Capítulo 6

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• Maiara •

Menos de uma hora depois, já percebia os sinais de cansaço na minha mãe, então disse a ela para que fosse dormir, garantindo que, como fazia sempre, a acordaria às dez para que ela tomasse os remédios. Ela concordou e se despediu de nós, subindo as escadas para o seu quarto, deixando Fernando e eu sozinhos na sala. Olhei para as outras caixas que ainda estavam sobre a mesa, ao lado do bolo já partido, e perguntei:

Maiara: Vai me mostrar o que mais você trouxe?

Fernando: Bem, alguma parte tinha que ser surpresa, não é?

Estávamos os dois sentados no sofá, mas ele se levantou e foi até a mesa, abrindo a maior das caixas. Tirou de lá algo parecido com uma maleta e a abriu sobre a mesa. Acho que não consegui conter a expressão de surpresa em meu rosto. Levantei-me e fui até lá, olhando para a vitrola como uma criança diante de um brinquedo entregue na manhã de Natal.

Maiara: Meu Deus, Fernando... É a do seu pai?

Fernando: Ela mesma. Já está meio velha, mas ainda funciona bem.

Maiara: Por que a trouxe para cá?

Fernando: Primeiro, porque você levou meu convite para ir à minha casa ouvir uns discos como uma cantada barata estilo anos oitenta. Segundo, porque acho um absurdo você ter chegado aos dezessete anos, sendo fã de várias músicas antigas, sem nunca as ter ouvido do jeito certo. Achei que seria um bom presente de aniversário.

O que eu poderia dizer? Minha mãe tinha herdado seu gosto por jazz, blues e soul através dos meus avós, mas ela já tinha me passado essa mesma paixão através de CDs e, posteriormente, com serviços de streaming de música. Então, eu nunca tinha pensado tanto assim a respeito de como as músicas que eu tanto amava eram ouvidas na época em que foram lançadas. Mas, agora, Fernando despertava isso em mim. Só tinha um único problema.

Maiara: Mas o que vamos ouvir? — indaguei.

Ele respondeu a isso abrindo outra das caixas, onde tinha uma pilha de LPs.

Fernando: Você pode escolher, já que é seu aniversário.

E, novamente como uma criança animada, eu comecei a olhar cada um daqueles álbuns. Era meio mágico estar em contato com algo que eu até então só conhecia pela TV. Um deles, de cara, chamou a minha atenção. Put a Spell On You, da Nina Simone. Era o disco onde foi originalmente gravada a música Feeling Good, que eu estava cantando na horta da escola no dia em que Fernando e eu nos conhecemos.

Maiara: Que tal este? — Mostrei a capa para Fernando. E ele sorriu, provavelmente também se lembrando daquele dia.

Então, ele pegou o disco das minhas mãos e fez a mágica acontecer. Primeiramente, ligou o aparelho à tomada que ficava na parede próxima à mesa e colocou o disco para tocar. A voz potente de Nina Simone cantando a primeira faixa, Put a Spell On You, ressoou no ambiente. E eu percebi que Fernando tinha razão quando dizia que não era a mesma coisa que ouvir de outras formas mais modernas.

Havia ao fundo um chiado, provavelmente ocasionado pela fricção da agulha sobre o material de vinil. Mas não era algo incômodo. Era gostoso de ouvir. Parecia me transportar à década de sessenta, quando aquelas músicas foram ouvidas pela primeira vez por pessoas de todos os países. Não resisti em começar a cantar baixinho, acompanhando a música, enquanto meus olhos ainda se viam vidrados no disco que girava dentro da vitrola.

Até que, sentindo que estava sendo observada, olhei para o lado, encontrando os olhos de Fernando fixos em mim. Estávamos tão próximos que meu ombro quase tocava o dele. E olhá-lo daquele jeito, a uma distância tão curta, fez com que um arrepio percorresse o meu corpo.

O fruto do nosso amorOnde histórias criam vida. Descubra agora