Capítulo 3

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• Maiara •

Há anos, tudo o que eu mais desejava na vida era que o tempo passasse rápido. Minha mãe sempre me dizia que aquilo era uma tolice juvenil. Ela sempre falava sobre o quanto o tempo era precioso e o quanto deveríamos aproveitar cada minuto de cada etapa da nossa vida. Agora, eu já era capaz de entendê-la. Mas isso não mudava a urgência que eu sentia para que aquela insuportável fase de ensino médio passasse.

Eu sabia que aquela época escolar era difícil para muitas pessoas, mas se tornava ainda um pouco pior quando se caía de paraquedas em um colégio novo, em que todo mundo já parecia bem enturmado em seus grupinhos. Eu já tinha, antes, experimentado aquilo de popularidade. Mas deixei tudo para trás, em minha antiga vida. Aquela que eu fui obrigada a largar quando minha mãe foi transferida para outra filial das clínicas Zor.

Antes disso, eu tinha morado a vida inteira praticamente em outro estado. Agora, tudo o que eu mais queria era me formar, sair daquele inferno de escola e, especialmente, chegar aos meus tão esperados dezoito anos para poder ter mais independência. Contudo, precisava confessar... naqueles últimos meses, eu parecia ter abandonado boa parte de toda aquela sensação de urgência. Porque o tempo parecia passar de forma muito mais agradável desde que conheci Fernando.

Passávamos os intervalos juntos, ouvindo música. Ele tinha chegado a me oferecer seus fones sem fio, mas recusei e ele não insistiu. Acho que ele, assim como eu, também gostava do fato daqueles fios nos manterem fisicamente próximos. Além de as canções já nos aproximarem emocionalmente. Então, eu geralmente não voltava a vê-lo no decorrer do dia. Estudávamos em turmas diferentes – ele no último e eu no penúltimo ano. Às vezes, chegávamos a nos encontrar pelos corredores. Ele, sempre cercado de amigos... e de garotas. Eu, geralmente solitária. Então, sorríamos e acenávamos um para o outro e apenas seguíamos, cada um para a sua sala. Daí, voltávamos a nos encontrar na saída, em mais uma rotina que construímos.

Eu costumava ir da escola direto para a lanchonete onde trabalhava por meio expediente, e ela ficava a apenas algumas quadras dali, então eu sempre ia a pé. Porém, Fernando me garantiu que era caminho para a casa dele e passou a me oferecer carona. Era um trajeto de poucos minutos. Geralmente, o tempo de duas músicas – agora ouvidas pelo rádio do carro – ou às vezes apenas uma e meia. Porém, era mais um momento bom entre nós.

Mesmo sendo um tempo curto, era o suficiente para, a cada dia, conhecermos algum detalhe a mais a respeito um do outro. E eu adorava conhecer mais de Fernando Zorzanello.

Fernando: Acho que essas versões remasterizadas perdem um pouco da essência — ele comentou logo que entramos no carro naquela tarde, e ele ligou o rádio do carro, que começou com uma música da Aretha Franklin.

Maiara: Qual o seu problema com a modernidade? — brinquei.

Fernando: Pode me julgar, mas acho que nada substitui o som original de uma música antiga tocada em um disco de vinil.

Eu ri. Porque, apesar de eu também gostar de músicas antigas, Fernando ia ainda além naquilo. Às vezes ele mais parecia ter uns oitenta anos de idade.

Maiara: Eu nunca nem vi uma vitrola ou um disco de vinil pessoalmente em toda a minha vida — confessei. Ele me olhou assombrado, como se aquela fosse uma revelação inacreditável.

Fernando: Como isso é possível? Não vai me dizer que conheceu Aretha pelo Spotify?

Maiara: Não. Conheci pelos CDs que minha mãe ouvia quando eu era criança. E você tem dezessete anos, nem tem idade para se gabar de ter ouvido discos de vinil.

Fernando: Mas ouvi e ainda ouço. Meu pai deixou uma coleção enorme de LPs. Gosto de ouvir sempre algum antes de dormir. Acho que é uma forma de me sentir próximo a ele.

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