Cheiros infelizes. Suor velho, lágrimas, medo. O fedor de urina humana. E, sobre tudo isso, algo penetrante e forte que Lisa não conseguia nomear. Não natural.
Não estava prestando atenção suficiente, seus pensamentos voando como os flocos de neve à sua volta. E então, surgiu uma caminhonete onde nunca houvera uma caminhonete antes. A grande máquina rugia, retumbava e deixava marcas profundas na neve. Mas ela não fugiu. Não lutou. Porque queria ver o homem que a estava dirigindo. Bem de perto. Queria saber se seria um amigo ou um inimigo.
Ainda existiam inimigos? Ou Driscoll fora o único inimigo? Ainda não sabia. Estava tentando descobrir.
O homem na caminhonete deslizou para fora da estrada quando viu Lisa e, então, sacou sua arma. Sua mão estava tremendo, e Lisa podia sentir o cheiro de seu medo, sabia que podia vencer o homem, tomar sua arma se quisesse, mas não fez isso. O homem pediu que ela viesse à cidade para responder perguntas. Lisa não queria responder nenhuma de suas perguntas. Podia ter desviado e fugido como uma raposa. Rápido demais para ser pega. Mas precisava saber mais sobre o que existia ali.
Então, deixou o homem levá-la à cidade, e o homem a colocou ali, na cela onde pessoas infelizes haviam sentado antes dela. Suando. Chorando. Fazendo xixi no chão? Por quê? Não conseguia entender. Até mesmo animais faziam xixi longe do local onde dormiam.
Driscoll havia falado sobre uma cela. Com grades. Uma jaula. Era disso que devia estar falando. Mas os homens que a mandaram sentar ali também disseram que ela podia ir embora depois que lhe fizessem algumas perguntas.
Mas talvez estivessem mentindo.Olhou para a câmera no canto. Sabia o que era uma câmera. A mulher ruiva dissera pelo que procurar, e lembrou-se. Lembrou-se do mundo de muito tempo atrás, no qual ela viveu. Antes. A vida em que existiam câmeras e carros, e comida em latas, caixas, e até mesmo garrafas de bebidas doces da cor laranja com bolhinhas que estouravam em sua língua. De algumas coisas conseguia lembrar o nome, e outras não. No entanto, os sabores… os sabores já haviam deixado sua memória.
Olhou para cima, e uma luz vermelha na câmera piscou. Acesa. Apagada. Acesa. Apagada. Como o piscar lento de uma coruja de olhos vermelhos. Eles a estavam observando. Tirando fotos. Por quê? Se não tivessem armas, poderia lutar contra todos eles. Era maior, mais forte do que os dois homens, o que o havia levado até ali na caminhonete e o outro que lhe fez perguntas e a colocou presa na cela.
Aquele homem estava no cômodo ao lado, podia sentir seu cheiro, que era tão estranho quanto familiar. Como pinheiros, só que… exagerado. Tudo era… demais. O cheiro fez Lisa imaginar pinheiros tão altos quanto o céu e tão amplos quanto uma montanha. Com folhas verdes e brilhantes e pinhas enormes como pedras. Lisa não tinha certeza do que pensar sobre isso. O cheiro do homem era simplesmente muito.
Mas, de repente, debaixo de tudo aquilo, havia algo a mais… Inclinou a cabeça para trás, fechando os olhos e tentando identificar o cheiro que havia por baixo de todos os outros. Era fraco, muito fraco, mas conseguiu senti-lo e concentrou-se nele. Um campo distante de flores silvestres após uma tempestade. Limpo. Terra molhada.
Uma mulher.
O cheiro dela… a acalmou.
E a confundiu.
O cheiro dela fez os sussurros se agitarem por dentro. Não eram sussurros, não era a palavra correta, mas a única que sabia usar. As coisas que ela passou a sentir quando todo o resto desapareceu, exceto por seus instintos. Eles se mantinham sempre quietos, mas às vezes os compreendia, e às vezes não.
Inspirou mais uma vez. O aroma dela era novo e antigo, algo que era desconhecido e já fazia parte dela. Lá no fundo. Bem lá no fundo. Algo ganhou vida como uma faísca, tornando-se chama na ponta do fósforo, um canto em seu sangue que imitava o vento que surgia em uma manhã fria de inverno anunciando à floresta que a primavera estava se aproximando.

VOCÊ ESTÁ LENDO
Selvagem - Jenlisa (G!P)
FanfictionQuando a guia florestal Jennie Kim é convocada ao escritório do xerife da pequena cidade em Boesang, Coréia do Sul, para prestar assistência em um caso, fica chocada ao descobrir que a única suspeita na investigação de um duplo homicídio é uma mulhe...