FANTASMAS

261 52 27
                                    

- Desculpe, me desculpe mesmo, eu não vi você.

- Então precisa de um óculos o mais rápido possível. - Respondo de forma ignorante.

- Calma moça, já disse que foi sem querer. - Ele parece sem graça.

- Tudo bem cara, eu já entendi! Só preste mais atenção, ok? - Passo por ele furiosa e ele fica lá me olhando sumir, sei que ainda está me olhando e sorrio ao pensar nisso.

Acho que é o garoto mais lindo que já vi. Ou homem. Ele parece tão jovem, como se eu fosse a pessoa mais velha do mundo. Nossa... Acho que vou sonhar com aqueles olhos.

- Os olhos são a janela da alma. - Digo em voz alta lembrando as palavras da minha mãe.

Caminho por trinta minutos e...

- Onde está a minha casa? - Dou uma olhada em volta - Ah droga, me perdi de novo, droga de cabeça com defeito - Estou mais do que irritada.

Pego um novo cigarro no bolso e dou uma tragada em busca de respostas.

- Ah, ali está! Bem na minha cara.

Subo as escadas da entrada e avisto a vizinha varrendo sua varanda.

- Bom dia senhora Thompson!

- Bom dia Anastacia, como está? - Ela grita como seu eu não fosse ouvi-la, parece que estamos a quilômetros de distância uma da outra.

- Muito bem obrigada. - Dou uma risadinha achando graça de seus gritos.

Entro, a casa parece mais escura que de costume, abro todas as janelas, portas e cortinas para a luz entrar, sento no sofá e pego uma revista na mesinha de centro - não gosto muito de TV - folheio-a mas é como se suas imagens fossem invisíveis para mim, apenas passo folha por folha sem me prender às informações presentes nela. Estou tão cansada, sempre cansada.

Fecho meus olhos um momento, quem sabe se eu dormir nessa parte tão iluminada da sala nada aconteça. Vejo uma garotinha com um vestido azul celeste no meio da floresta. Ela é tão linda, parece que a conheço. Está escondendo algo atrás das costas.

- Olá, o que você tem aí lindinha? - Pergunto.

Ela me estende sua pequena mão esquerda e vejo um coração ainda pulsando nela.

Abro os olhos, o coração disparado - são apenas sonhos Ana -, mas queria sonhar com flores ou carneirinhos, isso é tão cansativo. São lembranças? Pesadelos? Medos? O que são?

*****

Já passa das dez da noite, estou apenas com um Shake em meu estômago. Vou até a geladeira, pego uma lasanha congelada, coloco no microondas e espero esquentar. Minha mãe me mataria se visse a quantidade de comida congelada que tenho na geladeira agora. E meu pai diria algo como, "Deixe a menina Martha!". Ele não ligava muito para uma alimentação saudável, não como ela.

Não me lembro da última vez em que fui ao mercado, na verdade, nem sei como tenho toda essa comida aqui. Às vezes, esses lapsos de memória que tenho, me fazem esquecer muitas coisas, coisas maiores, esqueço mais do que deveria. Não consigo lembrar de muito, não lembro do acidente direito, de amigos, de como aprendi a dirigir... O médico disse que é normal, mas ainda assim me preocupo, o que mais esqueci?

O microondas apita me despertando de meus devaneios, hora de comer algo, apesar de nunca sentir fome, não depois que acordei, mas também não lembro se comia muito antes disso. Tudo parece ter um gosto estranho agora, sabor de tristeza e uma lágrima escorre pelo meu rosto. Acho que deve ser depressão, é horrível acordar um dia e ver que todos que você amava não estão mais lá. Bem, acho que perdi a fome. Coloco o prato na geladeira, eu como depois, mais uma vez.

Me certifico de que todas as luzes estão acesas. Quero dormir na sala, meu quarto parece mais escuro, não que isso vá resolver algo, nunca resolve.

Ligo a TV para passar o tempo, vejo propagandas, nada que me interesse muito, troco de canal várias vezes, mas todos parecem iguais. Sinto frio, a sala parece congelar de repente.

- Ana... - Alguém sussurra em meu ouvido e olho repentinamente para trás. Não há ninguém.

- Olá? - Me levanto em estado de atenção. Ninguém responde. - É coisa da sua cabeça Ana. - Tento convencer a mim mesma.

Me sento novamente e abraço minhas pernas. Por que está tão frio? Sinto um toque leve em meu ombro, é tudo muito rápido, me viro para olhar, vejo uma mão pequena, parece estar ensaguentada, levanto rapidamente e olho em sua direção, não há nada lá.

- Ana é um sonho! Você precisa acordar agora! - Começo a bater em meu rosto - Por favor Ana, acorde, acorde! - Me bato com mais força - Por favor! Acorde Ana!

A luz da sala pisca uma, duas, três vezes e apaga junto com a TV. Depois a luz da cozinha, das escadas e da entrada, tudo em uma sequência torturante. Minha respiração está ofegante.

- Vamos Ana! Você tem que acordar agora! - Bato em meu rosto freneticamente e vejo algo próximo à entrada da cozinha, já está aqui e parece olhar para mim. Não consigo identificar o que é, parece um vulto, está tão escuro, mas tenho certeza de que tem algo ali. Meu coração dispara, estou entrando em desespero.

- Acorde Ana! - Paro de me bater - O... O... O que você quer? - Quase não ouço minha voz sair.

E ouço um riso baixo, entredentes e maquiavélico em resposta. O pânico começa a tomar conta de mim. O vulto parece vir em minha direção lentamente, apesar da escuridão, ele é ainda mais escuro e caminha, deslizando, como se não tivesse pés, mas não sei se é humano, fantasma, monstro, animal. Busco por uma luz na mesinha de centro tateando-a, encontro minha lanterna, a miro em sua direção e acendo-a desesperada e como um flash vejo dentes pontiagudos rosnando em cima de mim, a luz falha, grito e me abaixo cobrindo minha cabeça com as mãos para me proteger do ataque de algo que desconheço. Mas nada me atinge, abro meus olhos, as luzes estão acesas e a TV funcionando normalmente. Estou abaixada no chão. Foi sonambulismo? Foi real? O que foi aquilo? O que era aquilo?

Me sento novamente no sofá, abraço minhas pernas e começo a chorar me balançando como se eu estivesse sendo ninada, tentando espantar os pensamentos ruins. Eu só quero dormir, mas sei que não é possível, não aqui, não mais.

*****

São duas e quarenta e cinco da manhã e aqui estou eu, de frente para a TV, deitada em posição fetal. Abaixei o volume e agora vejo apenas as imagens, não entendo nada, mas não me importo. A vida dessas pessoas parece tão perfeita, sem morte, dor ou pesadelos. Gostaria dessa vida para mim. O que eu fiz para merecer isso?

O mar aparece na tela, águas tranquilas e cristalinas, a imensidão azul. Azul... Seus olhos vêm em minha mente, a janela da alma. Queria que seu olhar penetrasse meu espírito, parecia me enxergar de um modo que ninguém jamais o fez. Quem era ele? Eu o veria de novo?

Fecho meus olhos e fico pensando na imensidão dos olhos dele. Azuis como o mar. O vejo sorrindo e me chamando. De repente seus olhos e sua boca sangram e desperto ofegante. Não sei por que ainda tento dormir.

Olho para a TV e vejo aquela garotinha novamente. Me levanto assustada tentando assimilar as coisas. Ela realmente está na TV? Ela existe? E então ela olha para a câmera, como se estivesse olhando em meus olhos e grita:

- Ana! - Seu grito é ensurdecedor, parece atingir gravemente meus tímpanos em uma frequência estridente. Tampo meus ouvidos rapidamente e fechos olhos, mas na verdade os abri e já é manhã outra vez.

DARKNESS - Livro IOnde histórias criam vida. Descubra agora