Alison
Tudo o que eu queria, ao chegar em casa, era esquecer que o mundo lá fora existia.
Não era nem meio-dia ainda e eu já me sentia esgotada, chega!
Hoje seria sobre pintar alguma coisa, construir outra, trabalhar numa obra bem grande, realmente colocar as mãos na massa, porque estava cansada também de só rabiscar e projetar por tantos dias.
Porém, assim que fechei as portas e me virei para encarar meu lar, entendi porque parte inconsciente minha não esteve tão ansiosa assim para voltar.
Me recusando a pensar muito e puxando uma profunda respiração, imediatamente fui até meu armário de materiais e retirei no fundo dele uma das minhas caixas dobráveis, montando-a aberta com rapidez e facilidade.
Mantive minhas emoções firmes, ao recolher um total de cinco bonés espalhados em pontos diferentes do loft, dobrar as duas camisetas xadrez penduradas e esquecidas uma em cima da outra em uma cadeira, empilhar as variadas cópias de Halo, Call of Duty e Far Cry destoando na minha prateleira de Nintendos, encontrar o par de chuteiras que tentava se camuflar entre alguns dos meus quadros mais recentes... senti que não respirava direito ao terminar.
Puxei meu celular do bolso, continuei a ignorar as notificações de Noah, fui direto para a câmera, conseguindo encarar o conteúdo cheio da caixa apenas através da tela, e... tirei a foto que precisava, logo a encaminhando."Vai querer que eu leve isso tudo até aí, ou você vem buscar?"
Meu coração pulou uma batida com a surpresa da resposta já estar sendo digitada. Mas o teor dela não deixou o mínimo vazão para que esperança alguma se construísse:
"Pode deixar com um dos caras ou só jogar fora. Não preciso de nada daí."
Encarei a tela emudecida, apertando o aparelho com força e tentando engolir em seco, mas impedida pelo caroço enorme que havia se formado na minha garganta de repente.
O último vislumbre que obtive antes que meus olhos marejassem de vez foi do "estou com saudades suas" que havia mandado para Evan a uma semana atrás, quando se dignou a dar notícias sobre seu pai, e que ficou apenas visualizado, sem respostas.
Porque era só isso que meus sentimentos por ele mereciam agora: um silêncio absoluto.
Larguei meu celular de qualquer jeito na mesa de centro, ao lado da caixa, e me ouvi esganiçar de choro. Realmente soluçar entre as lágrimas, feito uma criança perdida da mãe.
— Droga, Alison, que droga! — esbravejei para mim mesma, estapeando meu rosto duas vezes.
Eu mesma não queria acreditar que, de novo, estava chorando por causa dele. Parecia que não importava o que fizesse com a minha vida, o que de bom ou ruim me acontecia, eu continuava a sofrer pelo mesmo motivo: a ausência dele.
O que havia de errado comigo?!
Minha música favorita da Duran Duran começou a tocar e atender a ligação sem sequer checar quem era foi um ato de puro impulso agonizante. Até onde sabia, poderia ser um operador de telemarketing, eu só queria que alguém me tirasse da minha própria cabeça.
—... Alô?
— Oi, docinho! — a voz animada de Caleb do outro lado da linha destoou tanto do meu estado de espírito, que não consegui cumprimentá-lo de volta de imediato. Mas ele não demorou a acrescentar: — Já tô com saudades... queria te ver.
— Ah... oi... — Funguei, espalhando as lágrimas pelo rosto, ao tentar secá-las com a mão nua. — Ah, eu... eu sinto muito, Caleb. Não tô me sentindo muito bem, eu... não posso.
A sensação foi péssima ao aceitar esta realidade, mas não havia a mínima chance de aceitar voltar a casa dele, no estado em que me encontrava hoje por conta de outro cara. Eu estava tentando construir alguma coisa real com Caleb e isso seria um passo para trás.
Mas o que ele disse a seguir me fez mudar de pensamento da água para o vinho:
— Oh... então eu vou voltar pra casa. Me avisa quando estiver melhor — soou um tanto quanto abalado.
— Espera, espera! Você tá aqui fora? — Corri para a janela por instinto, como se pudesse encontrá-lo na rua, ou algo assim.
— Eu estava chegando. Mas tudo bem, se você não tá legal, eu...
— Não, de jeito nenhum! Vem pra cá, se você já está chegando! — clamei, o cortando.
— Ahm, certeza? Você disse que não tava bem, eu não quero atrapalhar...
— Não, não! Eu... — Suspirei, decidindo apenas ser franca. Não era como se ele não conhecesse meus complexos. — eu estava chorando por causa da coisa com o Evan, mas... deixa. Não quero ficar assim o dia todo. Por favor, venha. Quero te ver também.
—... Ok, então! E... — Não continuou a falar por quase cinco segundos. — tô aqui! Posso subir?
— Sim! Pode vir, vou destrancar a porta pra você.
Mas o que fiz realmente foi correr até o banheiro para lavar e secar meu rosto com pressa. Quando alcancei as portas e as abri, ele parecia já estar parado lá a alguns bons segundos.
— Oi. — Depois de fechar as portas atrás de si, ele abriu um sorriso para mim que só não foi capaz de carregar mais compaixão, porque ainda não se esticava tão bem para o lado esquerdo, ainda um tanto quanto colorido pelas marcas dos machucados.
— Oi... — Não dei uma boa olhada no espelho, mas eu tinha certeza que minha cara inchada conseguia estar bem pior do que a dele.
— Vem cá — convidou, mas ele mesmo veio até mim, me cobrindo em um abraço desajeitado, pelas sacolas de mercado que ocupavam uma de suas mãos.
Não importava. Eu estava precisando disso e iria aceitar como viesse.
— Quer conversar sobre isso? — o ouvi murmurar contra o meu cabelo depois de alguns segundos e eu neguei com a cabeça, de olhos fechados.
Não suportei segundos, no entanto, e já estava me contradizendo:
— Caleb, fala a verdade: você me acha burra? — Ele exalou uma risada surpresa.
— Claro que não, Ali! De onde veio isso?
— Das minhas escolhas! Por que... eu ainda tento, sabe? Com ele? — questionei, sem detalhar demais, mas sabia que havia compreendido.
— Porque você o ama. Sempre vai amar. — Me afastei para olhar em seus olhos. Por mais que quisesse falar, precisava saber se estava o chateando com esse assunto, mas ele parecia mais preocupado do que qualquer outra coisa. — Não é como se isso fosse uma escolha, então não é burrice. — Levantou um ombro.
— Mas eu não quero mais... ficar assim, entende? — indiquei a mim mesma, aos meus olhos ainda meio gotejantes. — Eu quero... o que tivemos na viagem, aquela paz, aquela falta de preocupação... eu quero você.
— E eu quero você também, docinho. Por isso eu entendo seu lado. — Seus dedos compridos me fizeram o favor de pentear minha franja para baixo, me dando algum nível de dignidade. — E a verdade é que isso não tem muito a ver, sabe? Você e eu. Sua história com ele é extensa demais pra não doer agora o fato dele te ignorar desse jeito, sem ponto final algum. Eu realmente entendo e você também deveria fazer isso... entender.
Expirei, sentindo um certo cansaço interno.
— Às vezes eu me pergunto se realmente fiz a coisa certa em não ter ido com ele... sabe? Em ter terminado tudo — confessei, sentindo um peso sair das minhas costas, mas não demorando a continuar: — Não porque eu sinta falta do relacionamento com ele, ou que me arrependa das últimas semanas, porque não é isso! Eu adorei este tempo com você, de verdade! É só... porque ele se afastou tanto, quando eu só queria o ajudar, mas que bem isso tudo fez, se parar pra pensar?
— O bem de colocar a verdade pra fora — ele sequer precisou pensar para responder. — Continuar com ele, fazendo o que ele queria e como ele queria, só serviria pra te machucar mais, Ali. Pelo que você me contou da reação dele com o término e sobre o que vocês conversaram, ele só queria continuar mentindo pra si mesmo.
Pisquei, desviando meu olhar do seu um pouco.
— É, a maneira que ele pensa realmente não era algo para se apoiar — concordei, lembrando especificamente de quando Evan me implorou para continuar com ele, dizendo que eu era sua chance de ser alguém "normal". — Mas, e se eventualmente eu tivesse conseguido fazê-lo se sentir melhor consigo mesmo e ele ainda quisesse um futuro comigo, pelos motivos certos?
Perguntei por perguntar. Mas, quando Caleb demorou a responder, tive a urgência de novamente dizer que o que eu queria mesmo era ficar com ele, mas meu âmago apenas via em seus olhos que ele continuava a compreender os meus "e se's" sem mais explicações. Ele é o melhor...
— Alison... posso ser bem honesto com você? Honesto de verdade?
— Por favor! — incentivei, ansiosa.
— Você é linda, inteligente e adorável. E, posso dizer por experiência própria, que beija muito bem. — Senti cada centímetro de pele da minha clavícula para cima se aquecer, com os elogios repentinos e despretensiosos. Mas ele ainda estava falando: — O Evan teve a oportunidade de te chamar de namorada por muito tempo, por muitos anos, com muitas promessas e muitos sentimentos em jogo, então... eu não sei, docinho, mas é provável que ele não seja mesmo bissexual, no final de contas...
— Gay! — resolvi, quando ele não completou, arregalando meus olhos. — Não! Não, não, não... Será?! — Me afastei, de repente precisando de distância para respirar direito.
Caleb encolheu os ombros, aproveitando para ir até o balcão da cozinha.
— Você tem mesmo um beijo muito gostoso. E me contou que ele só conseguiu aproveitar isso direito pouco antes de vocês terminarem, então... não sei — começou a remexer as sacolas. — Talvez eu esteja dizendo besteira, e não quero de jeito nenhum que você se ofenda com isso, mas ele não teve dificuldade alguma em me beijar. E a gente mal se conhecia. Isso tem que dizer alguma coisa.
Meus ombros caíram, mas ainda não estava disposta a apenas ceder a sua teoria.
— Isso só quer dizer o óbvio: ninguém resiste a você.
— Sim, lógico! — Apontou, organizando suas compras. — Mas ele ama você.
— Talvez não amasse tanto assim... — argumentei, baixinho.
— Ou talvez não se atraia por mulheres. Acontece com boa porcentagem das pessoas — brincou.
— Eu não... não sei. Não quero tirar conclusão alguma — determinei e ele assentiu.
— Sim, isso é um lance pra ele resolver e, sendo verdade ou não, é provável que seja isso que esteja o mantendo afastado de você agora. Reflexões, autoconsciência e essas coisas... queira ele ou não, ao terminarem do jeito que terminaram, dizendo o que você disse, você deixou muito para ele pensar. — Se virou para mim, apoiando um braço no balcão. — Acho que, inconscientemente, ele te quer longe por medo de você impor nele mais verdades que não consegue lidar. — Deu de ombros de novo. — Mas, bom, essa é só a minha opinião.
— Eu não sei — repetir foi tudo o que consegui fazer.
— Nem eu. — Ele sorriu de canto, erguendo no ar um pacote fechado de macarrão na minha direção. — Só o que eu sei é que minha vontade ainda não passou. O que acha de tentarmos de novo? Prometo que te ajudo na louça dessa vez, independente do desastre.
Seu tom manso conseguiu arrancar de mim o primeiro sorrisinho em horas.
E, foi o suficiente, apenas concordaria com ele.
As coisas de Evan são para Evan lidar. Se ele não queria me deixar ajudar? Ok, eu estaria me ocupando com macarrão com queijo e com Caleb. Eventualmente, a falta não doeria mais.
— Claro que ajuda, espertão. — Me aproximei, gostando de abraçar e ser abraçada de volta. — Com a máquina de lavar louças, é claro que você ajuda.
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Tudo o que Sonhei
Roman d'amourO melhor amigo, o crush ou o ídolo? Para a romântica e desajeitada Alison, todos estes clichês se tornam realidade num curto período de tempo e, quem olhasse de fora, diria que isto tinha de ser o destino agindo a favor de uma pobre alma... certo...