Capítulo 10

695 90 24
                                    

As patas de Pup fizeram um barulho suave contra a neve quando o animal correu em direção a Lisa e colocou o graveto aos seus pés. Lisa ajoelhou-se e pegou o graveto, passando a mão na pelagem densa de Pup, quentinha dos poucos raios de sol do inverno iminente.

— Bom garoto — elogiou. — Mas não temos tempo para brincar hoje. — Olhou para o céu acinzentado, estreitando os olhos diante da claridade por um minuto antes de olhar de volta para Pup. — Precisamos nos preparar para o inverno. — Seu peito doeu diante da ideia do que estava prestes a chegar.

Frio.

Fome.

Miséria.

A chegada da neve havia sido inesperada para Lisa. Ela tentara acompanhar o tempo conforme os meses passaram, tentara se lembrar da ordem em que chegavam e quantos dias cada um tinha desde que os helicópteros desapareceram, mas não sabia se havia contado certo. Foi isso, ou a neve havia chegado mais cedo naquele ano.

Deslocou-se para o lugar onde achou que os helicópteros haviam passado, mas levara quase oito dias para chegar lá pela neve, e assim que estava no local por onde acreditava que eles haviam sobrevoado ― era difícil dizer ―, não havia sinal algum deles. Sentia como se os tivesse imaginado. Encontrara, então, um local coberto e ficou naquele vale com Pup por um tempo, mas era rochoso e frio, a cobertura era fraca e não ficava perto o suficiente de comida. Então, finalmente, deslocou-se de volta para o lugar onde havia começado ― o lugar onde havia árvores e cavernas, e coelhos que saíam de suas tocas para saltitar pela neve.

Ficou feliz por ter feito isso, porque os helicópteros nunca mais voltaram.

O medo vibrou dentro dela com a lembrança de dois invernos atrás, de como teve certeza de que iria morrer tantas vezes. Mas ela e Pup haviam encontrado uma maneira de manter um ao outro aquecidos o suficiente para sobreviverem, e o canivete dera aos dois uma maneira de conseguir comer.

Coelhos e ratos do campo principalmente, às vezes, esquilos, a carne ainda quente e ensanguentada. Foi ficando cada vez mais fácil e natural desde a primeira vez que ela matou um animal para comer, que a fizera vomitar na neve e lágrimas quentes correrem por seu rosto enquanto engasgava. Mas então, descobrira que, quando lavava a carne no rio, o sangue atraía os peixes, e ela podia pegá-los diretamente com as mãos.

Lisa gostava mais de peixe do que de ratos. Pup gostava dos dois na mesma proporção.

Pup os caçava sozinho durante a maior parte do tempo agora que estava grande e forte e podia sentir o cheiro de coisas que Lisa não podia. Às vezes, Pup conseguia pegar até mesmo um cervo, e uma vez pegou uma outra coisa grande que Lisa não sabia o nome, com chifres duas vezes maiores do que o comprimento que de seus braços abertos. Aquela carne havia durado por um tempo, mas vermes e insetos começaram a invadi-la, então Lisa deixou o restante para eles. Ela se perguntou se os outros três garotos que haviam caído do penhasco com ela já haviam sido comidos por vermes e insetos também, mas forçou-se a pensar em algo diferente.

Lisa observou quais frutas silvestres os pássaros gostavam e colheu algumas para si, e comia os mesmos cogumelos que os coelhos e esquilos comiam.

Deduziu que, se os animais comiam aquilo, também seria seguro ela comer.

Quando a água estava fria, pegava ovos de peixes laranja do rio, que tinham um sabor rico e salgado. Queria tentar escapar da floresta e voltar para casa, mas cada dia era preenchido por momentos em que enchia sua barriga faminta e se certificava de que teria um lugar seguro para dormir. E tinha medo de que se fosse para algum lugar muito longe de onde estava, sua Yâa nunca conseguiria encontrá-la.

Selvagem - Jenlisa (G!P)Onde histórias criam vida. Descubra agora