O sol da manhã tocou os ombros desnudos de Lisa. Quente. Macio. Prazeroso. Uma mão invisível jogou brilho por toda a superfície do rio.
Lisa deu risada ao ver Pup espirrar água para todos os lados, com a língua pendurada para fora, fazendo parecer que estava sorrindo. Se aproximou de Lisa, mancando menos agora. Sua lesão havia melhorado, mas levou o inverno inteiro para chegar a esse ponto, e ainda mancava um pouco. Pup nunca mais seria o caçador que foi antes. Lisa era responsável por ela agora. Tudo bem, por Lisa. O lobo havia cuidado dela por um tempo, mas agora era a vez de Lisa, e estava disposta a fazer isso.
— Não vou te deixar na mão, garoto — disse tanto para Pup quanto para si mesma. Dizer aquilo em voz alta, dizer para que outro par de orelhas ouvisse, fazia com que fosse a promessa mais importante de todas, uma que nunca quebraria.
Pup era seu melhor amigo. E melhores amigos cumpriam as promessas que faziam um para o outro. Ponto final.
O lobo emitiu um barulho empolgado, e Lisa sorriu, sabendo que Pup entendeu o que ela disse e sabia que não estava sozinho, mesmo que não tivesse uma matilha de verdade.
— Eu sou a sua matilha, e você é a minha — Lisa falou, juntando as mãos em conchas para pegar água e jogar em Pup.
O lobo sacudiu a água de sua cabeça, jogando gotas de volta em Lisa, que riu ao virar o rosto para o outro lado.O dia estava bom. O sol estava quente. A primavera, despertando a terra. Ela tinha comida suficiente, e logo a floresta lhe forneceria mais. E também tinha um amigo que amava. A guerra podia estar sendo travada em algum lugar ao longe, mas ali, naquele momento, estava segura.
Olhou na direção onde as montanhas se transformavam no céu, sentindo um arrepio percorrê-la. O inverno estava sempre à espreita. Podia parecer longe agora, mas estaria de volta antes que estivesse pronta. Voltaria para roubar sua esperança ― de sobrevivência, de resgate, de ter uma família ou pessoas para amá-la.
Talvez ninguém fosse capaz de amá-la agora, de qualquer jeito. Não depois das coisas que ela fizera.
O som corrente da água a despertou de seus pensamentos sombrios, e Lisa tentou o melhor que pôde para se livrar da sensação de… solidão. Seus sentimentos tristes por dentro agora eram diferentes, mas não tinha nomes para todos eles. Contudo, a palavra que parecia combinar com cada um deles era sozinha.
Curvou-se e pegou mais água com as mãos para jogar em seu peito, usando sua mão para lavar debaixo dos braços e os ombros. Era bom estar limpa, era bom sentir as gotas frias deslizando por sua pele, lembrando-a de que estava viva. Diferente do garoto que ela matara e deixara deitado na neve.
Pensar naquele garoto ainda fazia com que um buraco escuro se abrisse na boca de seu estômago, algo que a fazia sentir que sempre estaria vazia. Oca. Às vezes, quando pensava naquele garoto, se lembrava da imagem que havia visto na casa de Isaac Driscoll, que retratava homens lutando uma batalha sangrenta com lanças e flechas. Ela se perguntou se esses buracos se abriam dentro deles toda vez que tiravam uma vida, e pensou que, se fosse assim, aqueles homens deviam se sentir como escuridões ambulantes.
Assim que a neve começou a derreter, Lisa retornara para procurar os ossos do garoto loiro, planejando enterrá-los na lateral de uma colina onde havia uma árvore antiga com centenas de milhões de flores silvestres em volta dela, que, vista de longe, parecia que um arco-íris tocava a terra. Havia um lago na base da colina onde pares de cisnes brancos ― parceiros para sempre ― flutuavam, até mesmo no inverno, quando a água ficava praticamente congelada.
Pensara sobre aquilo e decidiu que, se alguém fosse enterrá-la, aquele era o lugar que esperava que escolhessem. Mas os ossos do garoto loiro não estavam mais ali, foram carregados por animais, espalhados pela floresta selvagem.
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Selvagem - Jenlisa (G!P)
FanficQuando a guia florestal Jennie Kim é convocada ao escritório do xerife da pequena cidade em Boesang, Coréia do Sul, para prestar assistência em um caso, fica chocada ao descobrir que a única suspeita na investigação de um duplo homicídio é uma mulhe...