Capítulo 14

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Flocos de neve como mantos. Rajadas de vento. Os dois atravessando o campo congelado. Lisa passou por eles, movendo-se em volta das rochas enterradas e dos buracos escondidos que conhecia de cor.

A casa de Driscoll surgiu em seu campo de visão, com fumaça saindo pela chaminé, e Lisa acelerou os passos, movendo-se rapidamente sob a neve que caía. Não gostava de visitar Driscoll. Fazia isso o mínimo de vezes possível, mas não queria ficar sem algumas coisas, agora que o inverno havia chegado.

Principalmente fósforos.

Sabia cozinhar, mas escolhia não fazer isso. Quando o fazia, não podia mais sentir o sabor de vida na comida. Ela se lembrava do que sua Yâa falava sobre vitaminas e minerais, e talvez aquilo fosse a mesma coisa. Agora que dificilmente proferia palavras, Lisa aprendera que imagens em sua mente explicavam melhor as coisas.

Ela via vitaminas e minerais como pequenos grãos de vida que flutuavam pelo ser vivo e, quando você os consumia, podia sentir todas as coisas que aquele animal havia vivenciado. A vida dele fluía pelo seu organismo e, dessa forma, nunca deixava realmente de viver. A vida continuava. Nunca parava.

Mas não queria voltar a passar um inverno sem o calor do fogo, embora agora tivesse um teto, um cobertor e o calor do corpo de Pup. Valia a pena fazer aquela caminhada pelo calor ― e alguns minutos de interação com Driscoll.

Contudo, Lisa não gostava dele. Sempre que estava perto dele, era acometido por uma sensação de suor frio. Ela odiava o jeito como os olhos de Driscoll o lembravam os de um esquilo e a maneira como observava cada movimento de Lisa. Havia aprendido a identificar a proximidade de um predador, não somente a partir do barulho de gravetos quebrando sob seus passos, ou o fedor de sua pelagem ao se aproximar. Ela sabia pela sensação sussurrante por dentro e a maneira como os cabelos curtos de sua nuca ficavam de pé quando algo perigoso a estava perseguindo.

Sentia aquilo quando estava perto de Driscoll.

O homem nunca fizera nada além de trocar suprimentos, e ainda assim... aquela sensação permanecia. Lis deduzia que seja lá o que Driscoll fizesse na cidade para conseguir suprimentos, era provavelmente sorrateiro e cheio de mentiras.

Mas Lisa não ia pensar demais naquilo. Sua Yâa explicou uma vez que as pessoas faziam o que precisavam para sobreviver durante as guerras. E ela precisava de fósforos. Só isso.

Lisa havia deixado Pup sair de casa assim que o sol nasceu, e o lobo ainda não havia voltado quando Lisa saiu, então estava sozinha nessa viagem. No entanto, queria que fosse daquele jeito, e sempre ia sozinha para a casa de Driscoll. Pup era leal e fiel, e Lisa não tinha nem um pouco de medo do animal, mas não fazia ideia do que faria se visse um estranho. Especialmente um que cheirava a predador como Driscoll.

Nas poucas vezes que Lisa ouviu um carro na estrada ou passando próximo dali, ou o que podia ser pessoas caminhando pela floresta em sua volta, ela mudava de direção e se afastava, quieta como um lobo. Quieta como Pup.

Deduziu que aquilo havia ensinado Pup a temer outros humanos além de Lisa. E, além disso, não sabia como Driscoll agiria se visse um lobo gigante se aproximando dele, parecendo manso ou não.

Driscoll abriu a porta antes mesmo que Lisa batesse, como se a estivesse observando e esperando que aparecesse ali, o que fez os cabelos nuca de Lisa se arrepiarem.

— Lisa. Como você está? Entre. Aqueça-se.

Lisa entrou na pequena sala, pensando, como sempre, no quanto queria logo ir embora, desde o instante em que chegava.

Enfiou a mão dentro da bolsa que fizera costurando duas peles de coelho com pedaços compridos de grama densa. Não era muito resistente e não conseguia segurar nada pesado demais, mas atendia às suas necessidades, e fazê-la a mantivera ocupada por três dias inteiros.

Selvagem - Jenlisa (G!P)Onde histórias criam vida. Descubra agora