Capítulo 7 - Aylla

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Quando acordei, estava novamente no quarto. Enrico segurava minha mão e dormia todo torto com a cabeça em cima de mim. Fui tocá-lo, mas minha mão estava novamente presa a um fio que gotejava um líquido amarelo de uma bolsa de soro. Também usava um oxigênio, pois sentia muita falta de ar e não entendia o que tinha acontecido.

- Enrico... Amor. Acorda!

- Ah! graças a Deus você acordou - disse, beijando minha mão. - O que você está sentindo?

- Falta de ar e dor nas costas. O que aconteceu? Estou morrendo de sede.

- Você teve uma embolia pulmonar. Tem um coágulo em seu pulmão - falou pegando a água para mim.

- Como assim? O que significa isso?

- Não sei ao certo, mas o médico disse que se tivesse ido para seu coração, você não teria sobrevivido. Acho que chega de me dar susto, não é, amor - Enrico me dava água na boca enquanto falava.

- Me desculpe. Eu só te dou trabalho. Você estaria bem melhor se não tivesse que viver me carregando nas costas.

- Nunca mais repita isso. Eu te amo, Aylla. Somos parceiros em tudo, se esqueceu? Então para de falar bobagem.

- Onde está a Giulia?

- Ela teve que ir, mas vem te ver amanhã. Minha mãe também veio com meu pai e deixaram um beijo.

A porta se abriu e dei de cara com quem eu menos queria ver naquele momento. Karim. Ele estava pálido e deveria ter vindo correndo quando soube de mim.

- Aylla, o que aconteceu?
Apenas virei a cara. Não queria vê-lo.

- É melhor você ir embora, Karim. Ela já está melhor, então não piore as coisas.

- Não vou coisa nenhuma, Enrico. Ela tem que me ouvir.

- Não quero te ouvir... Nem te ver... Some daqui! - disse quase perdendo o fôlego.

- Aylla, por favor, me escuta.

- Não! Tira ele daqui, Enrico.

- Por que você não me ouve só uma vez?

- Pelo mesmo motivo que você não quis me ouvir. - Eu mal podia falar, mas queria muito bater nele.

- Karim é melhor você ir. Ela está se recuperando e o médico disse que ela não pode se exaltar. Colabora, por favor. Eu te mantenho informado.

- Eu vou. Mas uma hora você vai ter que me encarar, Aylla. - Sem pensar, joguei meu travesseiro nele e uma garrafa de água que acabou acertando Enrico.

Ele correu até mim e segurou minhas mãos, enquanto meu irmão saia.

- Aylla. Para. Não se agite pelo amor de Deus. Você quer morrer?

- NÃO! QUERO MATAR ELE!

- Você não pode ficar nervosa. Tente se controlar.

- Eu quero ir embora. - Estava desolada e aos prantos. - Me leva pra casa. Me tira daqui.

- Como? Olha seu estado. Se eu te levar embora, não quero nem pensar no que pode te acontecer.

- Boa noite, posso entrar? - Um médico entrou, veio em minha direção e verificou o líquido que estava sendo injetado em mim.

- Aylla Barysh, correto?

- Sim. - Concordei desanimada.

- Aylla, sou o Dr Fábio e vou te explicar o que aconteceu. Você teve o que chamamos de TEP Trombo no Embolo Pulmonar. Isso significa que você tinha esse coágulo em algum lugar do seu corpo. Possivelmente causado pelo acidente. Ele se desprendeu e foi parar no seu pulmão. Estávamos te dando uma dose de anticoagulantes mas mesmo assim não foi o suficiente para dissolve-lo. Agora nós substituímos por um bem mais forte. Você terá que permanecer mais algum tempo internada enquanto estiver fazendo o tratamento. Foi muita sorte ele ter ido para o seu pulmão.

- Sorte, doutor? Estou toda fudida, retalhada, quebrada e ainda tenho essa porra de coágulo no meu pulmão. Isso é ter sorte?

- Você está viva, não está? Se ele tivesse ido para o seu coração, teria sido fatal. Então isso é motivo para comemorar.

- Que seja. Até quando tenho que tomar essa porcaria?

- Aylla. Da pra falar direito com o doutor. Ele só quer ajudar.

- Eu entendo sua frustração. Você estava prestes a receber alta e agora é obrigada a permanecer mais tempo aqui. Não é fácil. Porém seu tratamento continuará em casa por tempo indeterminado. Você terá que fazer uso de anticoagulantes via oral por muito tempo. Preciso te alertar que evite uma gravidez por enquanto. Esses medicamentos são extremamente abortíferos.

- E a coisa só piora. - Eu estava cansada do hospital, cansada dos médicos, injeções, remédios, enfermeiras e agora tinha que engolir mais essa bomba.

- Quando o senhor diz muito tempo, quer dizer quanto tempo? - Enrico perguntou.

- Não tenho uma previsão. Possivelmente por alguns anos.

- O QUÊ? ISSO É UM PESADELO, SÓ PODE SER! - Enrico colocou as mãos na cabeça e andava de um lado para outro dentro do quarto. - Quer dizer que se eu tomar essa merda por dez anos, nesse período não posso ter um filho, é isso?

- Claro que não. O que eu quis dizer é que por um período não poderemos mexer em seu medicamento. Somente depois é que você poderá substituir por outro se decidir engravidar. Mas nem pense nisso antes de desmama-la do que te receitarei. Isso levará um tempo e precisaremos calcular todos os riscos antes. Esse tratamento não deverá ser menor que seis meses. Preciso ir. Amanhã volto para te ver.

- Estarei de muito mal humor. Pode se preparar.

Ele saiu e eu queria poder gritar de tanta raiva que sentia. Enrico não falava nada e aquilo me deixou mais irritada.

- Nem para te dar um filho eu presto mais. Para de perder seu tempo comigo e caia fora.

- Agora não, Aylla. Por favor.

- Agora sim. Aproveita que a porta está aberta e fuja enquanto pode.

Ele foi até a porta e a bateu com muita força. Se aproximou de meu rosto e estava visivelmente nervoso. Me fazendo gelar.

- Se você me mandar embora da sua vida mais uma vez, eu juro que vou te dar uns tapas. Nem vou ligar para sua doença. Me ouviu? Chega dessa merda toda. Você está frustrada e eu também estou. Mas não é me mandando embora que nossos problemas irão sumir. Toda essa porra não vai passar se você ficar sozinha. Eu estou esgotado e muito irritado com isso tudo, então, não me faça descontar minha fúria em você. Dá um tempo para minha cabeça.

- O que está acontecendo afinal? Não é de hoje que você está assim. Já tem dias que te percebo diferente. Por que não me fala logo ou não mereço que compartilhe nada da sua vida. A única coisa que sei, é que está de saco cheio disso tudo.

- Aylla, eu estou de saco cheio sim. Mas é de você tirar conclusões sem nem saber o que está acontecendo.

- Então por que não me fala, PORRA!? Eu tenho que adivinhar tudo porque você não abre essa boca, caralho. Por que não divide seus problemas comigo.

- Não é nada disso. São coisas minhas. Minha cabeça está cheia.

- Então a esvazie comigo. O que está acontecendo?

- São coisas do trabalho. Só isso.

- Porra nenhuma que é isso. Você já sabe que não sou burra. Agora desembucha de uma vez o que está te deixando assim.

Ele se aproximou e beijou minha testa.

- Descanse. Depois conversamos.

Aquilo me deixou possessa e arranquei o acesso de meu braço e meu oxigênio. Tentei levantar segurando nas grades da cama mas Enrico me segurou.

- Você ficou louca? Volta já para essa cama.

- Vai se fuder. Vou embora daqui agora mesmo.

Tentei escapar de seus braços e senti tudo girar e minhas vistas se escureceram. Minha perna latejou e me soltei sem forças. Por sorte Enrico me segurou.

- Está vendo. Você não consegue nem ficar de pé sozinha, como pretende ir embora?

- Vou até numa cadeira de rodas. Me larga.

- Não te largo. - Ele me agarrou com força e me colocou de volta na cama. - Para com isso. Deixa de ser birrenta. Você quer morrer, caralho?

- QUERO! EU QUERO PARAR COM TUDO ISSO. Estou cansada dessa merda toda. Me solta. - Eu me debatia em seus braços, mas ele não recuou.

- Aylla, para, você vai se machucar.
Senti uma dor insuportável em minhas costas e comecei a bater em seu tórax.

- Por quê, Enrico? Por quê? - Eu estava me sentindo exausta e chorei em seu peito.

- Shhhhh... Calma. Eu estou aqui, meu amor. Vamos passar por isto juntos - disse levantando meu rosto e secando minhas lágrimas.

- Eu não aguento mais. Quero ir pra casa.

- Nós iremos. Tenha mais um pouco de paciência. Vamos dar um passo por vez. Juntos e sem desanimar. Você confia em mim?

Apenas concordei com a cabeça.
Depois que colocaram novamente meu acesso e oxigênio, nos deitamos e peguei no sono em seus braços.

Muitos dias se passaram e eu realmente me tornei insuportável dentro daquele hospital. Não queria ser simpática com ninguém e não aceitei mais receber visitas além dos meus pais e dos meus sogros.

Comecei a caminhar lentamente com a ajuda de um andador e me sentia como um bebê gigante. Só faltou a chupeta e a fralda.

- Me sinto ridícula nesse negócio.

- Não reclama e faça como a fisioterapeuta falou. Olha como você já consegue se equilibrar. Antes nem isso fazia.

- Está doendo muito, Enrico. Eu quero parar.

- Mas não vai. Vamos até o final do corredor.

Algumas enfermeiras me ajudavam dando apoio moral e aos poucos eu ia me firmando, enquanto aquele gostoso bronzeado levava meu soro.

- Viu como todo mundo torce pela sua recuperação?

- O que elas torcem mesmo é para se verem livres logo de mim. Elas me odeiam.

- Ninguém te odeia. Para de ser implicante.

- Aylla, que bom te encontrar aqui. O meu médico disse animado.

- Boa tarde, doutor.

- Ia até você agora. Chegaram os resultados de seus exames.

- Se tiver mais notícias ruins para me dar eu juro que me enforco com o cano do soro.

- Relaxa. As notícias são boas. Vou acompanhá-los até o quarto.

- Fala logo doutor. Até eu chegar ao quarto, nessa velocidade que estou andando eu vou morrer de tanta ansiedade.

- Tudo bem. Embora você ainda tenha o coágulo, todos os seus exames estão ótimos. Clinicamente não temos mais o que fazer. Todo seu tratamento pode ser feito em casa e em clínica de reabilitação. Então decidi que você está de alta.

Eu fiquei tão feliz com aquela notícia que me agarrei no pescoço do médico e dei vários beijos em seu rosto.

- Obrigada doutor. Obrigada. Se eu não fosse tão apaixonada por meu grandão eu ia me casar com o senhor. Muito obrigada

O médico ficou todo desconcertado que até seus óculos saíram dos olhos. Olhei para Enrico que ria da minha empolgação. Dei um pulo em seu colo e o beijei.

- Amor, vamos pra casa. Preciso da minha banheira, da minha cama e de você pelado em cima dela.

- Aylla. Estamos em público, amor!

- E daí. Desculpe doutor, mas já estou na seca há tanto tempo que não quero esperar mais um segundo.

- Não se esqueça do que eu te disse. Procure seu ginecologista o mais rápido possível.

- Vou procurar - disse me soltando de Enrico e me apoiando novamente no andador. Mas até lá preciso tirar a barriga da miséria. Olha esse homem doutor, me diz se tem como resistir a tudo isso...

- AYLLA. Meu Deus!! Desculpe doutor. Para com isso. Quer me matar de vergonha.

- Vamos para casa amor. Vou te matar, mas é de outra coisa.

- É melhor se prevenirem. Todo o cuidado é pouco no seu caso. Passarei daqui a pouco em seu quarto com todos os papéis das recomendações e suas receitas médicas. Não fuja mocinha.

- Tentarei doutor. - Dei uma piscada e ele saiu.

Enrico me abraçou novamente, me girando no ar.

- Nem acredito que estou te levando pra casa depois de quase dois longos meses.

- Me leva daqui, meu amor. Não aguento mais esse lugar.

- Nem eu. Largamos o andador onde estava e ele me levou no colo até o quarto.

Enquanto ele guardava minhas coisas eu avisava minha mãe da novidade. Ela ficou radiante com a notícia. Mas me disse que não poderia ir me buscar. Fiquei um pouco chateada, mas a entendi. Ela deveria estar cansada daquele lugar, tanto quanto eu.

O médico entrou e me passou uma tonelada de recomendações, orientações médicas, encaminhamentos e muitas receitas. Eu realmente odiava tomar tanto remédio. Mas naquele caso eu não tinha escolha.

Quando finalmente cheguei do lado de fora do meu quarto, fui recebida com muitos aplausos. Embora tenha sido insuportável na maior parte do tempo, muitas vezes reunia a equipe e ficávamos conversando sobre várias coisas. Eles diziam que eu era um milagre, pois pelo estado em que cheguei, ninguém conseguiu acreditar que eu sobreviveria e muito menos sem nenhum dano cerebral.

Fiquei muito emocionada pelo carinho de todos e recebi um lindo buquê de rosas vermelhas, as minhas preferidas.

- Muito obrigada pela dedicação e paciência de todos. Se eu estou viva hoje é porque vocês não desistiram de mim. Mesmo eu sendo um pé no saco.

Me emocionei muito quando vi o médico que me salvou e que cuidou de mim todo esse tempo. Jamais me esqueceria de todo seu empenho em me manter viva.

- Cuida bem dessa garota, Enrico. Ela vai precisar muito do seu apoio. Agora mais ainda. Aylla siga todas as minhas recomendações a risca. Não quero mais te ver por aqui.

- Deus me livre, doutor. Quero distância de todos vocês. Nada pessoal. Vocês entendem, né? - Todos riram e fomos para casa.

Enrico me carregou no colo até chegarmos em meu apartamento. Eu aproveitei e atacava seu pescoço com lambidas e mordidas.

- Para pequena. Assim eu vou te derrubar.

- Não posso. Quero te devorar todinho.

- Você está fazendo cócegas.

- Quero fazer outras coisas também. - Ele me atacou no escuro mesmo e nos agarrávamos como dois esfomeados. - Preciso te chupar todinha, amor.

- Vamos tomar banho, estou morrendo de tesão. - Ele me agarrou e eu me grudei nele. Quando chegamos à sala, as luzes se acenderam e só ouvimos um...

- SURPRESA!!

    - SURPRESA!!

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Vidas Cruzadas Parte IIIOnde histórias criam vida. Descubra agora