Covil de cobras

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A secretária se aproxima e me serve café, volta para a cadeira e finge trabalhar enquanto fica me observando, a  porta abre e finalmente o secretário faz um sinal.
- O senhor já pode entrar.
Eu aceno e passo por ele, entro na sala e o velho levanta.
- Senhor Tha.
O secretário fecha a porta, eu sento e o velho fica me encarando, ele não gosta de mim, sabe que não pode me controlar,  pelo menos não como ele faz com todos os outros e eu não espero por ordens para agir, é algo que o irrita muito, ele gosta de cachorrinhos que ficam esperando ele mandar sentar e rolar.
- Como foi a sua noite?
- Eu não estava trabalhando, então acredito que não seja da sua conta.
Ele está perguntando porque sabe de alguma coisa, provavelmente o secretário contou.
Ele não fala nada, mas o seu rosto fica muito vermelho, tenho certeza que no dia em que decidir que eu não sou mais útil ele vai ficar feliz por finalmente poder me matar. Eu apenas ignoro a sua reação.
- Eu recebi o relatório do fechamento de ontem dos cassinos, não teve nenhum problema, o Perth recebeu um VIP e o nosso faturamento foi 10% acima do protejado por causa dele. Hoje abrimos com dois caça níqueis com problema, mas eu já pedi para o técnico resolver.
- Ótimo, como o Perth se saiu ontem?
- Ele controlou bem a situação.
Ele levanta a sobrancelha e espera por mais, mas eu não digo nada, tenho certeza que ele já recebeu relatórios detalhando cada passo do Perth.
- Você está pronto para o jantar?
- Sim.
- Precisa de alguma coisa?
Eu me levanto e fecho o botão do terno.
- Preciso de uma sala para poder trabalhar, se o senhor não tiver mais nada para dizer...
Ele olha como se fosse me dar um tiro, mas eu apenas aceno e saio com o secretário atrás de mim.
- Tem alguma sala disponível?
O secretário não responde eu viro para ele, quando ele arruma a gravata eu sei que tem coisa errada.
- Qual o problema?
- Me acompanhe, por favor.
Ele vai para um corredor e passa por algumas portas, quando chegamos no fim eu vejo o nome do Perth em uma porta, o secretário aponta para o outro lado e eu viro.
- Porque tem uma sala com o meu nome?
- Ordens do presidente.
Eu abro a porta e entro, olho em volta e paro de frente para o secretário.
- Desde quando?
- Senhor?
Eu espero e ele suspira.
- Três meses.
Vou até a mesa e vejo uma placa com o nome James Muller, ele sabe que eu não vou voltar para a Tailândia antes de me formar, mas pelo jeito ele tem os próprios planos.
Eu sento e olho para o secretário.
- Me fale sobre o jantar e cada um dos convidados.
Ele acena e mexe no iPad, entrega ele para mim e vejo uma foto.
- Esse é o anfitrião, ele é como um líder da organização. O jantar é uma fachada para a reunião, assim todos os membros podem estar no mesmo lugar sem levantar suspeitas.
Eu olho para a foto de um homem que é muito velho, os seus olhos têm uma aparência leitosa e ele é magro e enrugado, se eu fosse chutar diria que tem pelo menos setenta anos.
- Essa é a esposa dele, ela não se envolve com os assuntos da organização, mas tem muita influência sobre o marido.
Ele continua apresentando cada um dos convidados, explicando a posição na organização e o grau de influência que eles têm.
- Esse é o senhor Chai, o senhor deve conhecer, ele é o...
- Pai do Perth.
- Exato.
Eu nunca conheci o pai do Ohm, mas o Perth me mostrou algumas fotos dele, ele é muito parecido com o Ohm.
- A próxima é a senhora Ploy, esposa dele, é com ela que você tem tomar cuidado, ela está sempre tentando colocar o marido contra o presidente Tha, só não conseguiu ainda porque o marido tem planos de unir as empresas quando o Perth assumir.
- Esse é um fato conhecido ou apenas a sua opinião?
- Sinto muito, essa é a minha opinião.
- O presidente tem uma opinião sobre isso?
- Eu não saberia dizer.
- Tudo bem, continue.

O carro estaciona e o secretário me olha pelo retrovisor, eu sei que ele vai contar para o velho sobre cada movimento e reação, então sem dizer nada eu saio do carro, vou até a porta e dou o meu cartão para o segurança, ele olha na lista e abre a porta para mim, eu respiro fundo e entro no covil de cobras.
- James, finalmente você chegou!
Eu olho para o velho maldito e aceno, se ele veio porque me arrastou até aqui?
- Senhor Tha.
Ele faz um sinal e eu vou até ele que está com um grupo de pessoas.
- Senhores, esse é James Muller, ele é o nosso novo representante no Japão, espero que cuidem bem dele.
Fico assistindo ele me elogiar como se realmente gostasse de mim,  tento entender porque estou aqui.
- Chai!
Eu congelo ao ouvir o nome do pai do Ohm e o velho levanta, eles conversam, mas eu não consigo entender o que estão falando.
- James?
Eu olho para o avô do Perth que está sorrindo para mim e finalmente entendo, é por isso que estamos aqui, ele quer assistir o que vai acontecer.
Eu respiro fundo, sorrio e levanto, viro para o pai do Ohm e mais uma vez congelo quando vejo a mãe dele.
- Chai, Ploy, esse é o James, ele está me ajudando com os negócios no Japão.
- E o Perth?
O pai do Ohm pergunta isso visivelmente irritado, então eu mais uma vez sorrio e estendo a mão.
- Muito prazer, senhor, eu trabalho com o Perth, ele sempre fala sobre você.
- Você trabalha com o meu filho?
- Sim.
- Quer dizer, o meu filho trabalha?
Eu sorrio e aceno.
- Ele se diverte mais do que trabalha, mas sim, ele trabalha.
Ele não esconde a surpresa, pelo menos conhece o filho que tem. Ele segura a minha mão e aperta, eu solto, conto até cinco e olho para a mãe do Ohm.
- Eu te conheço?
- Talvez, a senhora já esteve nos nossos cassinos no Japão?
- Não... Mas você se parece muito...
O avô do Perth se aproxima para observar mais de perto e eu tento não reagir, ela sorri e estende a mão.
- Devo ter te confundido com outra pessoa.
Eu aperto a sua mão e apesar da vontade de vomitar eu continuo sorrindo.
- Sempre dizem que eu me pareço com aqueles atores coreanos, deve ser o cabelo.
- Deve ser isso mesmo, você é muito bonito.
- Muito obrigado!
Eu solto a mão dela e tenho uma vontade louca de limpar ela, mas não faço. O meu celular toca e eu respiro aliviado, olho para a tela e para os pais do Ohm.
- Sinto muito, eu preciso atender, com licença.
Eu saio o mais rápido que posso e vou para fora, encosto na parede e o meu corpo todo treme, olho para a minha mão e limpo ela na calça sem parar, tenho vontade de chorar, de sair correndo, de sumir e me afastar de tudo isso. O celular toca de novo e eu atendo.
- Como você está?
- Eu estou bem, Perth.
- E o jantar?
- Está tudo bem.
- Nanon...
- É melhor eu voltar. Aconteceu alguma coisa?
- Não, eu só queria saber como você estava... Conheceu o meu pai?
- Sim.
- A bruxa está aí?
- Sim.
- E ela não te reconheceu?
- Não.
- Caralho!
- Eu tenho que voltar, Perth.
- Me manda mensagem?
- Mando, agora vai trabalhar.
Ele dá risada e eu desligo, tento controlar o tremor e entro novamente, vejo um garçom passando com taças de vinho e pego uma, bebo tudo e pego outra.
- Você gosta?
Tenho vontade de vomitar quando ouço a voz da mãe do Ohm, mas viro e sorrio, se tem uma coisa que os meus muitos anos como barman me ensinaram foi a sorrir em qualquer situação.
- Eu não entendo muito sobre vinhos, mas parece bom.
- De onde você é?
- Canadá.
Ela me olha e acho que está tentando lembrar de mim.
- E você nunca esteve na Tailândia?
- Algumas vezes a trabalho.
- Seus pais?
- Eu sou órfão, vivi em um orfanato até os 18 anos.
- E como o presidente Tha te encontrou?
- Eu conheci o neto dele em uma festa.
- Vocês têm algum relacionamento?
- Amoroso? Não. Eu não gosto de homens.
Ela sorri e pela primeira vez na vida eu tenho vontade de pegar a minha arma e dar um tiro em alguém.
- Você conhece o meu filho?
- O Perth fala muito sobre ele, mas não fomos apresentados.
- Você vai ficar na Tailândia?
- Não, só vim para acompanhar o presidente, amanhã eu volto para o Japão.
- É uma pena, queria te apresentar para o meu filho, você pode ser uma boa influência pra ele.
- Quem sabe na próxima.
O secretário que eu nem tinha visto se aproxima e fala no meu ouvido.
- O presidente falou que você já pode ir.
Eu aceno e sorrio para a mãe do Ohm.
- Eu sinto muito, preciso ir embora, é uma emergência.
- Claro, foi um prazer!
Ela estende a mão, a minha mão se fecha por vontade própria, mas eu tento relaxar e a cumprimento.
- O prazer foi meu!

Assim que a porta fecha atrás de mim eu tiro a gravata e olho para o secretário.
- Me tira daqui de uma vez, eu preciso muito de um banho e de uma bebida muito forte!

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