XLIV

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-Olááááá...Olááááá...- uma vozinha faz-se ouvir. Olho em volta mas não consigo ver ninguém.

- Hey , quem está ai? - Decido responder passado alguns minutos.

-Sou eu! - A vozinha volta a falar , num murmuro engraçado. A sua voz fina faz-me lembrar a de uma criança.

-Eu quem? - eu pergunto , ficando mais confusa.

-Eu tu ! - uma risada baixa faz-se ouvir.

Eu fico em silêncio .

Só agora reparei que estou no escuro.

Tento alcançar o candeeiro , mas não consigo encontrar.

Levanto-me do chão e vou andando , tentando apalpar algo , mas não existe nada.

Estou num vazio.

- Onde é que estou? - eu pergunto em voz alta.

- Dentro da tua mente tola! - a vozinha volta a falar .

- Pará de brincar , onde é que estou? - eu começo a ficar irritada. - E quem és tu?

- Eu sou tu. Tu és eu. Estás dentro dos nossos pensamentos. - volto a ouvir uma gargalhada , tão baixa como um sussurro.

Algo me toca no ombro. Eu viro-me para trás tentando decifrar quem o fez , mas só vejo escuro.

Quando me volto a virar pulo de susto. Coloco a mão por cima do coração que bate fortemente.

À minha frente encontra-se uma menina pequena. Deve ter por volta de 5 anos. Os seus cabelos castanhos chegam-lhe à cintura.

Ela é-me familiar. Observo-a melhor . Olho para os olhos dela.

São iguais aos meus .

Espera , são iguais aos meus!

- Tu és eu? - eu ajoelho-me , ficando à frente da menina. Ela olha para mim com um sorriso maroto.

- Eu sou tu. - agora a sua voz está mais firme.

- Porque é que está tudo escuro? - eu faço a pergunta mais parva de sempre. Podia perguntar um monte de coisas, pois tenho o meu passado mesmo à minha frente . No entanto , é esta a pergunta que faço.

- Porque tu queres. - ela responde simplesmente.

- Mas eu não quero o escuro. - eu digo , mais para mim mesma.

- Então muda o cenário. - ela diz e senta-se.

- O que? - eu pergunto confusa. Isto está a ser muito estranho.

- Muda o cenário! - ela fala. Inconscientemente eu estalo os dedos e estamos num quarto. No meu quarto , quando era criança.

- O que é que se passa?- eu pergunto . A menina levanta-se e corre pelo quarto , agarra um peluche e volta.

- Estamos na tua mente Coraline. - ela começa a cantarolar agora. - Estamos aqui para te perceber.

- Para me perceber?

-Sim , para saber porque te tornas-te numa assassina ! - ela fala , num tom adulto.

-Eu não gosto dessa palavra. - eu digo , amuando .

- Bom... É o que tu és! - ela diz sem papas na língua . - Tu eras eu , inocente , frágil , o que mudou?

- A morte dos meus... nossos ... pais . - eu respondo.

-Não foi isso Coraline. - uma terceira voz aparece.

Olho para o lado e vejo outra rapariga. Esta aparenta ter 8 anos . Os seus cabelos são curtos e castanhos. E mais uma vez, os olhos são iguais aos meus.

- Tu és eu, deixa-me adivinhar. - eu falo sarcástica.

- Na verdade somos todas eu , somos todas tu , somos todas ela. - ela fala divertida. Ela senta-se . Apesar da sua face transparecer alegria, eu consigo ver tristeza nos olhos.

-Espera, o que? - eu fico confusa.

- A razão de matar veio dos teus pais , mas não foi toda. Tu só começas-te aos 9, alguns anos depois dos teus pais terem morrido. - ela ignora a pergunta anterior.

- Então o que foi? A violação? - eu volto a perguntar.

Ouço uma gargalhada . Outra vez não...

Uma quarta rapariga aparece. Esta aparenta ter à volta de 12 anos. Os seus cabelos são vermelhos . E os seus olhos azuis , claro.

- Olá eu ! - ela diz tristemente .

Ela move-se de maneira melancólica pela divisão. A sua expressão é deprimente . Ela está desfeita.

- Olá. És eu depois da violação ? - eu pergunto logo. Mais vale despachar isto.

- Talvez sim... Talvez não.- ela olha para baixo com os olhos arregalados. - Não foi a violação , tu já tinhas matado antes disso. Começo a duvidar se és assim tão inteligente .

- Então! Lembra-te que estamos a falar de ti também. - eu respondo rude.

-Pois. Bem , pensa melhor. - ela diz.

- Foi... o orfanato? - essa é a única coisa de que me lembro .

-Na verdade... não completamente . - uma 5ª voz aparece.

- Vocês não param de aparecer? - eu falo alto. Olho para o lado e vejo-me com 15 anos. O meu cabelo está azul , assim como os olhos.

- Sempre tão simpática. - ela olha para as unhas e volta a fixar-me .

- Eu já não estou a perceber nada disto... - eu digo farta.

Elas olham umas para as outras. " Talvez seja melhor contar-lhe" ; "Não , ela tem que perceber por si mesma" ; " Acho que ela nunca vai perceber" ; " Somos o seu subconsciente, somos ela , temos que ajudar". Ouço na minha cabeça , como se fosse uma música de fundo. As vozes arrastam-se.

Elas voltam a virar-se para mim . Todas em linha.

- Tu és controlada Coraline. Sempre foste. A morte dos teus pais não foi um acidente. Tu foste a causa da morte deles. Ele quer-te a ti Coraline. Sempre quis. E não vai parar enquanto não te conseguir. - Elas dizem todas ao mesmo tempo.

- Como assim ando a ser controlada? O que é que ele quer de mim? - eu pergunto assustada.

- Tu sempre foste treinada para matar. Tu és uma máquina assassina, não entendes Coraline ? - a mais nova diz.

- És observada . Desde bebé. Os teus pais meteram-te nisso , e quando te quiseram tirar , foram eliminados. - a de 8 ou 9 anos diz.

- Ele tem planos para ti. Ele vai eliminar todos os que se meterem no vosso caminho. - a de 12 diz melancólica .

- Foge, foge do teu destino . Ou muda-o , és a única que o pode fazer. - a mais velha diz.

Elas desaparecem todas , assim como a divisão . Fico eu sozinha na escuridão , outra vez.

- Não! - eu grito. - Eu não entendo! O que se passa? Quem é ele ? Voltem!

Lágrimas escorrem pelas minhas bochechas. Eu deito-me no chão e sinto-me dissolver .

Agora não existe nada.



Diário de uma Serial KillerOnde histórias criam vida. Descubra agora