No limite da cidade

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A cama se movendo foi a primeira coisa que Lisa percebeu quando despertou no dia seguinte. De olhos fechados, com os sonhos ainda vagando por sua mente, ela se perguntava o que poderia ser.

Ela se lembrou da noite passada, de Jensen em sua porta após semanas, dos beijos incansáveis, dele dizendo que a amava. Ela acabou sorrindo antes mesmo de abrir os olhos; só podia ser ele se mexendo daquela forma.

Lisa virou na cama, abrindo os olhos lentamente, mas o que aconteceu a seguir a fez desejar ter continuado sonhando.

─ Que droga, merda! Isso não devia ter acontecido, não era para acontecer, que inferno. ─ Ele estava chateado, até encontrar os olhos perdidos dela. ─ Lisa... Seja lá o que aconteceu noite passada... Foi um erro, eu estava completamente bêbado.

Antes que sequer pudesse organizar seus pensamentos, sentiu o banho de água fria com as palavras dele. "Seja lá o que tivesse acontecido?" Sua visão ficou embaçada antes mesmo que ela tivesse a oportunidade de se levantar. A melhor noite que teve em semanas, a primeira vez que ele falou com ela em semanas, e foi tudo um erro, uma "merda". Um nó se formou em sua garganta enquanto ela evitava chorar.

Não, ela não ia fazer isso de novo. Essa foi a última vez.

Ela se levantou, puxando o lençol para proteger seu corpo, e caminhou. Antes de sair do quarto, ela olhou para ele, o homem que ela tanto amava... Agora só conseguia lhe despertar tristeza e raiva.

─ Essa foi a última vez que você me usou, Christopher, que brincou com os meus sentimentos. ─ Ela sentiu o gosto conhecido das lágrimas, mas se manteve firme. ─ Eu juro para você que essa foi a última vez.

Lisa quase se assustou com a frieza e certeza na sua voz, mas aquilo era uma vitória. Agora estava decidida.

─ Lisa, me desculpe por isso. Eu não usei você, não foi nada disso. ─ Ele a seguiu pelo corredor.

Ela entrou no próprio quarto e bateu a porta com força enquanto ia em direção ao closet. Ela abriu mão de tudo por ele, tinha pensado em abrir mão de tudo o que havia lhe restado... E o que ganha em troca? Ser o escape dele quando bebe.

Ela sentiu as lágrimas descendo por seu rosto enquanto seu coração sangrava em decepção a cada palavra pensada.

Vestiu-se o mais rápido que conseguiu, com as primeiras roupas que encontrou, tentando segurar as lágrimas.

─ Vamos conversar, por favor. Olha, eu sei que tenho sido um idiota... Talvez seja um pouco tarde, mas a última coisa que eu quero é magoar você. Tem sido difícil para mim também. Eu não tive a intenção de usar você... Por Deus! Eu nunca teria feito isso de propósito.

Ela abriu a porta com raiva, se lembrando de cada palavra que ele disse na noite passada.

─ Jura? Tem sido difícil para você? Imagino que seja mesmo. Terminar com alguém e continuar morando com ela porque não tem para onde ir. Imagino que seja extremamente difícil para você, que nunca ficou em casa, e agora fica menos ainda.

Seus lábios tremeram, e ela rapidamente passou a mão pelo rosto, limpando uma lágrima.

Ele a olhava, parado. O homem alto não se parecia nada com o homem dos últimos dias, mas também não se parecia com o homem dos últimos meses...

─ Lisa... ─ Ele levantou as mãos. ─ Eu sinto muito, de verdade... Eu só precisei de um tempo! E-eu ainda preciso.

─ Ótimo. Continue com o seu tempo.

Ela desviou dele e caminhou para fora do apartamento o mais rápido que conseguiu.

Do lado de fora, enquanto ela pisava como uma fera pelas calçadas, não demorou para Jensen aparecer, vestido, na rua, tentando alcançá-la.

Lisa chegou ao limite da cidade em alguns minutos, tentando fugir dele. Ela caminhou irritada pela calçada perto do mar...

Ela havia decepcionado o seu povo, e merecia o castigo que estava recebendo agora.

─ Lisa! Pare, por favor. ─ Jensen a chamou pela milésima vez. ─ Vamos conversar em casa.

─ Que inferno, Jensen! ─ Ela se virou, finalmente o olhando desde que saíram do apartamento. ─ Me deixa em paz! Eu não quero voltar para aquela maldita casa! Não quero falar com você, não queria nem estar olhando para você agora. Obrigada por me mostrar, um pouco tarde demais, que você não valia todo o sacrifício que fiz por você. ─ Ela explodiu, gritando aos quatro ventos. Queria magoá-lo, assim como ele a magoou, queria que ele sentisse a mesma coisa... mas parecia impossível.

Os olhos dele ficaram vazios... A culpa que tinha neles antes foi tomada por algo que Lisa não sabia descrever; ele parecia abalado, procurando o que falar.

─ Eu fui um cretino com você, não só hoje, como nas últimas semanas, mas isso não significa que o que vivemos antes foi uma mentira...

Lisa riu, sem humor algum. Aquilo era uma piada? Merda, ela estava chorando de novo.

─ Sério? Porque foi exatamente isso que você me disse quando terminou...

Ele se defendeu, sua boca abria e mexia, mas, de repente, sua voz ficou longe demais.

Lisa congelou no lugar por um segundo. Mais adiante, atrás de Jensen, ela viu sua irmã... Awlie estava parada em frente à baía. Ela estava nua, apenas com adereços de pedras e pérolas enfeitando seu corpo. Ela tinha os cabelos ainda molhados, sua postura era de ataque enquanto mostrava os dentes para os guardas que se aproximavam.

Lisa não teve tempo para pensar, ela correu em sua direção. Enquanto seus pés corriam desesperados pela calçada, ela tirou o casaco, deixando Jensen para trás, falando sozinho.

Seu corpo se chocou contra o corpo da menina em um abraço apertado, enquanto passava o casaco sobre os ombros, tentando cobrir parte de sua nudez.

Awlie enrijeceu, assustada por um minuto, ela não tinha visto Lisa chegar, mas após sentir o cheiro da irmã, ela relaxou, começando a choramingar.

─ Dála. ─ Sua voz saiu trêmula e ela abraçou a irmã mais velha de volta.

Aquele era o momento apenas delas. Lisa a abraçava forte, apertava-a em seus braços, custando a acreditar que sua irmã estivesse de fato ali. Ela queria protegê-la desse mundo enquanto ainda havia tempo, da maldade dos humanos. Seus pais estavam certos, os humanos não mereciam o amor. Lisa estava com saudades, e aos poucos esse sentimento foi calando todos os outros.

Ao fundo, a voz de Jensen conversando com os guardas dava para ser escutada com clareza.

"─ Mas o que está acontecendo aqui? Vocês a conhecem?"─ perguntou um dos guardas.

"─ Eu sinto muito, senhores, nós a conhecemos sim, não sei por que ela está assim. A levaremos para casa."

─ "Ah, sim. Tudo bem então, sr. Jensen, mas se ela precisar fazer uma denúncia, não se esqueça que o exame de corpo de delito será preciso."

"─ Ok, ok."

Jensen Christopher parou ao lado delas.

─ Vamos para casa. ─ disse ele.

Lhe ocorreu que ela não tinha uma casa para levar a irmã, a não ser a casa de Jensen. Era bom sua irmã estar aqui, mas, ao mesmo tempo, nem ela queria mais estar aqui.

O Corpo De Uma SereiaOnde histórias criam vida. Descubra agora