Capítulo 12 - Enrico

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Acordei de manhã com um barulho alto vindo do banheiro. Olhei do lado e Aylla não estava na cama. Dei um pulo e fui correndo até lá.

Cheguei e a encontrei caída no chão se contorcendo descontroladamente.

- Aylla... Aylla, o que está acontecendo? - Eu tentava segurá-la, mas ela não conseguia parar. Me embrulhei numa toalha e gritei para Ruth vim até nós.

- Eu não sei o que ela tem. Ela está tendo um ataque?

- Senhor Enrico, isso parece ser uma convulsão. Vamos virá-la de lado e chamar o resgate. Eles saberão o que fazer.

Fizemos como os paramédicos pediram por telefone e aos poucos ela foi se acalmando e voltando aos seus sentidos.

Meu coração estava tão acelerado, que nem ouvi o que tentava dizer.

Só tive tempo de por uma roupa nela e em mim e o resgate chegou, nos levando para o hospital. No caminho liguei para Meryem e avisei o que havia acontecido. Aylla tirou o oxigênio e nem conseguia falar direito, mas mesmo assim disse:

- Eu estou melhor, Enrico. Não precisava chamar minha mãe.

- Não fala nada. Apenas descanse.

Eu não parava de tremer. Ultimamente eu vivia com os nervos a flor da pele com medo de algo acontecer a ela, e ter que voltar àquele hospital me levou ao limite do estresse.

- Eu estou bem. Não quero ir.

- Mas precisa. Não vou discutir isso com você. Se estivesse bem, não teria convulsionado.

- Por que você está bravo comigo?

- Não estou. Estou apenas nervoso por te ver assim.

- É só descer da ambulância que resolvemos esse problema.

- Senhora é melhor se acalmar e coloque o oxigênio - uma paramédica disse rispidamente.

- Desculpe, Aylla. Só estou muito preocupado com você, mais nada.

Ela me ignorou e fomos em silêncio o resto do caminho. Tentei me controlar para não descontar meu medo em quem menos eu poderia.

Assim que chegamos, fomos atendidos e ela foi encaminhada para fazer alguns exames. Seus pais chegaram logo em seguida e estavam muito nervosos.

- Enrico, o que aconteceu agora? - Luís perguntou aflito.

- Ela teve uma convulsão em casa, mas está melhor. Entrou para fazer alguns exames e logo o médico dirá como ela realmente está.

- Como isso foi acontecer? Ela passou algum nervoso?

- Não. Minha mãe passou o dia lá em casa e ela passou bem a noite. De manhã acordei com ela convulsionando no banheiro, então chamei o resgate.

- Allah, Allah. O que será isso agora?
Uma porta se abriu e Aylla saiu. Estava sentada numa cadeira de rodas e um enfermeiro segurava um equipo com soro no alto.

Assim que me viu, se levantou arrancando o acesso em seu braço nervosa.

- Me leva embora daqui agora mesmo. Ninguém vai enfiar mais essa porra de agulha em mim.

- Calma filha. Você tem que ver o médico.

- Não preciso merda nenhuma, pai. Eu só quero sair desse lugar. Quero ir para casa.

- Filha, não fica nervosa. - Luís veio até ela e a sentou num banco. - Vamos ouvir o que o médico tem a dizer, depois Enrico te leva para casa. Não leva?

- Eu prometo. Não vou deixar você aqui. Confia em mim?

- Confio, mas eu quero ir agora.

- E nós vamos. Tenha um pouco mais de paciência.

Ela levantou a cabeça e olhou em uma direção. Antes mesmo que pudéssemos segurá-la, ela se levantou e saiu mancando apressadamente.

Sai atrás dela, mas não a alcancei. Ela só foi parada por Karim que entrava exatamente naquele momento.

- Tira suas mãos de mim. Não me toque. Se não me deixar ir embora eu vou te socar.

- Não vai não. Onde pensa que vai correndo assim?

- Karim pode deixar que eu seguro ela - disse me aproximando.

Ele continuou a segurá-la e disse algo em seu ouvido que a fez chorar e bater em seu peito. Mesmo assim ele não a soltou.

Somente quando eu segurei em seu braço ele a largou.

- Manda ele sumir daqui. Eu não quero vê-lo - disse, enfiando o rosto em meu peito.

- É melhor você ir Karim. Ela não está bem. Não piore as coisas.

- Eu estou preocupado. Não vou embora enquanto não tiver certeza que ela está bem.

- Some daqui, Karim! Some da minha frente, some da minha vida. Eu não tenho mais irmão.

- Não fala assim, Aylla. O que eu preciso fazer para você me perdoar?

- Você pode voltar o tempo e trazer meu filho de volta? Você pode fazer a minha perna ser como era antes? Tem como você devolver a minha vida, Karim? Você não pode, porque você matou tudo dentro de mim. Inclusive o meu amor por você. Agora desaparece da minha frente para sempre.

- Filha, não faz isso com teu irmão. Ele está sofrendo sem você.

- Quem está sofrendo sou eu, anne. Olha o inferno que estou vivendo. Não vivo mais, estou apodrecendo dentro dessa casca de corpo. Fico ouvindo repetidas vezes tudo o que ele me disse naquela maldita noite, sem parar. Eu não consigo te olhar sem me lembrar de toda a dor que você me fez sentir - ela dizia aos prantos. - Você me baniu da sua vida e eu quero banir você da minha. Olha o estrago que você fez comigo. Você me matou naquela noite, Karim. Ainda estou dentro daquele carro ouvindo cada palavra tua.

- Aylla. Não seja injusta. Você sabe que ele não tem culpa nenhuma desse acidente. Entendo que esteja brava com ele pelo que te disse. Mas não o culpe por algo que ele não fez.

- E você ainda o defende - gritou se afastando de mim. - Você deveria ser o primeiro a ficar do meu lado.

- Eu sempre vou estar do seu lado. Mas nem por isso vou deixar você ser injusta. Mas se quiser por a culpa em alguém, então culpe a mim. Afinal toda essa briga aconteceu por minha causa. Eu é que não fui capaz de te enfrentar e ir falar com ele de uma vez sobre nós. Então, se quiser, também posso ir embora. O que me diz?

- Eu quero que todos se fodam. Ele, você e o mundo inteiro. Estou de saco cheio dessa merda. Me leva embora, pai. Por favor.

- Não Aylla. Você vai ficar bem aqui e ouvir o que o médico vai dizer e se eu ouvir você ofender seu irmão mais uma vez eu não respondo por mim.

Ele a pegou pelo braço e a sentou de volta na cadeira de rodas como se fosse uma criança.

- Luís, o que está fazendo? - Meryem estava nervosa do lado da filha.

- Estou fazendo o que um pai de verdade faz. Colocando limites nessa garota. Pare agora de agir como uma menina mimada. A Aylla que eu conheço jamais seria tão cruel com o próprio irmão. Um irmão que dedicou a vida para cuidar de você e te livrou da morte. Olha as marcas que carrega até hoje por sua causa. Mesmo assim ele nunca a culpou por sua dor. Ele pode ter te ofendido, mas nada justifica seu comportamento deplorável. Ele errou e está pagando por isso. Mas não vou deixar você tratá-lo como se fosse o assassino do meu neto. Isso eu não admito.

- É melhor você ir agora, Karim. Ela está melhor e te mando notícias quando chegarmos em casa - pedi, tentando acabar com aquela discussão, mas Aylla não parava de encará-lo com um olhar mortal.

Ele se despediu de longe e saiu calado. O médico saiu de seu consultório logo atrás de um paciente e estava visivelmente nervoso.

- O que está acontecendo aqui? Da para ouvir vocês lá de dentro. Aqui não e lugar para brigar e você Dona Aylla era para estar descansando num quarto e não aqui fazendo sabe-se lá o que. Vamos entre no consultório agora mesmo.

Entramos calados, seguidos por Meryem e Luís.

- Como está minha filha, doutor?

- Parece que bem. Mas ela teve uma convulsão e isso não é brincadeira. Se não levar a sério esse tratamento você continuará tento essas crises.

- Quer dizer que isso pode acontecer de novo? - perguntei, assustado.

- Sim, infelizmente. As vezes isso acontece após um trauma como o dela. A tomografia está normal, mas vou receitar um medicamento para evitar que isso volte a acontecer. Também fará alguns exames para descartamos outras sequelas. Você já procurou seu ginecologista?

- Ainda não. - disse ela, abaixando a cabeça.

- Pois vá o quanto antes. Você não pode engravidar, Aylla. Esse tratamento é agressivo, eu sei. Mas é para o seu bem. Faça tudo o que eu disser corretamente e logo diminuiremos todos esses medicamentos.

- Por que não me esterilizam de uma vez? Assim não farei a burrada de ser mãe nunca. - O médico respirou fundo e eu apenas balancei a cabeça.

- A escolha é sua. Porém você sabe de todo o risco. Não posso tomar nenhuma decisão por vocês, mas posso mostrar algumas fotos de fetos que foram gerados por mães teimosas e que não levaram a sério o que estou dizendo. Posso te garantir que não vai gostar das imagens.

- Tudo bem. Me dá logo estes papéis. Já que não tem jeito. É só isso? Posso ir embora? - disse já se levantando. - Alguém vai me levar ou terei que chamar um táxi?

- Luís fica um minuto com ela. Quero falar com o médico.

- Se forem escolher uma clínica para me internar, procure uma com jardim, por favor.

- Já chega Aylla! Me espere lá fora e com a boca fechada, entendeu? - Ela cerrou os olhos e apenas saiu, amparada por seus pais.

- O que está acontecendo com ela, doutor? Ela parece que está totalmente descontrolada. Uma hora só sabe chorar, em outra fica melancólica. As vezes parece que está drogada de tão eufórica ou tem esses rompantes de agressividade do nada.

- Se lembra quando eu disse que um trauma como o dela poderia deixar algumas sequelas? Pois essas são as sequelas. Um distúrbio de personalidade e humor frequente. Passarei um medicamento para tentar mantê-la calma. Por ora, eu peço que tenha paciência e evite que ela fique nervosa. Não sabemos como a mente dela está reagindo com tantos acontecimentos. Mas é esperado que aos poucos ela volte a ser como antes. Devo apenas lembrá-lo que ela não pode em hipótese alguma...

- Engravidar. Eu entendi. Vamos essa semana ao ginecologista resolver isso.

- Tudo é muito recente e assusta mesmo. Mas logo tudo estará de volta aos eixos.

- Assim espero. Muito obrigado, doutor.

- Fique com meu número de celular. Qualquer intercorrência me ligue, seja de dia ou de noite.

- Ligarei. Obrigado. - Nos despedimos e sai à caça da minha onça.

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Vidas Cruzadas Parte IIIOnde histórias criam vida. Descubra agora