tempo, eu sei que ela vai te procurar.
 
   Ele abaixou a cabeça desolado e senti pena. Mesmo tendo ficado muito revoltado com tudo o que Aylla passou, eu sabia que ele jamais desejaria o mal da irmã. Precisava ter isso em mente para que eu mesmo não ficasse com raiva. O acidente aconteceu mas algo me deixava com a pulga atrás da orelha. Tinha algo errado em tudo aquilo e a culpa certamente não era do meu cunhado.

   — O que os peritos disseram sobre o carro? Você estava nervoso ao telefone. — Karim havia me ligado antes de vim, dizendo que tinha que falar sobre o carro de Aylla. Deixei ela com a com Melissa e fomos até a lanchonete conversar.

   — Os peritos encontraram algumas coisas estranhas. Mexeram no cano de óleo do freio, viram que ele tinha um corte grande e o sensor que aciona os airbags estava danificado. A espoleta estava quebrada. Entre outras coisas. Ficaram de mandar o relatório ainda hoje.

   — O carro dela era novo e ela tinha acabado de fazer revisão nele. Ela teria visto as luzes no painel, Karim . A não ser que... — Meu sangue gelou na mesma hora e ele percebeu.

   — Só conheço uma pessoa doente o bastante para isso.

   — Não pode ser. Ele não está exilado na  Itália? — perguntou Isa, observando o olhar apavorado de Karim

   — Com certeza esse verme tem gente dele por todos os lugares.

   — Ele não seria burro de atacá-la bem debaixo do nosso nariz, seria?

   — Ele está mandando um recado. O retorno dele está próximo e ele quer nos avisar que vai chegar até Aylla. — Claro que Karim sabia sobre seu retorno, pois não demonstrou surpresa alguma.

   — Eu vou ligar para um cara que pode nos ajudar com isso. Se aquele verme acha que vai nos pegar despreparado, está enganado. Vou caça-lo até no inferno.

   — Calma Enrico. Não vai fazer nenhuma besteira, você não pode se sujar na sujeira desse monstro. — Isa estava visivelmente nervosa e tentava em vão me convencer a não fazer nada.

   — E o que você me diz do que ele fez a Aylla? Olha o estado da sua cunhada, Isa. Ela não reage a nada. Não come, não quer as medicações, não aceita fisioterapia, chora o tempo todo, sente vergonha das cicatrizes e mal posso toca-la. Ela não pode falar e olha em que estado ela está psicologicamente. Esse desgraçado matou nosso filho e você ainda me pede para não fazer nada. Não dá, Isa.

Vidas Cruzadas Parte IIIOnde histórias criam vida. Descubra agora