Lisa não comia há três dias. Sua barriga doía, se devorava por dentro, e a fome a deixava fraca, sonolenta. Mas não podia dormir, não se quisesse viver.
Viva! Pup havia saído várias vezes durante muitas horas, mas até mesmo ele, um caçador nato, não tivera sorte. O tempo estava horrendo lá fora, os animais, escondidos em suas tocas, cobertos de neve ou bloqueados por gelo.
Muitos deles morreriam antes do inverno acabar. Lisa se perguntou se morreria também.
O coração de Lisa pareceu desacelerar, como se estivesse se preparando para parar. Tum, tum. Talvez fosse parar. E quem se importaria? Ninguém. Ninguém nem ao menos saberia.
Havia conseguido comida que durou por um tempo durante a nevasca, que ainda estava caindo, mas somente isso. Tudo havia acabado.
Lisa tentou pegar um peixe, mas não conseguiu quebrar a camada de gelo, mesmo martelando-a com uma pedra afiada por horas. Ficara esperando perto da água, torcendo para que um cervo viesse beber um pouco, mas o frio ficou tão doloroso que Pup começou a ganir, um som baixinho de dor que Lisa compreendia até melhor do que seu amigo peludo. Ela não teve outra escolha além de voltar para dentro de casa, faminto e de mãos vazias.
— Temos que tentar mais uma vez, Pup — disse, e o animal ergueu a cabeça, olhando para Lisa por um minuto e, depois, baixando-a novamente, como se dissesse “nem pensar”. — Nós precisamos — Lisa insistiu. — Quanto mais ficarmos aqui dentro, mais fracos ficaremos.
Às vezes, Lisa se perguntava se era maldade manter Pup dentro de casa com ela, se perguntava se seus instintos de lobo… diminuiriam se não os usasse sempre. Pup deveria fazer parte de uma matilha, uma família de lobos que pudessem ajudar uns aos outros a sobreviver. Ao invés disso, tinha somente ela, mas Lisa ainda precisava dele para ajudá-la a pegar comida e, mais que isso… mais que isso, precisava de sua amizade. Pup era seu único amigo no mundo inteiro, e ela sabia que não sobreviveria durante a guerra esse tempo todo sem o lobo. Lisa até podia querer desistir, mas, por causa de Pup, nunca desistiria. Pup havia salvado sua vida naquela noite péssima e aterrorizante e várias outras vezes desde então, e agora Lisa o manteria seguro e alimentado, mesmo que morresse tentando.
Lisa vestiu suas roupas mais quentes, peles de animais que ela costurara umas nas outras, e alguns itens que trocou com Driscoll. Ela se submeteria ao sofrimento de ir andando até a casa de Driscoll se tivesse algo para trocar com ele por comida, mas além de não ter nada de que pudesse abrir mão, Driscoll lhe dissera que isso era algo que não podia conseguir. Não havia muita comida na cidade, e até mesmo Driscoll tinha dificuldades para conseguir comida suficiente para si. Lisa se perguntou se a guerra havia durado muitos invernos e a comida foi acabando, as pessoas da cidade começariam a ir à floresta para caçar animais e conseguir a comida que a floresta podia oferecer.
Até mesmo agora, quando pensava sobre a guerra e as pessoas que Driscoll lhe dissera que estavam matando as crianças, aquela voz profunda se repetia em sua cabeça: sobrevivência é o seu único objetivo.
Um pequeno tremor que não tinha nada a ver com a nevasca percorreu Lisa quando ela saiu de casa, estreitando os olhos para protegê-los do frio pungente que queimava sua pele. Pegou o canivete em suas mãos envolvidas em luvas feitas de pelagem de animais, pronta e disposta a matar qualquer pequeno animal ou ave que visse.
Entretanto, a floresta estava parada ― quieta. Até mesmo os pássaros de inverno estavam com frio demais para cantar.
Lisa parou no topo de uma pequena colina, Pup alguns passos atrás, e viu o que parecia ser um cervo deitado no meio de um campo aberto.
Lisa arregalou os olhos e, por um instante, ficou apenas encarando. O animal havia morrido congelado bem ali onde estava? Mas, não… podia ver o sangue ensopando a neve. Moveu-se para se aproximar. Será que outro animal o matara e o deixara ali, sem comê-lo? Por que faria isso, quando estava tão difícil conseguir comida?
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Selvagem - Jenlisa (G!P)
FanficQuando a guia florestal Jennie Kim é convocada ao escritório do xerife da pequena cidade em Boesang, Coréia do Sul, para prestar assistência em um caso, fica chocada ao descobrir que a única suspeita na investigação de um duplo homicídio é uma mulhe...