Presente do diabo

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Saio do meu quarto e o Chimon está sentado no sofá de pernas cruzadas tomando sorvete.
- Quer um pouco?
- Não.
Eu vou para a cozinha e pego água, quando lavo o copo o Chimon fala atrás de mim.
- Você está bem? Você nunca recusa sorvete.
- Estou bem, acho que comi alguma coisa que não me fez bem.
Claro que não dá pra eu dizer que até um pouco de sorvete me faz lembrar do VIP, até isso perdeu o sabor depois daquela noite.
- Você já está saindo?
- Já, se pegar trânsito eu me atraso.
Ele olha o horário e suspira.
- Quanto tempo falta para o seu curso de bebidas estranhas acabar?
- Dois meses e são bebidas exóticas.
- Merda!
- O que?
Ele guarda o que sobrou do sorvete e lava a colher.
- Ninguém aguenta o humor do VIP, ainda bem que o Tay está atendendo ele agora, mas vezes sobra pra nós.
- O Tay está servindo o VIP?
- Pois é, da pra acreditar? Eles estão cheios de segredinhos também.
- Como assim?
- O Tay fica um tempão na sala com ele, depois que sai o VIP vai embora. Será que eles estão se pegando?
- O Tay é hétero.
- Não seja inocente, Nanon, ninguém é hétero perto daquele deus!
Tento não mostrar que a conversa está me irritando e olho no meu relógio.
- É melhor eu ir embora.
Eu saio, vou até o ponto de ônibus e espero, não posso deixar de me lembrar daquele dia em que ele me pegou no ponto de ônibus e me levou para o seu apartamento, fecho os olhos e por um segundo me permito lembrar dele, do seu rosto perfeito, o seu cheiro, o sorriso encantador e o seu corpo... se cada pessoa nesse mundo tem uma droga que não consegue resistir a minha se chama Ohm Pawat.
Faz um mês que eu não o vejo e sinceramente não está sendo fácil não cair em tentação e ir ao bar na sexta só para ver ele, mas eu decidi que não vou me deixar envolver, por isso arrumei um curso que dura meses e é sempre na sexta feira, o Tay não ficou muito feliz, mas no fim aceitou me liberar.
Eu penso no que o Chimon disse sobre o Tay, mas ainda acho que não é o que o Chimon está pensando, ao todo somos em cinco gays e um bi no bar, se ele gostasse da fruta já teríamos percebido.
O ônibus chega, eu afasto todos esses pensamentos e vou para a aula.

Tento copiar a receita que estamos aprendendo de Singapore Sling, coloco em uma coqueteleira com gelo o gin e suco de abacaxi, quando estendo o braço para pegar o licor de cereja vejo o horário no meu relógio, são nove e meia, fico imaginando se ele já saiu ou vai ficar até mais tarde.
- Nanon, se concentra!
- Me desculpe!
Volto a minha atenção para a bebida coloco o licor de cereja, vou medindo as quantidades exatas de Bénédictine, Cointrea, Angostura Bitters, Xarope de granadina, adiciono também limão e fecho a coqueteleira, agito por alguns segundos, então passo para uma taça, vou pegar uma fatia de abacaxi para decorar, mas ela parece muito com a letra O e isso me faz pensar nele, então eu desisto do abacaxi e coloco uma cereja, o professor olha curioso, mas eu apenas dou a taça para ele, depois de experimentar ele sorri e acena.
- Está quase perfeito, faça mais uma vez, mas tenta encontrar o equilíbrio entre os ingredientes.
Eu coloco o que sobrou na coqueteleira em um copo e bebo um pouco, realmente está muito bom, mas os sabores não estão em harmonia, então eu lavo a coqueteleira coloco o gelo e tento de novo.

- Nanon, vamos parar por hoje, se você continuar experimentando as bebidas que está preparando vai acabar ficando bêbado.
Eu coloco duas cerejas no copo dessa vez e dou para ele.
- Eu vou, mas prova esse primeiro.
Ele bebe um pouco e sorri, um sorriso orgulho.
- Está perfeito! Vamos ver se você vai lembrar da receita na próxima semana, pelo visto você já está bêbado.
Eu dou risada e concordo, talvez esteja um pouco.
- Quer que eu chame um táxi?
Eu vejo o horário e são dez e meia.
- Não precisa, eu vou de ônibus.
- Tem certeza?
- Tenho sim.
Ele concorda e aponta para a mesa.
- Não esquece das suas anotações.
Eu aceno e tiro o avental, me despeço e vou embora.
Entro no ônibus e fico aliviado por ter lugar para sentar, é uma viagem de vinte minutos, então fecho os olhos e encosto na janela.
O ônibus para, eu acordo e olho em volta, quando percebo onde estou desço correndo, infelizmente dormir não me ajudou muito com o álcool no sangue e tudo está se movendo ao meu redor, então ao invés de ir para casa eu vou para o bar que está mais perto assim posso comer alguma coisa enquanto espero o Chimon.
Assim que entro no bar o Chimon me vê e corre para me ajudar.
- Você andou bebendo?
- Estava provando as bebidas enquanto tentava harmonizar o sabor.
Ele me olha confuso e eu sorrio.
- Eu bebi um pouco por vez, mas várias vezes.
Ele concorda e me leva até o balcão, eu sento e entra no bar, pega uma garrafa de água, coloca no copo com algumas pedras de gelo e me dá.
- Bebe, vai te ajudar. Você já comeu?
Eu nego e ele suspira.
- Eu vou buscar alguma coisa pra você.
Ele entra, quando volta vem para o meu lado e me olha preocupado.
- Vão preparar um sanduíche pra você. Quer que eu peça para o Tay me liberar para te levar pra casa?
- Não, tudo bem, logo eu melhoro.
Ele acena, pega um guardanapo no balcão e limpa a minha testa.
- Você está suando.
Eu dou risada e olho para ele.
- Um dia eu vou me casar com você!
- Deus me livre!
Eu dou risada mais uma vez e concordo.
- Tem razão, isso foi nojento, quase incestuoso.
- Que bom que você sabe, não deve es...
Ele para de falar e olha na direção da porta.
- Uau! Esse é o homem que eu vou me casar!
Eu viro para a porta e um cara se aproxima sorrindo, ele é um pouco mais baixo do que eu e magro, está com roupas pretas e jaqueta de couro, ele parece com um idol rebelde, é bonito, mas não chega nem perto do... Eu paro de pensar nisso e viro de frente para o balcão.
- Boa noite! Eu estou procurando as salas Vips.
- Sinto muito, mas estão todas ocupadas hoje.
- Eu estou procurando uma sala específica, com um cara que parece um modelo de comercial de gelo, lindo e frio.
Eu congelo e olho para ele mais uma vez.
- O senhor sabe o nome do cliente?
- Ohm Pawat.
O meu coração dá um salto, o Chimon olha para mim e eu confirmo, ele não sabia o nome do Ohm ainda.
- Você pode seguir por esse corredor, é a última sala.
Ele pisca para o Chimon e vai para o corredor.
- Achei que você não sabia o nome do VIP.
- Ele me contou na ultima vez que eu o atendi.
- Será que é namorado dele?
Mais uma vez sinto o meu coração pular, mas mantenho a cara neutra, estar bêbado ajuda. Alguém chama o Chimon ele bate no meu ombro e sai, eu coloco o meu braço no balcão e deito sobre ele, maldita hora que eu decidi vir aqui!
Tento controlar a respiração para aliviar o embrulho que tomou conta do meu estômago nos últimos minutos, não sei porque, mas do nada eu levanto a cabeça e olho para o lado, ele para quando me vê e fica me encarando, o cara que estava procurando por ele coloca a mão nas suas costas e o guia para a saída.
Sinto uma tristeza que não deveria estar sentindo, olho para o Neo e aponto.
- Me dá a garrafa de whisky.
- Você não gosta de whisky, Nanon.
Eu dou risada e concordo, eu realmente não gosto de whisky, não sei porque pedi isso.
- Me dá uma tequila então.
- Tem certeza?
- Tenho, vou beber para esquecer.
- Esquecer do que?
- Do presente que o diabo mandou pra mim!

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