Capítulo 54

201 19 5
                                    

Feliz dia das mulheres...


A uti, no sexto andar, é uma ala austera, estéril e funcional, com vozes sussurradas e sons estridentes dos equipamentos. Quatro pacientes estão internados, cada um em uma área high-tech separada. Ray está na última. Papai.

Ele parece tão pequeno na imensa cama, cercado por toda aquela aparelhagem. É um choque. Meu pai nunca me pareceu tão diminuído. Há um tubo na sua boca, e em cada braço uma agulha recebe as gotas vindas de diversas ramificações.

Uma espécie de pinça está presa a um dos seus dedos. Fico me perguntando vagamente para que será que serve. A perna dele está apoiada em travesseiros, envolta em uma bota azul. Um monitor mostra o batimento cardíaco: bip, bip, bip.

É um ritmo forte e regular. Isso eu posso
perceber. Eu me aproximo lentamente. Seu peito está coberto por uma enorme e recente atadura, que desaparece por baixo do fino lençol que protege seu corpo.


Percebo que o tubo que sai do canto direito de sua boca segue até um
respirador mecânico, cujo barulho se combina com o bip, bip, bip do monitor
cardíaco e forma uma batida percussiva rítmica.

Sugando, expelindo, sugando, expelindo, sugando, expelindo no tempo marcado pelos bips. Há quatro linhas na tela do monitor cardíaco, cada uma delas se movendo de um lado ao outro,
demonstrando claramente que Ray ainda está conosco.

Ah, papai. Mesmo com a boca repuxada pelo tubo do respirador, sua aparência é
tranquila, como se ele estivesse dormindo.
Uma enfermeira jovem e baixinha está de pé ao lado da cama, verificando os monitores.


(Soraya): Posso tocá-lo? — pergunto, buscando hesitante a mão dele.

(Enfermeira): Pode.

Ela sorri amigavelmente. O crachá diz “ENFERMEIRA KELLIE”. Ela é loura e
tem olhos muito, muito escuros; deve estar na casa dos vinte anos.


Simone está aos pés da cama, observando-me com atenção. Ao pegar a
mão de Ray, sinto-a surpreendentemente quente, e isso me faz desabar. Afundo
na cadeira próxima da cama, encosto a cabeça de leve no braço de Ray e começo a chorar.

(Soraya): Ah, pai. Por favor, melhore logo — sussurro. — Por favor.

Simone coloca a mão no meu ombro e aperta ligeiramente, com a intenção de me tranquilizar.

(Enfermeira): Todos os sinais vitais do Sr. Thronicke estão se mantendo bons — diz a
enfermeira Kellie, baixinho.

(Simone):Obrigado — murmura Simone.


Ergo o olhar para ela a tempo de vê-la ficar boquiaberta. Finalmente ela deu uma boa olhada na minha esposa. Não ligo. Pode admirá-la o quanto quiser, contanto que faça meu pai melhorar.


(Soraya): Ele consegue me ouvir? — pergunto.

(Enfermeira): Está em um sono profundo. Mas nunca se sabe…

(Soraya): Posso ficar aqui por um instante?

(Enfermeira):Claro.

A enfermeira sorri para mim, suas faces rosadas denunciando-a. Incongruentemente, me pego pensando que ela deve ser loura falsa.

Simone se vira para mim, ignorando-a.

(Simone):Preciso dar um telefonema. Vou estar aqui fora. Fique um tempo a sós
com o seu pai.

Faço que sim com a cabeça, ela beija meu cabelo e sai da sala. Pego a mão de Ray, impressionada com a ironia de que só agora que ela está inconsciente e não pode me ouvir é que eu realmente quero lhe dizer o quanto a amo. Essa Mulher tem sido um porto seguro para mim. Minha rocha. E eu nunca tinha pensado nisso até agora. Não sou sangue do seu sangue, mas ela é o meu pai e eu o amo muito.



Cayendo en la Tentación III - Simone & SorayaOnde histórias criam vida. Descubra agora