Alison
Desde a viagem, se completava hoje o terceiro dia em que não saí mais da casa de Caleb e, por meus próprios motivos, estava sendo ótimo.
A impressão que eu tinha era que algo havia clicado no cérebro dele em relação a mim e era apenas agradável vivenciar isso. Ele não tinha mais receios e parecia mais... disposto a me incluir na palavra "futuro".
E isso em todos os sentidos, mesmo que não estivéssemos, de fato, explorando nenhum deles.
O físico, por exemplo, eu sempre soube que tinha sua significante importância para ele, pois, durante a viagem, tudo era sobre toques, beijos e abraços. Tudo carregado de promessas implícitas de algo mais, num local e momento mais adequados. Foi algo que criou muita antecipação... mesmo que houvessem muitos toques, beijos e abraços com estranhos aleatórios também.
Agora a coisa estava peculiarmente diferente. Só eu estava aqui, ele não tinha outras opções e também não estava podendo sair atrás delas. Mas parecia bem com isso. Nós nos dávamos bem de modo geral.
Acho que isso era o que vinha me encantando ultimamente: o contentamento simples e confortável que demonstrava ao ficar só comigo.
E não importava para mim que estivéssemos presos com nada mais do que entretenimentos triviais, por conta de sua condição. Era temporário. Agora, a percepção de que eu o deixava feliz estava me fazendo feliz e, isto, eu sabia que seria permanente.
— Vai derrubar... — a provocação vinha recheada com um tom de menino levado.
— Não vou, não! Quieto! — ordenei, sem olhar para ele, meu foco estrito em puxar, com as pontas das unhas, uma das peças de madeira perto da base da torre já muito pensa de Jenga.
Era a última peça "segura" e ele sabia que seria obrigado a puxar qualquer outra que abalaria completamente a estrutura da coisa na sua vez, me entregando a vitória. Era quinta-feira, às três da tarde, o sol rachando do lado de fora, e este era o ponto alto do nosso dia. Isso era o que mais importava para nós dois!
E, por isso, como um último grito de misericórdia, ele tinha resolvido trapacear, me atazanando.
— Alison, o que é isso no seu braço? É uma aranha?! — fingiu surpresa, me cutucando com sua mão cheia de dedos. — Alison, ela tá subindo em você!
Espremi os lábios me recusando a responder, ao mesmo tempo em que segurava a risada pelas cócegas leves, minha atenção ainda na pecinha de madeira.
— Ela vai te morder e você vai virar a mulher-aranha, com grandes poderes, grandes responsabilidades e "grandes atributos". Vão ficar ótimos dentro da roupinha apertada. — Soltei uma risada expirada por um segundo, mas logo tratei de voltar a reprimir. Seus dedos no "modo aranha" ainda estavam se encaminhando para a parte interna do meu braço e usei meu cotovelo para empurrar sua mão.
— Para com isso, Caleb! Você está trapaceando!
— Eeeu?! — fingiu indignação. — Eu não preciso trapacear em nada, você já tá fazendo tudo cair por mim! — Senti sua aproximação em meu ouvido. — Olha só, quase caindo, quase caindo, quaaaaase...
Como se o obedecessem, uma a uma, as peças começaram despencar de sua construção arriscada, até que só restasse a pilha de seus destroços.
— Nãaao! — choraminguei, minhas mãos soterradas pelo que sobrou da torre.
— Sim! — Uivou um "uhuu", gargalhando. — Eu disse que ia cair!
— Você trapaceou! Eu não mexi com você em nenhuma das suas vezes! — Lancei uma peça em seu peito, sem fazer força.
— E por isso foi você quem derrubou tudo! — Lançou os punhos no ar em comemoração, seu rosto ainda machucado já conseguindo se abrir um pouco mais em um sorriso. — E agora a louça do almoço é toda sua!
— Aaaah... — Encostei minha testa em sua mesa de centro, lembrando da macarronada com queijo que resolvemos improvisar com um nível zero de habilidades culinárias entre nós dois, seguindo uma receita do site "delicias-simplificadas-para-idiotas.com". Conseguimos os dois esquecê-la no forno, assim carbonizando o nosso esforço e nos obrigando a pedir comida. De novo. — Preguiça! — exclamei, embaçando o vidro.
— Bom, você tem o dia todo pra reunir suas energias, eu não tô com pressa — o cara de pau "amenizou". — Vou estar ocupado, tirando um cochilo na minha banheira dos vencedores, então pode começar a trabalhar quando se sentir pronta.
— Eu te odeio.
— E eu te amo, meu docinho lindo e prestativo. — Me puxou da mesa, abraçando minha cintura por trás. — Mas depois eu te convenço a me amar de volta. Agora, banho! E você, trabalho!
Resmunguei um palavrão emburrado, mas não consegui evitar sorrir, com a facilidade que ele teve para se levantar do tapete e praticamente saltitar vitorioso escadas acima, ainda rindo da minha cara.
Provocador, trapaceiro!
Que já estava curado o suficiente para me fazer passar raiva.
— Bom — reconheci com um meio sorriso.
Me coloquei de pé também, ajeitando a regata e a bermuda de cetim dele no meu corpo e depois empurrando as peças do jogo espalhadas para fora do meu caminho — essa bagunça ele iria arrumar, tô nem aí — e resolvi ir cuidar logo da minha treva, na pia.
Entretanto, minha cabeça não demorou a se desemburrar assim que iniciei o processo de limpeza pesada.
Lembrando dos últimos dias, de nossas conversas sempre tão divertidas, me peguei revisitando especificamente uma em que ele estava me contando sobre o novo emprego:
"— Vai ser demais! Eles literalmente vão me pagar para ir pra lugares incríveis, fotografar principalmente eventos famosos!" — Ele relatava empolgado, gesticulando o melhor que suas dores permitiam. "— Claro que a maior parte serão mais coisas privadas, mas quando me mandarem pra outro festival de música, ou algo assim, você precisa vir comigo!"
Lembro que até decidi rolar, deitando de costas em sua cama, para que ele não visse meus olhos brilhando de esperanças, de bruços, bem a minha frente.
"— Acha que não vão se importar de você levar companhia?" — perguntei sobre a opinião de seus empregadores, ao invés de diretamente pedir que ele confirmasse a dele.
Mas Caleb foi sucinto:
"— De jeito nenhum! Eles até mencionaram isso na proposta, disseram que não apenas não era problema levar um acompanhante, como eles também arcavam com despesas básicas para cônjuges e filhos. Disseram que já houveram muitos ótimos fotógrafos que desistiram do emprego por passarem semanas sem a família e que eram raríssimos os que ainda fossem jovens e desimpedidos com o nível de experiência que eles exigem." — Ele abriu seu típico meio sorriso presunçoso. "— Por essas e outras que fizeram tanta questão de mim e que estão sendo beeem compreensivos com toda a minha situação física. Obviamente eu sou uma peça rara.
— Você com certeza é, seu metido!" — não tive problemas em ajudá-lo alimentar seu ego. Nunca tinha, isso não chegava perto de estragar a boa pessoa que ele era. Só fazia realçar sua personalidade. "— Bom saber que você me quer por perto para mais aventuras" — arrisquei, olhando para o teto, mas ele logo reapareceu na minha linha de visão, se arrastando para mais perto.
"— Eu com certeza quero. Você torna tudo mais divertido e, de longe, é uma das poucas pessoas que realmente entende minha visão nas fotos. A gente teria que arcar com os seus gastos, porque não somos casados nem nada, mas eu faço questão e... sei lá, é um benefício futuro."
Caleb se virou de costas na cama também e eu permaneci em silêncio, digerindo o que havia acabado de ouvir. Ou melhor, o que havia acabado de indiretamente ouvir.
Minha mente ficou em loop por longos minutos e não houveram muitas outras interpretações: se estávamos falando de benefícios futuros para casados e ele estava considerando isso ao me incluir, ele com certeza havia dito o que eu pensava que ele tinha dito.
Uau... esse era o mesmo cara maravilhoso por quem eu sonhava acordada na faculdade? Nós estávamos mesmo nos tornando reais? Isso era... estranho? Repentino?... Infundado?
Até agora não havia conseguido entender.
E então o braço dele me trouxe de volta àquela realidade, enlaçando minha cintura de lado. Sem apertar ou abraçar, só... repousando ali em mim.
"— Eu nunca pude te agradecer, aliás.
— Pelo quê?
— Por ter me ajudado com o Evan, sabe? Com as coisas que eu precisava. Se não tivesse conseguido convencê-lo, nada disso estaria acontecendo agora.
— Oh..." — foi só o que pude dizer, inicialmente, de sobrancelhas unidas, mas logo confessei: — "Eu nunca falei com o Evan sobre isso. Gostaria de poder levar algum crédito, mas... não. Não falei.
— Tem certeza? Vocês nunca tocaram no assunto? Talvez possa ter sido alguma coisa que você disse que o convenceu sem querer...
— Hm, não. Eu iria chegar nisso em algum momento, mas primeiro falei sobre as desculpas que ele precisava te pedir e isso já foi o suficiente pra ele explodir comigo também. Depois... bom, depois tivemos outros problemas. Então, não, eu não tive a chance de convencê-lo a nada. Isso sequer passou mais pela minha cabeça, aliás. Sinto muito.
— Tudo bem. Acabou não sendo necessário, eu acho. Quero dizer... no dia seguinte eu já tive tudo o que precisava, então, sei lá... algum golpe distorcido de consciência acabou me dando uma forcinha, talvez.
— Hm... conhecendo Evan, acho que isso faz sentido. Ele não é uma pessoa ruim, sabe? Quando a raiva dele passou, acho que ele percebeu o quanto estaria te prejudicando.
— Provavelmente. Eu estava muito sem tempo, então que bom que ele é esta boa pessoa.
— Ele é..." — Ele, de fato, era uma pessoa boa. Mas... flexível? Por conta própria? Eu não conseguia imaginar como tinha acontecido, mas que bom que tinha acontecido. — "Ninguém mesmo tinha topado te ajudar?
— Não... mas eu não perguntei muito. Evan acabou sendo o quarto ou quinto mecânico a quem perguntei e ele tinha topado, então estava contando com isso. A culpa foi mais minha mesmo, por ter deixado tudo para última hora. Eu acabo conseguindo me virar mesmo assim, então esta é uma mania difícil de largar.
— Mas... ainda assim você teria tempo para ir atrás de outras opções, não é? Tipo... comprar o que você precisava.
— Eu não tenho tanto dinheiro quanto pareço. E as peças precisavam estar velhas e gastas, para funcionarem para o conceito das minhas fotos.
— Hm... e não tinha nada parecido com isso em algum ferro-velho?"
E foi naquele momento, em uma pura e tranquila conversa, que Caleb se levantou de repente, me olhando como se eu tivesse acabado de lhe revelar a cura para o câncer, ou algo assim.
"— Puta merda, eu nunca tinha pensado em ferros-velhos!
— Você tá falando sério?" — Ele balançou a cabeça, começando a rir. — "Caleb, você literalmente apanhou por causa disso!"
Apontou para a própria face, o lado esquerdo ainda bem inchado e arroxeado naquele ponto.
"— Não foi a primeira ou a última vez."
Pensei antes e estava pensando de novo, ao enxaguar os últimos talheres, que não gostava de como ele se divertia com toda a violência que pairava sua vida, mas Caleb não era muito de gargalhar tão despretensiosamente.
Só... era algo bom de se presenciar, quando acontecia.
Enquanto acabava de secar a pia com a louça já toda lavada, estava sorrindo sozinha, leve e distraída.
Quando me virei para a sala, no entanto, foi para exclamar um gritinho afetado, surpreso e agudo demais, para o meu próprio gosto.
Um suado Blake, dentro de um conjunto preto de shorts e camiseta de exercícios, estava parado na porta da cozinha, arregalando os olhos em alarme com a minha reação.
— Alison, desculpa! Eu não quis te assustar!
— Nossa... tudo bem! — Coloquei a mão no peito, arfando. — Eu não te ouvi chegar...
— Pois é, eu... entrei, te vi aqui e ia pedir um copo d'água, mas... — me olhou de cima abaixo, sem nada expressar — você estava falando alguma coisa. Achei que estivesse de AirDots, ou algo assim...
— Não, eu... só pensando alto. — Nem tentei justificar, para não desatar a falar. — Água, não é? Gelada? — Imediatamente fui atrás de um copo, sentindo que estava pecando por ele ainda não ter em mãos o que queria.
— Por favor.
Procurando me manter de costas para não encará-lo sem querer, peguei um dos copos enormes que havia acabado de colocar para escorrer, para lavá-lo muito bem de novo, envolvê-lo com um pano de prato que eu tinha certeza que ainda não havia sido utilizado e então correr até o dispenser de água na porta da geladeira, enchendo-o até o limite e adicionando alguns poucos cubos de gelo. Tudo em tempo recorde!
Esfregando o pano em volta do copo mais um pouco, para mantê-lo seco, resisti a urgência irracional de fazer uma reverência para me afastar, quando ele aceitou o copo do meio do pano com um certo divertimento contido em sua expressão.
— Obrigado.
Começou a beber, gole a gole, inclinando o copo cada vez mais conforme seu pescoço trabalhava vigorosamente para engolir, até que só restaram os cubos de gelo no fim do copo.
— Mais? — perguntei ansiosa e ele sorriu de canto.
— Não, muito obrigado. — Me estendeu o copo, que recolhi de volta com o pano ainda em minhas mãos. Será que Caleb perceberia se eu levasse esse copo embora pra minha casa? — Vou passar no banheiro pra me refrescar, licença.
— Claro.
Blake foi em direção ao corredor adjacente à cozinha e eu apenas continuei onde estava, ainda verdadeiramente considerando o furto daquele copo. Assim como meus antigos óculos de leitura, preservaria a "história" nele, as marcas que sua mão e boca quentes haviam deixado no vidro eram preciosas demais, mesmo que viessem a desvanecer.
O realismo eventualmente me alcançou, entretanto, me dando um puxão de orelha e dizendo que "isso era loucura e eu precisava voltar a normalização pelo meu próprio bem".
Ainda assim, lavar aquele copo de novo foi um tanto quanto doloroso.
Só não foi pior do que pensar no dia cinco desse mês. Eu ainda não havia cuidado do dia cinco e quanto mais longe ele ficava no passado, mais difícil estava sendo reunir coragem para fazer alguma coisa sobre isso.
Me virei de volta bem a tempo de ver Blake retornando, determinada a cuidar disso com ele, mas sem querer, mordi minha língua dentro da boca.
Mordi com força, a ponto de fazê-la sangrar, o gosto metálico denotou.
Ele estava sem a camiseta.
Alerta vermelho, alerta! Mundo, me escute, isso é de extrema importância:
Blake Lowell está sem camiseta!
— Já vou indo, tenho um compromisso. Tchau, Alison!
Ele foi dizendo, com sua camiseta no punho fechado, sem parar suas passadas calmas. Foi pelo corredor, em frente ao balcão que separava a cozinha da sala, para então sumir pelo hall de entrada, o barulho da porta se destrancando e fechando, indicando o momento em que realmente se foi.
Involuntariamente, corri atrás dele sem desperdiçar um só segundo, mas parando diante da porta fechada, onde, por questões estéticas, haviam janelas compridas e estreitas aos lados dos batentes. Foi entre elas e o olho mágico que me dividi, tentando enxergar o melhor que podia o lado de fora.
Não dava para discernir muito pelo vidro meio fosco, mas algo dentro de mim entendeu que talvez filtros fossem mesmo necessários, porque, meu Deus do céu... que homem gostoso!
Eu não precisava dizer isso. Só o assisti se afastar, suas costas torneadas, respingadas tanto de suor, quanto da água do cabelo que ele havia molhado no banheiro, escorrendo e brilhando pelas linhas de sua força física, por sobre as tatuagens que não podia distinguir através do vidro, mas já conhecia cada uma de memória, até o elástico da boxer que usava por baixo dos shorts de corrida, um pouco caídos em seus quadris. Gostoso demais!
Eu não precisava dizer e muito menos podia. Porque, agora, este era o irmão do meu, tecnicamente, namorado e, definitivamente, namorado da minha melhor amiga.
Mas me permitia pensar porque este ainda era o meu ídolo gostoso, admirá-lo já era algo que eu fazia antes de sequer o conhecer.
Entretanto, antes de qualquer coisa, um fato seja reconhecido: eu era uma mulher humana. Qualquer uma estaria, estará e provavelmente esteve olhando e pensando "minha nossa senhora, como Blake Lowell é um homem gostoso".
O fato de que minha boca estava seca, de ficar tanto tempo aberta, de que meu coração estava a mil e que eu tinha certeza que esta mínima visitinha rápida ainda estaria muito incrustada no meu cérebro daqui a uns cinquenta anos, como se tivesse acabado de ocorrer, eram meros detalhes.
Eu olhei porque tinha olhos e era isso.
Olhar não tirava pedaço, não faria mal algum e, assumir para mim mesma que o achava gostoso, como qualquer um não teria problema em fazer, era um ato simples de honestidade comigo mesma.
E a única palavra que me permitiria dizer em voz alta sobre isso seria o:
— Uau...! — suspirado, depois que ele tinha sumido do alcance da minha visão.
Naquele mesmo fim de tarde, quando contei para Caleb que ele tinha aparecido aqui e ele tratou como casualidade rotineira, ter seu irmão gostoso aparecendo do nada para tomar água e se refrescar em sua casa depois que acabava suas corridas no parque aqui perto, eu... decidi que talvez não fosse uma ideia tão boa assim ficar vinte e quatro horas por dia na casa de Caleb.
Pelo bem do meu juízo, só... não era.
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Tudo o que Sonhei
Roman d'amourO melhor amigo, o crush ou o ídolo? Para a romântica e desajeitada Alison, todos estes clichês se tornam realidade num curto período de tempo e, quem olhasse de fora, diria que isto tinha de ser o destino agindo a favor de uma pobre alma... certo...