Crisântemos Queimados

41 5 37
                                    

PARTE III - O CRIME FINAL

Eu estava falido.

Os grandes dias se foram, levaram os dólares, o resto da minha dignidade e um terço do meu pavio tão meticulosamente cultivado e apaziguado. Londres sugou minhas economias me fazendo entender que eu deveria ter ido desde o início para o Canadá, de qualquer maneira. Eles tinham boas lanchonetes, e eu poderia dirigir até New Jersey quando quisesse tomar uma boa cerveja ou ver o rio Hudson.

Eu poderia sim. Poderia não ter ido para tão longe, assim, marcaria presença nos jantares de Jamia, passaria mais tempo com as crianças e jogaria cartas com Alex quando ele não tivesse misteriosamente fugido para algum lugar.

Mas sendo honesto, eu estava de saco cheio. Eu odiava New Jersey. Odiava minha rua. Odiava o clima, o sotaque — que eu trabalhei para perder, odiava até respirar lá. Eu queria fugir e isso poderia até ser considerado um ato de covardia da minha parte, mas se eu continuasse no mesmo Estado que Gerard, juro que entraria em combustão espontânea ou daria tiros nos seus pneus.

Dar-me conta do que estava acontecendo foi como ter uma explosão atômica ao longo do meu corpo. Lembro que fiquei longos minutos na cama, encarando o vazio com aquele bilhete na minha mão, queimando-a. Fiquei aéreo, sem querer acreditar que aquilo estava acontecendo depois de todo aquele caos. Michael havia se jogado do navio, seu irmão e eu havíamos levado a droga de um tiro e ele sequer se deu o trabalho de ficar comigo no hospital em Jersey. Eu havia sido baleado tentando resolver suas questões de ego artístico com a porra da máfia italiana e ele foi embora e me deixou um caralho de bilhetinho poético?!

Ah, eu sou uma maldição de terno e gravata”

Recordar tudo isso fazia meu sangue ferver. E não me surpreendia que depois de cinco anos continuava tão intensamente querendo matá-lo.

Jamia tentou ser uma intermediária entre nós dois. Ela é pura e romântica. Acreditava no que eu e ele tínhamos apesar de tudo, sempre o mencionando nas conversas por telefone, sua voz doce perguntando: “teve notícias do Gerard?”. E eu dizia que não. Ela gostava de plantar a dúvida na minha cabeça, como se de alguma maneira isso me fizesse trair minha própria promessa de não procurar por seu nome em nenhum veículo de comunicação. Então passei a fingir para o mundo que ele nunca havia existido. Enterrei sua figura no cemitério da memória. Enfiei a pá na terra e dei as costas. Seu nome já não saía em voz alta dos meus lábios. E honestamente não sei se isso é bom ou triste.

Eu sou muito bom em ignorar.

No quesito Gerard estava sóbrio. Limpo. Mas isso não apagava o fato de que pensava nele todos os dias. Logo, eu fumava um cigarro, e comia alguns bolinhos. E tudo ficava momentaneamente bom de novo. Mas ali estava eu de novo. Na cidade dele. No seu habitat. Na companhia da amiga que ele visitava semanalmente, segundo ela. Ali estava eu novamente. Pensando nas suas gravatas e casacos, questionando se ele manteve seu estilo. Se ainda morava em um edifício gótico. Se ainda escrevia poemas.  Se pensava em mim.

Enfim, a falsa resiliência. Eu a bordava em linhas frágeis e finas que sabia que ao longo do tempo irão arrebentar.

E acerca disso eu não me importava tanto.

Estive quebrado diversas vezes, e como qualquer jarro comum, haveria um momento que uma boa cola não  mais funcionaria na junção dos  pedaços.

A luz tremeluzindo usou meu corpo para cintilar. Eu estava sentado no meu sofá puído e coberto por um lençol branco, sentindo meus ombros caídos mostrarem o quão ferrado estava. Encarei horas de voo até ali e antes disso houveram horas de humilhação e uma longa série de “eu avisei” contra as minhas orelhas.

Drowning Lessons (Em Revisão) || Frerard ||Onde histórias criam vida. Descubra agora