Domingos Monteiro
Sabe aquele momento que você se dá conta de que não passa de um grão de pó. Eu sempre soube que não seria fácil lutar por algo tão grande sendo um homem tão insignificante.
Estar encurralado entre proteger a minha família e salvar milhares de pessoas deste país que diz ser democrático mas está longe disso parecia ser uma coisa simples quando comecei a realizar as palestras mas agora vejo não é.
Encalhado. É exactamente assim que me sinto neste momento.
O meu peito apertado, as minhas suadas, o ar preso na minha garganta a cada segundo que tento me convencer que não estou sonhando.
Olho ao redor da casa recheada com pequenas esculturas de pequenos homens e mulheres feitas de pau-preto e os quadros refletindo a nossa cultura.
Aquilo era cultura makonde pura, de alguma maneira vê-las me fez sentir uma força dentro de mim.
—— Eu consigo a audiência para ti mas quero que me garanta que os desgraçados que mataram o meu pai vão apodrecer atrás das grades —— Sinto o meu corpo inteiro arrepiar quando os seus olhos foram consumidos por um desejo de vinham, eu só espero que não ela não seja dominada por esse sentimento.
—— Posso conseguir prender com alguns mas é um processo que leva muito tempo, talvez anos se forem pessoas importantes do estado. A senhora sabe quem é o arquiteto por detrás de tudo? —— Patrícia, a primeira ministra massageou a têmpora quando um dos homens que faziam a segurança sussurrou alguma coisa no seu ouvido.
—— Temos problemas —— O meu pai falou segurando o meu braço para me ajudar a ficar em pé. Olho ao redor e somente agora percebo que o Aaron não está na sala.
—— O Aaron, onde ele está? —— Entro em desespero só de pensar em não voltar a ver o meu namorado novamente, tento sair da sala porém o meu pai me impede parando na minha frente.
—— O seu marido fez a escolha dele, filho e você só iria atrapalhar se fosse com ele —— Antes que eu respondesse escuto o barulho de armas sendo disparadas de longe.
—— Não quero perder o homem que eu amo, não vou suportar passar por isso de novo —— Cornélio pigarreou chamando a minha atenção, eu fiquei um pouco contransgido por me esquecido completamente da presença dele.
—— O meu primo é bom no que faz, Monteiro e o João tem razão, ir até lá só iria atrapalhar e eu prometi cuidar de ti enquanto ele não estiver aqui. —— Os meus olhos encheram de água, não quero perder o Aaron, acabei de encontrá-lo.
—— Pensa no seu bebê, filho —— Limpo o meu rosto em frustração assim que sigo caminho para onde Patrícia havia ido com os seguranças.
Mordo o interior da boca tentando me controlar, a angústia, o medo de falhar tomando conta do meu peito me fez sentir impotente naquela situação.
Essa sensação de saber que mesmo podendo mudar e salvar a vida de milhões mas não conseguir proteger a si mesmo ou contar com as autoridades para tal é tão frustrante que chega a doer.
Com a ajuda da primeira ministra conseguirei mudar isso, eu sei que somos capazes disso. E mesmo assim o medo é inevitável.
—— Onde vais? —— Envolvo o braço do meu pai que parou assim chegamos a entrada da sala onde Patrícia estava, posso vê-la andando de um lado para outro com o celular na mão.
—— Existirão momentos que precisarei enfrentar o próprio demônio para garantir segurança aos meus filhos e netos —— Disse num tom divertido mas posso ver nos seus olhos que ele está falando sério.
—— Não, isso não aceito, pai —— Aumento o aperto ao redor do seu braço mas sou afastado dele pelos seguranças da primeira ministra.
—— É pelo seu próprio bem, filhote —— Lágrimas caíram dos meus olhos quando a porta foi fechando com o meu pai do outro lado.
—— Não há tempo para lamentações, ele fez a sua escolha —— Patrícia disse após encerrar a chamada. O seu rosto mostrava uma seriedade que causou um arrepio em mim, acho que ela entende perfeitamente a sensação de perder a alguém.
—— O White mandou alguém desgraçado para se livrar de nós mas é muito cedo para eles terem descoberto que estávamos aqui —— Pontuou Cornélio entregando a minha maleta.
—— Americano e meter o nariz na vida dos outros. Tavares?! —— Patrícia comentou alterada. Um homem alto veio em direcção a ela com um computador, sentou-se à frente do aparelho.
—— Aconteça o que acontecer, você tem que sair vivo desta casa e terminar o seu trabalho. Podemos não ver resultados imediatos mas o primeiro passo é o que realmente importa, você me entende, Monteiro? —— A dureza nas suas palavras fez ela parecer uma pessoa fria, calculista mas os seus olhos não eram capazes de esconder a dor de perder um ante querido.
—— Já estive no mesmo lugar que tu quando era tão ingénua ao ponto que o governo deste país realmente lutava pelo povo —— Patrícia me chamou atenção.
—— Nós temos as maiores reservas de gás e petróleo no mundo, sem falar nos minerais, agricultura e pesca mas temos os piores sistemas de educação, saúde, entre outros factores. Olha, eu entendo perfeitamente como te sentes, Domingos entretanto não aguento mais ver pessoas sofrendo nas filas de hospitais por falta de medicamentos e outras necessidades básicas —— O silêncio tomou conta do enorme salão que estamos.
—— Estou ciente disso, senhora Sitoe e concordo plenamente contigo mas precisamos dum plano para que isto resulte. Nós não sabemos em que confiar no momento e o presidente deve saber do que está acontecendo ou se não alguém está ocultando as informações. Temos que conseguir alguém confiável para enviar as provas directamente ao presidente —— Deixo a maleta por cima da mesa, os seus olhos seguiram o que eu segurava nas mãos.
—— É justamente por isso que o Cornélio está aqui —— Finto o homem que estava parado ao meu lado sem dizer uma palavra.
Vê-lo me fez lembrar do Aaron, não quero imaginar como ele está se sentindo por ter que enfrentar o próprio pai para me proteger.
—— Nós temos ele como informante directo do presidente e o ministro da defesa também está do nosso lado tendo em conta os conflitos militares no norte do país e falta de pagamentos dos nossos soldados, ele decidiu abraçar a nossa causa —— Boquiaberto é como me encontro neste momento.
—— O ministro da defesa? Eles nunca disseram uma palavra sobre os meus protestos ou mesmo mostraram interesse —— Digo em frustração.
—— Eu vir a tua casa depois do atentado não foi coincidência —— Cornélio falou mostrando fotos minhas onde eu fazia as palestras e até o dia que fui visitar os meus pais e sofri o atentado.
O barulho de armas sendo disparadas causou um enorme arrepio em mim. O meu pai, os meus amigos, a minha família, o meu namorado, todos podem morrer se isso não der certo.
—— Assim como você, eu quero um país melhor para os meus filhos por isso estou pronto para qualquer coisa —— Digo puxando a maleta para Patrícia que assentiu levemente antes de conferir tudo.
É hoje que darei fim a estes vermes que matam o nosso país com a sua ganância.
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RECLUSO
RomanceDomingos é um advogado com forte senso de justiça e procura erradicar um dos maiores problemas no seu país, a corrupção. E ele finalmente consegue ganhar algum reconhecimento porem isso desagrada pessoas que se beneficiam da injustiça e falta de mor...