Capítulo 1

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• Fernando •

Eu nunca fui o tipo de cara apegado, do tipo que criava raízes em algum lugar. Isso, pelo menos, até os meus dezessete anos.

Aos quinze, eu tinha saído da cidadezinha onde eu morava no interior do estado de São Paulo, para estudar na Europa. E, na ocasião, jurei para mim mesmo que não voltaria a colocar os meus pés naquele lugar. Afinal, meus planos eram os de retornar para o meu país apenas depois que concluísse o Ensino Médio, e iria direto para Harvard, onde sempre sonhei cursar minha faculdade.

Porém, de repente, tudo tinha mudado com um telefonema informando que meu pai havia falecido. Foi para o velório dele que eu voltei. E foi pelas lembranças dele que decidi ficar.

Minha mãe foi contra. A ideia de eu cursar o meu último ano de colégio na única escola da pequena cidade, para ela, era ultrajante. Apesar de ter feito fortuna com uma rede de clínicas médicas na região, ela não se cansava de repetir, desde que eu era criança, que eu poderia ter muito mais em qualquer lugar bem longe dali. Mas eu insisti. Faltava menos de um ano para eu me formar, não queria sair do país naquele meio tempo.

Contudo, logo que entrei na nossa escola, comecei a pensar que, talvez, eu deveria ter ouvido a minha mãe. Porque, se na Europa eu era apenas mais um adolescente fazendo intercâmbio, ali naquela pequena cidade eu era o centro das atenções.

Eu era Fernando Zorzanello, afinal de contas. Filho de Filomena Zorzanello e do falecido Sérgio Zorzanello, donos da maior rede de clínicas médicas de todo o Estado de São Paulo.

Eu não ia bancar o falso modesto negando que tinha consciência de ser um cara que chamava a atenção. Eu malhava, por isso tinha o peitoral, o abdômen e os braços bem definidos para um garoto de dezessete anos. Contudo, ainda assim, eu poderia apostar que a quantidade de garotas que se aproximava de mim provavelmente seria bem menor se eu não fosse um herdeiro milionário. Bem como a quantidade de caras querendo me ajudar a me enturmar.

E eu tentei...

E, verdade seja dita, eu consegui com uma extrema facilidade. Por mais de um mês eu de fato me enturmei. Por ser uma cidade pequena, eu conhecia a maior parte dos meus colegas de escola, que já haviam estudado comigo no fundamental.

Passei a andar com um grupinho de caras populares, entrei para a equipe de futebol, fui a festas todos os finais de semana e fiquei com algumas meninas. Tudo isso, claro, sem me desconcentrar dos estudos, que eram o que mais me importava.

Eu só precisava sobreviver ao último ano de ensino médio e ir para Harvard. O sonho da Medicina me aguardava. E sobreviver à escola era bem mais fácil sendo um dos populares.

No entanto, em um determinado dia eu simplesmente saturei. Talvez fosse a falta do meu pai batendo com mais força no meu peito, ou apenas um dia de mau humor em que eu não conseguia ver com naturalidade todo aquele enxame de puxa-sacos ao meu redor. Só sabia que, quando chegou o horário do intervalo para o almoço, tudo o que eu queria era ficar sozinho.

E foi assim que, ao invés de ir para o refeitório, eu saí da sala de aula rumo ao pátio e, de lá, pensei que a horta que ficava aos fundos do terreno provavelmente estaria deserta àquela hora.

Eu poderia dizer que eu infelizmente me enganei...

Se aquele não tivesse sido o erro mais acertado e mais feliz da minha vida.

Mal atravessei a cerca que rodeava a área arborizada, e fui recebido pela voz doce e afinada que entoava os versos de uma canção bem antiga.

Maiara: Birds flying high you know how I feel... Sun in the sky you know how I feel... (Pássaros voando alto, vocês sabem como me sinto... Sol no céu, você sabe como eu me sinto...)

O fruto do nosso amorOnde histórias criam vida. Descubra agora