23.1 - Não era pra ser meu

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Alison

 Abri os olhos para o que me pareceu ser uma manhã perfeita.
 O cômodo alaranjado pela luz solar forte, mesmo com a cortina para abafar, me trouxe um conforto estranho.
 Me sentei na cama desconhecida, no quarto desconhecido, e ainda assim me sentia... bem. O que também era estranho, pois, infelizmente, minha últimas lembranças mais claras se afogavam em shots e mais shots de tequila que um casal simpático decidiu compartilhar comigo, por algum motivo.
 Provavelmente pelo estado miserável em que eu me encontrava noite passada. Primeiro tinha toda aquela tensão de ter que encarar Blake novamente. E depois aquele barman extremamente gentil me lembrou demais o meu pai. A exaustão emocional apenas me pegou de jeito naquele momento, então qualquer álcool foi muito bem-vindo.
 E, ainda assim, estava me sentindo ótima esta manhã.
 Uma parada rápida no banheiro, tão ausente de cores e personalidade quanto o quarto, me ofereceu algumas opções de produtos de higiene compactos, o que significava que estava em um hotel. Fiz uso de algum deles, pensando que realmente não possuía lembrança alguma de como havia chegado aqui, mas a música calma que vinha do outro lado da porta fechada do quarto me tranquilizava, denunciando a presença de Caleb por aqui.
 Encontrei a única mochila de roupas que tinha separado para a viagem pendurada em um gancho na parede e me troquei apressada para um vestido limpo e casual, querendo saber logo que fim levou toda aquela história com seu carro.
 No entanto, assim que girei a maçaneta, abrindo uma fresta, meu coração deu um salto exagerado, reconhecendo imediatamente de onde vinha a música.
 — ...And you may not think that I care for you, when you know down inside that I really do... And it's me you need to show...-¹
 — Gary Barlow — murmurei, sem pensar.
 Blake travou seus dedos nas cordas do violão no mesmo segundo, me olhando de repente.
 — Não! — exclamou, ofendido — Bee Gees! Barlow só regravou. A banda dele, aliás.
 — Take That, eu sei. — Mordi um sorriso sem graça e ele desviou o olhar. — Eu estava falando do, hm... seu cabelo. — Apontei e seus olhos subiram confusos para os fios que podia ver em sua testa.
 — Meu cabelo?
 — Sim. — Assenti, alisando a saia do meu vestido para ter o que fazer com as mãos. — Está igualzinho ao do Gary... no clipe dessa música, no caso.
 Blake se voltou para seu violão, sorrindo e negando com a cabeça.
 — Só você mesmo, Alison Cansoli... — Voltou a dedilhar as cordas. — Só você pra ter a coragem de me comparar a um membro de boyband na minha frente.
 — Eu encararia como um elogio — brinquei, dando de ombros enquanto sentava no sofá oposto ao que ele e seu violão ocupavam.
 — Claro que encararia, senhorita amante dos anos noventa.
 Não consegui não sorrir de seu deboche brincalhão e, internamente agradeci por ele não estar olhando para mim naquele momento, pois senti meus músculos faciais chegarem a tremer de tanto que os estiquei. Assistindo-o tranquilamente voltar a sussurrar os versos da música, simplesmente encerrando nosso joguinho, no entanto, acabou me fazendo quase chorar com a mesma intensidade.
 Eu sabia que estava com saudades dele, mas, ao mesmo tempo, também sabia que encará-lo de novo seria embaraçoso por uma lista um tanto quanto extensa de razões. Porém, eu não sei se os últimos dias com Caleb, livres de grandes preocupações, haviam me relaxado o suficiente, mas... a saudade apenas se tornou maior, em algum momento, e o embaraço, menor.
 Mas... será que ele se incomodava? Será que ele teria alguma resposta se eu dissesse que estava com saudades? Será que ele iria querer me abraçar?
 Eu queria, muito. Ele tinha os melhores abraços, mas na última vez em que isso aconteceu, a situação entre nós dois esfriou dolorosamente — por culpa minha, para variar — e gerou uma repercussão pública que eu não havia contado pra ninguém o quão traumático tinha sido vivenciar. E eu também não queria que ninguém, principalmente ele, sequer mencionasse o episódio. Se para mim havia sido humilhante, para ele, sendo a figura pública relacionada a parte humilhada, deve ter sido o fundo do poço.
 Não, não... eu não precisava saber a opinião dele sobre o ocorrido. E não precisava também subjulgá-lo a outro abraço meu, o último já havia causado o suficiente.
 Eu lidaria com a falta. A partir de agora, era isso: ele com seu violão e eu com a minha distância segura.
 Seus olhos subiram para os meus, imediatamente pegando minha atenção, mas se desviaram tão logo, apenas me analisando da cabeça aos pés por um segundo.
 — Está se sentindo bem hoje? — perguntou, soando estranhamente sugestivo. Como se esta não fosse apenas uma pergunta trivial e houvesse um real motivo para não estar bem. Provavelmente pela ressaca que eu deveria ter, mas não tocaria no assunto com ele.
 — Sim... e você?
 — Estou ótimo, Alison. Obrigado — estranhou.
 — De nada... — murmurei, me sentindo melhor encarando a ponta de seu coturno apoiada na mesa de centro.
 O ouvi rir baixo. As notas ainda soando melódicas.
 — Não, mas falando sério: Você está melhor depois de... ontem?
 O fitei, confusa.
 — Ontem?
 — Sim, ontem. Você sabe... todo aquele mal estar, febre, choro...? — Minha boca começou a cair aberta a cada palavra que proferia. — A... desintoxicação, que o médico disse que seria normal. E esperado.
 — Desintoxicação? — Minhas sobrancelhas se franziam cada vez mais.
 — É... o médico disse ontem que era normal — ele repetiu, como se fosse explicação o suficiente.
 — O quê?! Eu não vi nenhum médico ontem! — exclamei em confusão e ele parou de tocar, o que fez meus olhos caírem para seus dedos e... pulei de pé assustada. — Meu Deus, suas mãos! O que aconteceu com as suas mãos?!
 Blake colocou o violão de lado e se levantou também, toda sua altura praticamente me cobrindo em sua sombra.
 — Alison, como assim? Você não lembra de ontem?
 — Lembro! Caleb estava com a polícia, eu tinha que te esperar chegar na praia e... foi isso! — A súbita vergonha me fez querer apagar a parte em que eu havia enchido a cara com alguns estranhos, mas, por um segundo, agradeci por esta ser minha última lembrança. O nível do vexame que deve ter sido ele chegar na praia e presenciar o meu estado bêbado seria além do que eu poderia suportar.
 — Isso foi anteontem — ele explicou. — Um casal de malucos te deu uma droga recreativa pesada e você provavelmente tomou sem nem perceber. Você passou mal a noite toda, nós te levamos ao médico e ele explicou que eram apenas a droga e o álcool saindo e que você ficaria bem. Só que ontem você ficou muito mal e chorou o dia todo depois que viu a cara do Caleb no hospital. Foi ideia da Kat te trazer pra cá pra descansar, enquanto se recuperava e... — ele levantou um ombro, sem mais palavras — agora você está aqui. Não se lembra de nada do dia de ontem?
 — Não... — Mas, agora que ele estava falando, sentia que podia tentar. Porém, novamente, eu não queria saber de nada que dizia respeito a mim mesma. A todo o resto, no entanto... — O que... o que aconteceu com a cara do Caleb? E com as suas mãos? — acrescentei rápido, quando olhei para a carne viva em exposto de novo.
 — Eu, ahm... — Blake pareceu se acanhar, escondendo as mãos atrás do corpo por reflexo. — Caleb te encontrou com este casal estranho que eu mencionei e se envolveu numa briga com o cara. Eu vi que ele estava muito machucado e... — sua mandíbula se retesou quando ele engoliu em seco — meio que perdi a cabeça.
 — Você... agrediu o cara?
 — É... este é o termo que usaram no registro de ocorrências — assumiu, com o olhar envergonhado em qualquer canto que não fosse o meu rosto e algo apenas estalou na minha mente.
 Eu não conseguia imaginar e provavelmente iria estranhar muito se um dia chegasse a presenciar, mas... o Caleb mencionou que Blake teve sua fase de adolescente rebelde, não era? E mencionou, principalmente, que era ele quem o defendia dos idiotas quando mais novos. Tanto que, aquele dia em que Evan o bateu em sua oficina, Caleb sequer quis aparecer na frente do irmão. É... pensando bem, não era impossível uma confusão de tal nível acontecer.
 Mas para mim ainda era difícil imaginar. Além de, de fato, eu nunca ter visto — sóbria, pelo menos — ele agir menos do que doce, coerente e brincalhão, eu apenas não conseguia olhar nos olhos dele, sempre tão calorosos, e pensar que esta energia deles encrudescia por algum motivo.
 A vergonha que ele aparentava agora, no entanto, deixava claro que não era bonito.
 Pigarreei, dando de ombros.
 — Bom, o cara atacou seu irmão mais novo — tentei reconfortá-lo. — Não sei se você lembra de quando eu contei, mas eu sou a caçula dos meus e houveram várias ocasiões em que eles perderam a cabeça também com qualquer pessoa que sequer ameaçasse me olhar feio. Ele machucou o seu. Quem pode te culpar?
 A expressão de Blake estava um tanto quanto endurecida quando voltou a me fitar.
 — Ele te drogou — e sua voz havia descido num tom assustadoramente mais grave. — Você já estava bêbada, e ele também te drogou.
 Respirei fundo, querendo muito parar de analisar suas reações.
 — Ele me drogou — repeti, decidindo dar a devida atenção para essa parte. — Você... você sabe se... algo aconteceu...? Comigo? — Um calafrio correu pela minha espinha.
 — Não, nós chegamos antes de qualquer coisa acontecer — ele negou rápido, antes que a sensação ruim se intensificasse. — Kat disse que o médico te examinou e, fora as drogas, nada estava fora do normal.
 — Ah... que bom. — Suspirei.
 — Mas, hm... Caleb me disse que você e a... garota, se beijaram. Ele viu. Achei que você deveria saber.
 — Oh... — Tudo bem, tudo bem... só um beijo, nada demais. — Ok.
 — Sim, ok. — Correu o olhar pelo meu rosto. — Caleb disse que não foi uma primeira vez. Com... garotas, eu quero dizer — acrescentou, pigarreando. — Não que tenha alguma importância, nem nada, é que... sei lá, eu não iria querer esquecer uma primeira vez.
 Dei um meio sorriso, sem saber exatamente como responder a isso.
 — Não sei. Foi uma coisa de momento. Não teria significado nada, mesmo se nunca tivesse acontecido antes.
 Por algum motivo, diante de meus olhos, o espírito de Blake decaiu visivelmente com minhas palavras.
 —... Verdade — disse para preencher o silêncio, um pouco perdido.
 Os olhos dele que nada expressavam apenas caíram para baixo, fitando a distância entre nós dois. Procurei o que chamava sua atenção por um segundo, mas não havia nada no carpete, então o silêncio foi apenas se estendendo, com ele preso em sua própria cabeça, com alguma coisa que o fazia parecer tenso e chateado por fora, e comigo, desconfortável, sem saber como prosseguir pela quantidade absurda de pequenas dúvidas que subiam até o meu cérebro, espocando feito fogos de artifício. O que também me impossibilitava de trazê-lo de volta para realidade.
 Essa falta de direcionamento social foi o motivo pelo qual eu tive que reprimir um suspiro de alívio quando ouvi um bipe liberando acesso ao quarto e Kat passou pela porta.
 A saudade que vinha nutrindo por ela a dias, então, apareceu e todo o restante ficou em desfoque. Ela eu podia abraçar!
 E foi exatamente o que corri para fazer, apertando-a sem me importar com suas mãos ocupadas por dois copos de café tampados.
 — Ai, meu Deus, que saudadeee... — choraminguei contra as ondas douradas de seus cabelos soltos na minha cara.
 Senti um soluço de riso.
 — Sério? Está com saudades de mim, Ali? — soou surpresa, por algum motivo.
 Me afastei para encarar seu rosto bonito, sem entender.
 — Claro que sim! Eu tô a dias sem te ver, Kat, eu não aguentava mais! Você não sentiu minha falta?
 Balançou a cabeça espremendo os lábios antes de responder.
 — Óbvio que sim, sua boba! Todos os dias. É só que... — Ela piscou algumas vezes e só aí notei que ela estava a ponto de chorar. Franzi o cenho, ela deu de ombros. — Sei lá. A gente se viu nos últimos dois dias e...
 Sua voz desvaneceu no meio da frase e quando eu estava prestes a perguntar qual era o real motivo que estava quase lhe arrancando lágrimas, ouvi Blake a alguns passos atrás de mim:
 — Ela não lembra de nada, Kat. — A mão tatuada dele apareceu na minha linha de visão, resgatando dela um dos copos descartáveis e depois o outro. — Ela só lembra de estar esperando a gente na praia, a dois dias. Eu te disse, não disse?
 — Sim — ela confirmou, fungando.
 — Disse, o quê? — Procurei Blake por cima do meu ombro. — O que está acontecendo?
 — Nada — ela respondeu sem tirar os olhos de mim. — Você não estava bem e eu confundi isso com outra coisa.
 — Que outra coisa?
 Balançou suas mechas loiras em negação.
 — Nada... só brava, ou algo assim. Nada demais.
 — Eu, brava?! Com você? Por que voc...? — comecei a questionar indignada, mas a movimentação de Blake atrás de mim, delatando ainda mais a sua presença, explicou mais do que o Google poderia.
 Eles estavam juntos. Blake e Kat. Namorando. Um com o outro!
 O processador do meu cérebro estava mais lento do que o normal, isso eu já havia entendido, então me permiti alguns segundos para me adaptar à informação de novo e me lembrar que, de fato, eu não estava brava.
 Jamais estaria. Kat era absolutamente perfeita pra ele, e ele pra ela, e eu havia sido a primeira a não apenas notar, como também semear para que isso acontecesse.
 Agora que essas peças se encaixaram perfeitamente e esses dois estão fazendo um ao outro feliz, como a sanidade humana precisa que aconteça, o meu mundo poderia ser todo sobre Caleb e o quanto a minha sanidade precisava saber onde diabos ele estava agora e o que exatamente tinha acontecido nos últimos dois dias.
 Mas, primeiro...
 — Eu te amo. Você sabe o quanto eu te amo e o quanto eu quero tudo mais do que o melhor pra você. — A envolvi em meus braços de novo. — Você é perfeita e merece a perfeição. Eu nunca ficaria brava por nada, Kat.
 — Ahm... que bom. Obrigada, mas... — me deu dois tapinhas leves na cintura, pedindo para que a soltasse — a gente precisa conversar... pode ser?
 — Sobre o quê? Não tem o que conversar, está tudo bem. — Por favor, não me submeta a esta conversa!
 — Eu vou dar uma saída — Blake anunciou apenas e a porta atrás de Kat já estava se abrindo e fechando antes que qualquer uma de nós pudesse dizer alguma coisa.
 Minha amiga abriu um pequeno e raríssimo sorriso tímido para mim.
 — Eu preciso te explicar...
 — Não precisa. — Não tive a capacidade de não interrompê-la. — Tudo está perfeito.
 — Mas, Ali, eu...
 — Eu estou feliz com isso, Kat. Não só por isso, na verdade. Eu estou com o Caleb. Estamos todos bem.
 — Estamos? — Ela arqueou uma sobrancelha, duvidando.
 — Sim! Eu... tô apaixonada por ele. — Hesitei por meio segundo, mas... que se dane! Esta ainda era minha melhor amiga e eu ainda queria contar tudo para ela.
 — Alison... — Se afastou, com uma expressão que misturava descrença e cautela.
 — Não, é sério, eu sei como isso soa, mas dessa vez é de verdade — acrescentei rápido: — Eu estou apaixonada e ele quer realmente ficar comigo. — Ela suspirou, meneando a cabeça. — Eu juro, Kat... esses últimos dias foram um paraíso! Ele esteve comigo o tempo todo, cuidou de mim, nos divertimos muito e... — me senti corar um pouco antes de dizer — ele tá o tempo todo me beijando, tipo... de verdade! E é tão... fácil lidar com ele, sabe? Ele, ele... simplesmente me quer também e eu consigo sentir isso. É muito bom, sério!
 Kat permaneceu calada por alguns segundos, até que pareceu se convencer ligeiramente, ainda que com certo desânimo.
 — Ok... que bom que... isso é bom. Fico feliz por você. Por vocês dois.
 — Sim, fique. — Balancei a cabeça animadamente. Só o que eu queria é que todo mundo ficasse feliz. — Eu realmente acredito que vai se tornar oficial muito em breve. A gente só precisa se assentar depois de toda essa loucura das férias. Por falar nisso, você ficou sabendo alguma coisa sobre o carro dele? Conseguiram recuperar? Onde ele tá agora? Caleb, eu quero dizer, não o carro — perguntei tudo de uma vez.
 — Hm... não se lembra de nada, não é? — Soltou uma lufada de ar, pensando. — Ele ficou no hospital no primeiro dia, com você, e era para ter ficado mais quando você recebeu alta, mas ele estava insistente sobre uma entrevista que tinha que fazer. — Kat buscou pelos copos de café novamente, estendeu um deles para mim e eu a segui até o sofá da sala, enquanto ainda falava:
 — Então depois que remendaram a cara dele, o fizeram assinar um termo de responsabilidade, mas ele estava mais preocupado em remarcar a entrevista e... com um poder de persuasão que nunca na minha vida, com todos os meus anos de marketing, comunicação e publicidade, eu havia presenciado antes, ele não apenas conseguiu remarcar a entrevista, mesmo tendo de explicar que só a havia perdido por conta de uma briga em que se envolveu, como também conseguiu o emprego, aparentemente. — Levantou um indicador no ar, num pedido silencioso de tempo para sorver um gole de seu café. — Ele só não conseguiu convencer Blake, a absolutamente nada — ela continuou. — Ele não queria que ele o acompanhasse de volta a Nova York, mas ele foi mesmo assim. Não queria prometer para ele que não sairia de casa e ficaria descansando até que ele voltasse, mas prometeu. Não queria que Blay voasse de volta para cá logo depois para terminar de cuidar dos assuntos de seu carro e ver como você estava, mas ele não apenas fez isso, como também arcou com os custos do estrago no carro dele que, aliás, a polícia encontrou ontem de manhã abandonado do outro lado da cidade depois que o ladrão o bateu em um poste e fugiu, então é... — Kat respirou fundo, arregalando os olhos. — Ele achou que Caleb não iria gostar de ver seu carro no estado em que estava, mas Caleb gostou menos ainda do fato de não ter sido avisado antes para que ele mesmo pagasse. Enfim... fora seu estúpido orgulho ferido, Caleb está bem e isso é um resumo do que você perdeu. — Abriu um sorrisinho de lábios fechados.
 — Oh... — foi tudo o que expressei, antes de finalmente provar o meu próprio café... para logo colocá-lo de lado ao perceber a completa ausência de açúcar, leite ou creme nele. Acho que não era pra ser meu.
 Ah, a ironia...
 — Que bom então... que ele está bem — verbalizei, para sair da minha própria mente. — Quero falar com ele. Sabe onde está meu celular?
 — Hm, provavelmente na sua bolsa — Kat disse como se só agora tivesse parado pra se lembrar da existência dele. — Eu a coloquei junto daquela mochila velha que você estava chamando de bagagem, no quarto. Não a viu lá?
 Eu também não tinha parado pra pensar na existência dele para procurar nas bolsas.
 Lembrar de algo muito mais importante, entretanto, me fez levantar de repente, sentindo meu sangue gelar.
 — Vou procurar — avisei simplesmente, antes de sair quase que correndo até o quarto.
 Bati a porta fechada sem pensar e em três passos eu já estava naquele gancho de antes, jogando a mochila no chão de lado, para encontrar minha bolsa de crochê rosa chiclete que eu vinha carregando para os lados essa viagem toda, praticamente. Enfiei a mão dentro dela, através do meu mar de tralhas, até finalmente sentir o que procurava.
 Soltei um longo suspiro de alívio, puxando para fora o meu "cubo mágico-musical".
 Liguei suas luzes coloridas apenas para me certificar que ainda funcionavam bem, girando-o entre meus dedos, e o contentamento interno que sempre me acometia apareceu novamente, assistindo as cores piscarem até estarem organizadas, para então se embaralharem de novo.
 Eu não sabia explicar nem para mim mesma... mas todas as vezes em que a loucura desta viagem começou a se tornar demais, quando algum inconveniente acontecia... quando Caleb não estava por perto... eu apenas parava o que quer que estivesse fazendo para observar as cores deste cubo se alinharem. Eu o ligava, com ou sem música, e dedicava alguns minutos da minha atenção fixa nas cores. E tudo ficava bem. Eu me sentia melhor.
 Lembrei da minha antiga terapeuta, que vivia falando sobre métodos para se acalmar, técnicas e outras coisas, mas... parecia mais. Eu sentia algo mais do que calmaria observando as luzes piscarem.
 Era bom, então eu não questionava.
 — Achou, Ali? — ouvi a voz de Kat perguntar do outro lado da porta, se aproximando.
 Desliguei o cubo no mesmo segundo em que o enfiei de volta na bolsa. A porta já estava se abrindo, quando retirei meu celular — extremamente fácil de achar no bolso interno — de dentro da bolsa.
 — Sim... — respondi segurando o botão de ligar, mas sem sucesso. — Sem bateria.
 — Ah, eu trouxe meu carregador portátil. Você pode ligar para ele do meu, enquanto o seu carrega no caminho.
 — Caminho? — repeti, confusa.
 — Sim, para casa. Você... tem mais alguma coisa para fazer aqui? Não se sente bem para viajar?
 — Não, eu... sim, a gente já pode ir. Eu só pensei que... sei lá, o carro do Caleb ainda está no conserto, não está?
 Kat assentiu, imitando minha confusão.
 — Blay vai voltar o dirigindo depois que tudo estiver certo. Nós já podemos ir.
 — Você não vai... ficar com ele? — perguntei hesitante.
 Minha amiga baixou seu olhar e por um segundo eu achei ter visto certo incômodo em seu semblante. A convenção social de ter que ficar junto de seu namorado bem presente no ar, apesar de implícita.
 Mas ela logo sorriu complacente por cima disso, respondendo:
 — Não vou te deixar voar sozinha, você esteve muito mal nos dois últimos dias. — Seu olhos agora me fitavam silenciosamente me dizendo que esta era uma estranha conversa para se ter.
 — Me sinto bem agora — disse simplesmente, querendo que ela visse nos meus olhos que tudo estava bem. De verdade.
 — Nunca se sabe... é melhor ter cuidado. — Tem certeza disso? Nada vai mudar entre nós duas? Ela deu alguns passos pequenos até mim.
 Abri um verdadeiro e suave sorriso acolhedor para ela.
 — Eu estou mesmo bem. — Nada nunca vai mudar entre nós. Você é minha melhor amiga.
 — Ok... mas eu quero voltar com você... senti sua falta. — Eu posso?
 — Também senti a sua. — A enlacei em meus braços, cansada das entrelinhas. — Eu te amo tanto, Kat...
 — Também te amo, Ali... — A ouvi fungar, discreta. — Obrigada.

...

¹. "E você pode não pensar que eu me importo com você... Quando sabe bem no fundo que eu realmente me importo... E é para mim que você precisa mostrar..." - "Letra de How Deep Is Your Love", de Bee Gees.

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