Apesar dos infortúnios que tinha por causa de um relacionamento fracassado, a minha vida continuava seguindo em frente, cursei e me formei em medicina com especialização em psicologia, trabalhei duro, comecei o mestrado há poucos meses e mesmo com a correria, ainda me sobrava energia pra passar um tempo com as minhas amigas.
Conheci a Ice e a Proy no primeiro ano da faculdade e desde então estamos juntas em quase tudo, pois temos interesses em comum.
Com a Freen, a amizade surgiu ainda no colégio, me lembro do dia em que tive que espantar alguns garotos que faziam bullying com ela no pátio da escola justamente por ela ser diferente, então tomei a frente da situação e a defendi.
A diretoria foi chamada e todos os envolvidos foram punidos, inclusive a Freen que apesar de ser a vítima, teve que servir de exemplo também aos demais.
Tudo foi muito injusto, contudo a retenção depois do horário normal de aula nos aproximou e conversamos sobre tantas coisas, inclusive sobre as garotas bonitas do colégio, Freen tinha queda pelas branquelas e eu apreciava as mais delicadas.
Lembrar dessas coisas me faz sentir saudades de um tempo em que viver era bem simples, sem muitas responsabilidades, contudo nós crescemos e escolhemos nossos caminhos. Acredito que foi a injustiça que fez a Freen se tornar advogada e almejar ser juíza, eu sei que ela mostrará o seu melhor em tudo que for destinada a fazer.
...
- Doutora Faye, chegou uma senhora na emergência da clínica, a atendente pediu pra te chamar, acreditam que seja problema psiquiátrico – Me comunicou uma das enfermeiras.
- Dois minutos estarei lá, obrigada.
A clínica Kasama Blank era particular, mas a direção do instituto havia aberto algumas verbas sem pretensão de lucro pra atender alguns casos urgentes que o sistema único de saúde não agilizaria devido a alta demanda de pacientes. Não eram todas as áreas da medicina que entrou na lista deste atendimento, porém a minha área sim, então o meu contrato de estágio acabou sendo substituído por um indefinido, já que as minhas qualificações eram bem quistas.
Coloquei o meu jaleco e sai da minha sala na ala norte, percorri em silêncio até a outra extremidade, o prédio era enorme vertical e horizontalmente, com sete andares, cada andar com a sua especialidade, o meu local de trabalho era no segundo andar.
Poderia descer pelo primeiro hall de elevadores, mas o térreo sempre estava cheio de pacientes e familiares agendando ou entrando e saindo de consultas, então preferia andar pelos corredores do segundo e entrar nos elevadores do último hall, era mais rápido assim.
Ao chegar na emergência, uma mulher de meia idade, cabelos pintados de preto, magra e olhos perdidos gritava com algumas enfermeiras enquanto as mesmas tentavam segura-la.
Uma agitação desnecessária... Confesso!
A idosa ficou quieta assim que me viu e eu simplesmente pedi para as enfermeiras nos deixarem sozinhas, a senhora Patt sabia que era esquizofrênica e por ter esquecido de tomar os seus remédios teve uma crise na rua, sentei de frente a ela e conversamos por um tempo.
Quando ela se acalmou logo após tomar uma medicação, me passou um número de telefone pra ligar, era de sua neta, entreguei o papel a enfermeira e continuei fazendo os meus registros, ouvindo-a e tomando nota de algumas coisas.
Alguns minutos se passaram e eu tinha voltado para a minha sala enquanto a senhora Patt dormia em um dos leitos próximo a emergência. Ela havia me contado muita coisa, sobre como a sua vida era boa até a primeira crise. O diagnóstico lhe custou um casamento de 35 anos, além da morte de sua única filha, das consultas que fazia regularmente no CAPS, da dor que sentia por se achar um fardo pra sua neta que cuidava dela desde os seus 12 anos.
Ela chorou bastante também e embora não devesse agir pela emoção, algumas histórias mexiam comigo, na frente dos pacientes buscava demonstrar apoio e total empatia, contudo às vezes sentia tristeza por eles.
Assim que fui avisada que a neta da senhora Patt havia chegado, desci novamente para conversar com a garota, a encontrei sentada em uma cadeira ao lado da cama da idosa, segurando-lhe as mãos, observei o olhar carinhoso que se dirigia a sua avó.
A moça aparentava não ter mais do que 18 anos, um rosto delicado e olhos pequenos, cabelos castanhos e lisos, lábios finos e pele clara.
Uma linda garota que de certa maneira me pareceu familiar, não soube dizer de qual lugar a tinha visto antes:
- Bom dia! Você é a neta da senhora Patthama?
- Bom dia! – Ela se virou pra me cumprimentar e por alguns segundos ficou me encarando em silêncio, parecia constrangida com algo – Eu sou sim, me chamo Yoko Arpatsara – Completou estendendo a mão.
- Muito bem senhorita Yoko, poderíamos conversar um minuto a sós? – E apontei para um lugar mais distante, longe de ouvidos alheios.
A menina balançou a cabeça afirmativamente e me seguiu, comecei a explicar a situação e ela ouviu calada cada palavra minha, estranhei o fato dela não me fazer perguntas, mas continuei dando o meu parecer.
No final a menina só me perguntou quando poderia levar a avó pra casa e quanto ficaria o atendimento, respondi que o a clínica tinha um programa de atendimento gratuito e que ela deveria esperar por algumas horas, logo a senhora acordaria e seria liberada.
A menina pegou em minha mão e me agradeceu, um sorriso tímido surgiu no canto dos seus lábios e numa fração de segundos eu admirei aqueles lábios.
Eu me afastei e saí andando deixando-a lá, a medida que continuava me afastando sentia o peso de um olhar sobre mim, como se estivesse sendo vigiada e quando olhei pra trás, a menina que ainda me observava abaixou a cabeça e voltou pra perto de sua avó.
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A PESSOA CERTA
FanfictionFaye é uma mulher rica e bonita e uma profissional competente que sempre está se aprimorando, contudo mesmo sendo bem sucedida nesta área, ela carrega no coração um espaço cheio de medo e dúvidas, marcada pela lembrança de um amor que perdeu e que a...