Capítulo 50 - Apossar

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Capítulo 50 - Apossar

Noite de Lua cheia

   Mya estava inquieta. Não queria estar, mas não podia controlar. Andava de um lado para o outro dentro de seu quarto. Não sabia por quanto tempo estava o fazendo, mas de alguma forma não sentia dores nas pernas, que significavam cansaço. Seus olhos estavam ansiosos, percorrendo todo o cômodo enquanto andava. De minuto em minuto, ela olhava para fora, pela janela, em direção ao céu enevoado e repleto de nuvens escuros.

   A cada vez que fazia isso, sentia sua respiração ficando presa em seu peito.

   A Lua ainda não aparecera. Do ponto onde estava, o satélite tinha sido "tapado" por uma nuvem densa, provavelmente de passagem. Mesmo tendo esse rápido imprevisto (que transcorreu por toda a cidade), a Beta sabia que, em pouco tempo, uma simples nuvem não seria capaz de impedir a sua Transformação. Mya sentia que ela estava perto. Sua primeira Transformação.

   O quarto estava escuro, assim como a casa - vazia, para o seu alívio -; mas Mya se desviava de todos os objetos caídos - desde livros e roupas até cadernos e sapatos -. Era como se pudesse olhar através da escuridão. E, de fato, conseguia mesmo. Por quase um mês Bill Jordan vinha lhe ensinando a controlar tanto esse - a visão licantropica de conseguir enxergar na escuridão densa - quantos os outros dons - audição de longa-distância, velocidade surpreendente, o modo de escalar com habilidade - que ela possuía. Se se controlasse, poderia ouvi-lo instruindo-a em uma de suas várias lições, quando ele ainda era apenas seu "professor".

   "Se concentre em um certo ponto...", ele disse uma vez, parecendo ter acontecido séculos atrás. "Olhe para ele até ver através da escuridão".

   "Como eu queria que você estivesse aqui, comigo", pensou ela.

   Estava tão absorta em sua vontade de ter Bill perto dela que, quando olhou novamente para fora, na direção do céu, as nuvens se moveram no sentido do vento, deixando ela á mostra.

   Deixando a esperada Lua á mostra.

   O coração de Mya começou a bater aceleradamente. Com a audição lupina, pôde ouvir o seu coração com facilidade. O que lhe causou ainda mais medo. A Transformação - de todos os Escravos da Lua nas proximidades de Golden Make, inclusive na própria cidade - estava começando.

   A primeira coisa que ela pôde sentir de diferente foi o barulho. O ensurdecedor som de ossos se quebrando. O ruído preencheu o silêncio com predominância, e ela cai de quatro no chão - mãos e joelhos servindo como suportes -, com a cabeça abaixada. Tudo dentro dela doía, como se tivessem espremendo-a por dentro.

   Ao levantar sua cabeça, suas íris tinham adquirido uma tonalidade vermelha, tão escura que parecia um rio de sangue.

   Mais um movimento da Transformação ocorreu, ocorrendo nela uma série de gritos altos e estridentes. Seus pés ficaram em uma posição que, olhando rapidamente, podia-se pensar que estavam quebrados. E o barulho que o seguiu criava essa ilusão. Suas unhas cresceram e se afiaram, assim como seus dentes, transformando-os em garras e presas afiadas como navalha. E em seu corpo, tufos de pêlos negros saíram de dentro de sua pele, cobrindo a superfície do corpo como uma enorme manta.

   E, para pôr o fim da Transformação, então ouve-se o uivo, que ecoou por todo o quarto escuro.

   Por toda a casa vazia;

   Por toda a rua deserta;

   Por todo o bairro sonolento;

   Por toda a cidade alerta.

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