Caleb
Em um só ímpeto de choque, o queixo de Alison foi parar no chão e suas mãos subiram até a boca escancarada de espanto.
Seus já brilhantes olhos escuros se inundaram com a emoção.
— Não, não, não, Ali... de novo, não, por favor...
— C-Caleb...? Eu não acredito. — Ela fez menção de tocar o lado esquerdo do meu rosto, como se ainda precisasse se certificar que era eu, mas, mesmo sob efeito dos remédios, me encolher para que não o fizesse foi involuntário. — Ai, meu Deus...
E lágrimas desataram-se a cair.
— Alison, por favor... Ali... — foi só o que consegui inutilmente repetir até a enxaqueca perfurar meu crânio de novo, me fazendo encolher ainda mais e dar alguns passos para trás para fugir de todo o vigor das três da tarde do sol.
— Vem, vamos entrar, Ali — ouvi Katrina dizer por mim e agradeci mentalmente, porque eu não era capaz de fazer meu papel de anfitrião.
— Isso é horrível! — ouvi Alison exclamar chorando no meu encalço. — Quem fez isso, tem que pagar! Que coisa terrível! — Forcei um sorriso torto, repuxando para o lado menos machucado do meu rosto, enquanto me sentava na ponta do sofá.
— Eu sei que tô parecendo um monstro, docinho, mas não se preocupa que o cirurgião dessa plástica saiu dela bem pior. Pergunte ao meu irmão — brinquei, fingindo a pose tranquila e descolada de sempre.
Mas Katrina não se interessou por ela.
— Ele está pior porque foi parar na cadeia, não porque Blake bateu nele e quase acabou lá também!
Alison sobressaltou, olhando-a amedrontada.
— Blake quase foi preso também?!
— Pois é, o senhor homem correto deu mais uns quinze socos no cara mesmo depois do maluco ter caído na inconsciência. Complicou um pouco a legítima defesa — ironizei para amenizar a situação, rindo e tossindo um pouco, mas imediatamente me arrependi, pela dor no peito.
— Meu... Deus do céu... — Alison cobriu a boca de novo, buscando por onde se apoiar com a outra mão. Que Kat rapidamente lhe forneceu, a trazendo para se sentar do meu lado no sofá.
— Para com isso, Caleb! Ela não lida bem com violência e você só está fazendo piorar! — me recriminou e, de um segundo para o outro, desejei que eu é quem estivesse inconsciente. Ah, a vergonha...
— Sinto muito, Ali... — Busquei por sua mão, a qual ela prontamente me ofereceu, aceitando um lenço de papel de Kat com a outra. — Ele só estava me defendendo. É o que ele faz, lembra que eu te contei?
— Sim. Tudo bem... — Ela respirou fundo, engolindo em seco ao me olhar. — Você... tá com muita dor? Tá tomando algum remédio? Não precisava estar no hospital?
— Não, não tô com dor, porque, sim, estou tomando remédio, e, não, não preciso de hospital. Já te falei também que sou profissional em levar surra. — Dei um outro meio sorriso, mas ela apenas choramingou, não conseguindo devolver.
Droga, eu odiava vê-la chorar... Não acontecia sempre, mas quando acontecia, seja por estar emocionada com o pôr-do-sol, ou porque Evan novamente não respondia suas mensagens, eu nunca sabia como agir. Preferia ela alegre como sempre, senão eu acabava virando este otário que fazia piadas inoportunas.
— É profissional em teimosia, isso, sim! — Kat se pronunciou da poltrona, de olho na tela de seu celular. — Agora que já está tudo bem, você deveria procurar ajuda médica.
Dei de ombros, fazendo pouco.
— Já me disseram que não tem nada quebrado. E eu tava com saudades de casa, então... vai sarar.
— Você que sabe, Sloth¹ — isso finalmente arrancou uma meia risadinha de Alison, o que para mim já fez a comparação valer a pena.
— Tá com fome, docinho? Tem metade de uma pizza ainda no forno, posso esquentar se você quiser. Você aceita, Kat?
— Não, obrigada. Eu comi no vôo pra cá. — Seus olhos subiram para Ali. — Mas você deveria, mal tocou no seu sanduíche.
— Eu... não estou com muita vontade de comer nada agora. — Ali esfregou o estômago com uma careta, provavelmente porque Kat e Blake haviam me dito que ela tinha passado muito mal, mas novamente tentei tirar proveito e brincar:
— Poxa, realmente perdi todo meu sex appeal com você, não é? — E, desta vez, funcionou! Seu rosto ainda choroso e incomodado se transformou num sorriso divertido.
— Não! Seu bobo, não é por isso! — Hesitou um pouco, mas não fugi quando estendeu a mão para me tocar dessa vez. Não senti seu toque por conta dos remédios, mas eu sabia que estava tocando o lado direito do meu queixo. — Você logo, logo estará perfeito de novo. Até lá, eu vou cuidar de você.
— Ah, então arrumar briga com caras duas vezes maiores do que eu tem, sim, suas vantagens... — Ela riu, franzindo o nariz e corando um pouco.
— Ai, Deus, essa é a minha deixa. — Kat descruzou as pernas longas, ficando de pé e se virando para Ali. — Tem certeza que quer ficar aqui hoje? Não quer mesmo ir para sua casa tomar um banho, descansar...?
Ela negou e eu acrescentei:
— Ela descansa aqui comigo. — Alison mudou, agora balançando a cabeça para concordar. — E toma banho comigo também, se ela quiser.
Kat revirou seus olhos bonitos, mas Alison só fez gargalhar e enrubescer ainda mais.
— Ok, as suas bolsas da viagem estão no meu carro, quando você quiser levar tudo para a lavanderia. Até lá, me mande mensagem. Se você se sentir mal ainda... qualquer coisa. Só fala comigo, Ali. Por favor. — Estendeu o celular de Alison para ela, que apenas o aceitou, assentindo mais. Katrina virou para mim e eu ajeitei minha postura por puro reflexo, mas não havia tensão real quando ordenou: — E, quanto a você, trate de se cuidar direito! Ela não vai dizer, mas eu vou: você está horrível! Parece até que o Ken da Barbie virou um zumbi, um horror! Trate de ficar bonito de novo.
— Pode ter certeza que eu vou ficar, sim, senhora. Inacreditavelmente lindo, como sempre! — Fingi bater continência, levantando meu braço o máximo que conseguia, deixando que as duas rissem do meu esforço.
Kat deu mais uma olhada rápida no seu celular.
— Seu irmão está dizendo que volta ainda hoje, o carro já está pronto e ele provavelmente vai chegar tarde da noite. Não diz aqui, mas acho que ele vai vir direto pra cá.
— Ah, ok... Valeu — murmurei, não muito ansioso.
Por um lado, meu bebê, agora mais curado e bonito do que seu dono, estava voltando inteiro para mim. O que era ótimo, depois daquele puta susto.
Por outro, o irmão com quem eu perdi a cabeça por ligação por estar pagando tudo para mim sem me avisar, era quem estava o trazendo.
Incrível como, assim que desliguei na cara dele, me ocorreu que era mais fácil só ter agradecido e pagado de volta depois.
É... eu sou um idiota.
Um zumbi idiota.
— Acho que eu preciso daquele banho antes de mais nada, Caleb — Alison chamou minha atenção, se levantando também.
— Pode usar o banheiro do meu quarto, lá em cima, é bem mais espaçoso. E, meu guarda-roupa também é todo seu. O que você quiser usar, fique à vontade.
Alison trocou um olhar furtivo com sua amiga, mas nenhuma das duas expressou nada em particular. Apenas uma cumplicidade implícita.
— Ok... obrigada. — Foi em direção as escadas, enquanto Kat repetia:
— Qualquer coisa, hein, Alison? Eu quero saber como você está.
Alison novamente confirmou obediente e sumiu escadas acima, depois de se despedir da amiga ao longe.
Katrina me olhou em austero silêncio por um momento, com sua postura alta e firme. Eu não estava particularmente pensando naquele momento que ela parecia intimidante, nem nada, porém com toda certeza suas próximas palavras me surpreenderam bastante:
— Eu lhe devo desculpas.
Levantei a única sobrancelha que conseguia.
— Pelo quê?
— Pela maneira como te tratei — respondeu concisa e tive de pensar um pouco para entender do que estava falando.
— Por conta de agora a pouco? — me dei conta. — Não, tudo bem, eu sou completamente atrapalhado quando se trata de mulheres chorando, por isso estava sendo idiota, só queria que ela parasse.
— Não, não... — Gesticulou, apertando os olhos. — Quero dizer, sim, sinto muito por isso também, eu perco o jeito de falar com as pessoas às vezes, mas... eu estava querendo me desculpar por conta daquela noite. Que estávamos procurando por ela. — Ela suspirou, seu semblante se fechando. — Eu agi mal, como se fosse culpa sua o que estava acontecendo e esse não era o caso. Sinto de verdade.
Desviei ambos os meus olhos, o bom e o lesionado, para o chão.
— Não, isso... isso realmente foi culpa minha, você estava certa: eu não deveria ter a deixado sozinha. Não precisa se desculpar.
— Caleb, independente do que estava acontecendo, ela é adulta. Eu sei que a amo e por isso tenho esses maneirismos explosivos quando se trata dela. E obviamente você... também tem muito carinho por ela, eu consigo ver isso. — Abriu um pequeno sorriso rápido. — Mas, novamente, ela é uma mulher adulta. De jeito nenhum estou jogando a culpa para cima dela também, mas... só estou dizendo que de vez em quando a gente se mete em confusão quando vive a vida. Acontece e não é uma questão de culpa.
Algo na maneira em que franziu as sobrancelhas finas me fez pensar que havia mais nas entrelinhas e isso me intrigou um pouco, mesmo sem entender. Mas aí me lembrei que era assim mesmo com Katrina, eu estava sempre me questionando o que mais se passava pela cabeça dela. A diferença era que fazia um tempo em que não nos viamos e eu precisaria me habituar de novo.
De qualquer forma, inconscientemente esperei que meu irmão estivesse a ajudando com seus infortúnios internos. Eu apenas... não queria mais envolvimento.
— E, outra coisa — continuou —, a forma como você estava a defendendo quando Blay e eu chegamos, aquilo... aquilo foi muito corajoso. Alison mal estava consciente, odeio sequer imaginar no que estavam prestes a fazer com ela! Eu estava te provocando agora a pouco, mas a verdade é que eu sou muito grata a sua aparência de zumbi. — Expirou uma risadinha. — Sério, você foi ótimo.
Quis muito poder sorrir direito naquele momento. Só deixar minha expressão crescer e acender feito uma supernova, porque foi assim que me senti por dentro: brilhante!
O que era uma sensação exagerada para um simples elogio agradecido, então talvez fosse uma boa que minhas expressões estivessem limitadas e eu tivesse tempo de repensá-las.
— Eu só queria que ela ficasse bem. — Levantei um ombro, justificando com o que não deixava de ser verdade. — Eu estava tão preocupado quanto todo mundo e, mesmo com... tudo o que você está dizendo, eu me senti e ainda sinto pessoalmente responsável. Mas no fim das contas não havia nada que me impediria de trazê-la de volta pra você.
Seus lábios rosados se torceram amigavelmente.
— E para você também, aparentemente.
Soube na hora ao que ela estava se referindo. E não senti vontade alguma de corrigi-la.
— É... aparentemente. Ela percebeu que eu sou incrível, o que posso fazer?
Katrina revirou os olhos, sorrindo.
— Você pode cuidar da minha amiga, seu zumbi convencido.
— Pode deixar.
Seu celular vibrou em sua mão buscando por atenção.
— Ok, eu... vou indo. Se cuida, Caleb.
— Você também, Katrina. Vou te acompanhar até a porta.
E assim eu fiz, depois de ficar de pé com certo esforço, calmamente alcançando a porta e segurando-a aberta para que passasse e... eu tive que internamente reconhecer, estava indo bem.
Era algo simples? Sim, mas, desta vez, eu não estava nem precisando me esforçar para manter a simplicidade como ela deveria ser.
Então, sim, progresso!
...Que ela tratou de destruir quando, já do lado de fora, se virou para mim e, depois de fisicamente hesitar uma, duas, três vezes, enfim jogou seus braços longos em volta da minha cintura e me abraçou com delicadeza.
Por loooongos dez segundos...
Meu corpo simplesmente travou. Não podia mais expirar, porque quando tentava tomar ar para fazer isso seu perfume suave de champanhe me deixava tonto, e assim me mantive inebriado demais para me dar conta do que estava acontecendo. Quando consegui me mover para retribuir o tímido abraço, ela já estava se afastando com um meio sorriso sem graça.
— Senti sua falta.
E a falta de respostas somente perdurou.
Por minutos a fio, ela já tinha entrado em seu carro e ido embora, e eu ainda estava lá, na frente da porta aberta olhando para o completo nada.
Novamente em pensamentos retardatários, eu estava questionando não apenas o que tinha acabado de acontecer, como também o porquê de estar questionando e, principalmente, porque eu estava tão afetado. Todos aqueles dias, aquelas horas sem gastar uma mínima reflexão sequer sobre ela, garantindo a mim mesmo que tudo não passou de uma atração passageira e superficial e que eu definitivamente tinha superado... Tudo isso não valeu absolutamente nada?
Eu só tinha me enganado de novo? Tentado iludir a mim mesmo com distrações?
Por duas semanas inteiras?!
—... Caleb?
Me virei ao ouvir a voz agradável de Alison me chamar.
Ela estava no batente da porta, me observando com curiosidade. Os cabelos estavam úmidos, ao natural, como estiveram durante toda a viagem, praticamente, e agora ela usava uma das minhas camisetas velhas, com a estampa de um Opala antigo já desbotada quase que por completo, minhas calças leves xadrez e seus pés estavam descalços, um deles esticado com os dedos para baixo, pensativamente.
— Tá tudo bem? Por que está aí fora? — perguntou, pisando em ovos, como sempre fazia quando eu agia fora do esperado.
Repuxei um sorriso calmo, andando até ela e, então, embalando-a pelos ombros.
— Estou ótimo. Só tomando um ar. — Fechei os olhos com a calmaria bem-vinda que senti, quando me abraçou de volta. E foi um abraço tranquilo, calmo... imediatamente calou minhas questões internas.
Era apenas... confortável.
— Ah, ok... — Nos afastamos um pouco, ainda nos braços um do outro. Ela franziu suas sobrancelhas bonitas. — Não gosto de te ver assim...
— Vou ficar bom logo. Vou superar tudo — prometi tanto a ela, quanto a mim mesmo. — Eu só... não vou conseguir te beijar até lá.
— Eu entendo. — Ela fez um biquinho decepcionado. — Mas... o que a gente faz então, por enquanto?
Sua pergunta implicava muito além de beijos ou atividades para passar o tempo, eu sabia disso. Era do nosso "futuro rotineiro" que ela queria saber.
Mas a verdade era que, quer gostasse dessa realidade ou não, eu ainda precisava me entender com a minha própria cabeça, antes de poder oferecer alguma coisa a ela, então... é.
Passatempos eram o que nos restavam, por hora.
E eu tinha um muito específico em mente que, por mais irrelevante que fosse, eu apenas não estava conseguindo deixar de lado já há algum tempo.
Portanto, apenas sugeri:
— Já assistiu The Walking Dead?...
¹. Sloth - Personagem do filme "Os Goonies", de 1985.
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Tudo o que Sonhei
Roman d'amourO melhor amigo, o crush ou o ídolo? Para a romântica e desajeitada Alison, todos estes clichês se tornam realidade num curto período de tempo e, quem olhasse de fora, diria que isto tinha de ser o destino agindo a favor de uma pobre alma... certo...