Capítulo 25

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Pinga. Bate. Pinga.

O inverno estava derretendo por toda parte em volta dela, caindo da floresta.

O solo bebia a água, levando até as profundezas onde a vida das árvores, as plantas e as flores esperavam para voltarem. Lisa pisou no chão macio, seus olhos procurando por cogumelos, ou alguma outra coisa para encher sua barriga vazia.

Em breve, suas fontes de comida encheriam novamente, e aquele pensamento lhe trouxe uma pequena alegria, embora o sentimento pesado que vinha deixando-a para baixo desde a morte de Pup parecesse esmagar toda felicidade, fazendo parecer pequena, sem importância. O sentimento pesado era maior, superando todo o resto.

Pup.

Um bolo formou-se na garganta de Lisa, que o engoliu, diminuindo a velocidade de seus passos. O vento soprou e um cheiro terrível fez seu nariz torcer, chamando sua atenção quando ouviu um rosnado baixo. Alguma coisa se moveu no arbusto à sua esquerda. Um javali.

Agachou-se aos poucos, esperou o medo chegar, mas não chegou. O peso dentro dela também fazia o medo ser pequeno.

Carne de porco custa muito dinheiro na cidade. Traga-me um, e eu te darei o seu próprio arco e flecha. Tinha sido um inverno longo e difícil sem Pup. Ela sentia mais fome. Com medo. Sozinha.

Suas costelas estavam visíveis sob a pele. Ela precisava de uma arma maior, se quisesse sobreviver. E se não quisesse mais viver, por que esperar que a fome a levasse, lenta e dolorosamente? Por que não deixar que o porco a fizesse, com um golpe só?

Isso não seria melhor, de qualquer forma? Mais rápido?

Ela se ajoelhou próximo a um tronco de árvore coberto de musgo, ficando parada e esperando o porco sair de detrás do arbusto. Soltou a respiração lentamente. Água pingando. Fedor de porco. O rosnado baixo vindo de sua própria garganta.

Mas as fungadas daquele porco selvagem não eram suaves. Elas vinham acompanhadas de gritinhos agudos ― sons que já haviam assustado Lisa antes. Parecia um monstro, ou algo que pensou que podia estar debaixo de sua cama quando era uma garotinha. A coisa que pedira que sua Yâa checasse, mas ela lhe dissera que ela mesma deveria enfrentá-la, se era mesmo a garota forte que ela pensava.

Fizera isso, naquele tempo. E faria isso agora. Enfrentaria o monstro.

Mesmo que sentisse que já havia enfrentado monstros demais. E não conseguia decidir se estava torcendo para vencer a luta com esse… ou perder.

O porco saiu de detrás do arbusto. Um macho enorme que devia ter dez vezes o peso de Lisa.

Pelos espinhosos e brancos cobriam seu corpo preto e branco. Presas curtas e afiadas saindo de sua boca. Tinha o maior par de bolas que Lisa já vira em qualquer ser vivo. Ele grunhiu ao ver Lisa, soltando um de seus guinchos agudos e sacudindo a cabeça para frente e para trás.

Fedor de porco. Fedor insuportável. O cheiro de gosma nojenta saindo das narinas dele como se seu cérebro estivesse apodrecendo. Tão desvairado e maluco quanto Lisa já vira antes.

Lisa moveu-se em direção ao animal, pegando o canivete de lâmina gasta depois de ser usada em tantos invernos e verões e ser afiada com a ajuda de pedras. Mas não sabia que iria enfrentar essa fera hoje, e não estava com a faca de caça.

O presente afiado de vida que o garoto de cabelos escuros havia dado a ela há tanto tempo era tudo que tinha. Era o que a ajudaria a viver ou a morrer.

Qualquer um servia.

O porco ergueu a cabeça, guinchando novamente ― o grito do demônio ―, e Lisa sentiu a raiva brotar e crescer, envolvendo-a por inteira.

Selvagem - Jenlisa (G!P)Onde histórias criam vida. Descubra agora