DEUS?

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Está tudo tão escuro e todos os cenários evaporam como uma fumaça negra. Eu a sigo por um longo corredor, mas tudo desaparece e estou no corredor de casa enrolada em minha toalha, mais necessariamente no corredor do último andar que dá no meu quarto. Olho para todos os lados e vejo apenas a escuridão e de repente avisto-a próxima a escada, ela passa da esquerda para direita como se houvesse outro corredor ali, mas não há, ela anda sobre o ar.

- Ana, segura a tua onda! - Tento me acalmar, estou tremendo de medo.

Vou em direção às escadas e tudo evapora novamente. Estou de volta ao outro corredor, vejo portas, uma mesa pequena com um jarro de flores abaixo de um espelho bem largo, me olho nele, o medo está estampado em meu rosto.

- Você não vem?

Ela surge com seu rosto angelical e seu vestido azul celeste agora imaculado novamente. Viro à direita no final do corredor seguindo-a, mas a perco de vista. As paredes tem um papel florido em tons de preto e vinho, é bonito, mas bem antigo. Vejo mais portas, a casa é grande e intimidadora. A garotinha ressurge de uma porta à direita e me faz sinal de silêncio levando seu indicador à boca.

- Eles estão dormindo, não faça barulho! - Diz ela sussurrando.

Então entro em uma espécie de escritório. Vejo um armário de vidro com diversas armas. Calibre doze, trinta e oito, quarenta, ponto cinquenta, acho que o pai dela é colecionador - vejo um rifle de precisão - Ou caçador.

- As chaves ficam nessa gaveta - Diz ela abrindo uma gaveta na mesa de madeira no canto próximo à janela ao lado direito.

- Por que me trouxe aqui? Qual é o seu nome?

Ela me encara friamente e sinto a bile em minha garganta.

- Sangue e morte atrás de você... - Ela caminha em minha direção sussurrando e dou passos atrás - Acha que pode se salvar Ana? - Uma voz tão doce e tão sombria - Ele escolhe quem quiser - Ela para no meio da sala e eu no batente da porta - Sem amor, sem piedade - Uma gota de sangue escorre de sua testa até seu nariz - Tinha muito sangue lá - Em segundos o sangue jorra de sua cabeça e começa a banhá-la por completo - Não há como se esconder - Ela cantarola esse trecho dançando como uma criança inocente - Ela virá te buscar...

- Quem? Quem virá me buscar? Quem está atrás de mim? - Estou em choque.

- Onde eu estou? - Ela olha desesperada para mim e para todos os cantos da sala - O que aconteceu?

Tento me aproximar.

- Não! - Ela recua, parece ter medo de mim - Se afaste de mim! - Ela tapa seus ouvidos como se houvesse barulho na sala - Por favor, pare! Eu não... - Ela olha para mim - Não há como escapar, ele sabe de tudo!

- Quem? - Quero tocá-la, protegê-la, mas ela vai recuando na escuridão.

- A próxima é você! - Sua voz parece com a daquela velha deformada - Não há salvação - Sua voz volta ao normal e ela chora, está em conflito - Ana! - Ela grita, aquele grito de som estridente que agride meus tímpanos.

Me abaixo protegendo meus ouvidos com as mãos e escondendo minha cabeça, todos os vidros da sala começam a estourar e ela desmaia. Me ajoelho ao seu lado, tudo está silencioso agora, tento reanimá-la balançando seus ombros tão frágeis e ela levanta com olhos negros até a esclerótica, suas unhas penetrando minha pele do braço esquerdo.

- Você é uma garota morta, sua vadia! - Diz com uma voz monstruosa.

Tento me soltar e tudo vira fumaça, estou de volta ao primeiro corredor. Conheço o caminho, estou voltando para o quarto sujo de sangue, passo pelo espelho, me olho, tenho uma arma nas mãos e não consigo soltá-las. Quero sair daqui, mas não estou controlando o meu corpo. Continuo em frente, entro no quarto à direita, está limpo, tem um casal dormindo. Ela é linda, se levanta devagar e me olha assustada.

- Não, por favor! - Ela grita e sinto meu corpo se movendo de forma estranha.

Olho para minhas mãos e vejo uma arma calibre quarenta na direita e uma calibre doze na esquerda, sinto seu peso e meu braço dói. Levanto a mais leve e atiro, ouço o grito dela que acompanha o meu grito de desespero, estou presa às armas, não consigo me libertar. Um homem se levanta da cama, olha da mulher para mim e vem em minha direção com cautela.

- O que está fazendo? - Ergo a mão mais uma vez - Não, não faça isso!

E antes que eu tente impedir minhas próprias ações, atiro e ele cai aos meus pés. Estou em pânico.

Tudo vira fumaça e estou de volta ao corredor, passo pelo espelho, ainda não sou eu, surge um garoto no final do corredor, jogo a calibre quarenta no chão para ter forças e levantar a doze, então atiro e somos arremessados em direções opostas. Vôo para cima da mesinha ao lado no corredor, quebrando o espelho com a cabeça e sentindo o sangue escorrer pelo meu rosto. Ele, bate com as costas na parede ao final do corredor e desce lentamente, deixando um rastro de sangue pela parede. Quando ele chega ao chão, a garotinha ressurge à seu lado, tem um coração pulsando em suas mãos, eu quero acordar, mas não consigo, fico paralisada enquanto ela vem até mim cantando:

- Sangue e morte atrás de você...
Não há como se esconder...
Ela virá te buscar...
Você não irá escapar...

Começo a recuar, não ficarei mais aqui. Corro em busca da saída, mas volto ao primeiro quarto, ele está diferente. Vejo a cama, o lençol parece cobrir algo, corpos. Meu desespero aumenta novameta. Vou até a janela, a única luz no quarto, tento abrir mas não consigo e começo a bater no vidro gritando por socorro. Será que ninguém me ouve gritar?

- Tinha muito sangue lá Ana - Ouço vozes sussurrantes ecoando pelo quarto, meu medo é palpável - Você é uma garota morta - Elas dão uma gargalhada sombria.

Ouço um som estranho, parece o ranger da cama, me viro devagar e me assusto batendo minhas costas na janela. Vejo uma silhueta sentada na cama e coberta por lençóis manchados de sangue. Tem um rosto ali e ele se vira em minha direção. Minha respiração me desconcentra e o lençol cai. E ao cair, é ela! A velha deformada com seus olhos brancos e eu sei que ela é a mais assustadora de todas. Ela brame e eu grito fechando meus olhos e esperando a morte. Mas nada me ataca e quando os abro, estou caída no meio da escada de toalha e meu braço arde, vejo as marcas de unhas da garotinha. Olho ao meu redor, já é manhã.

Ela virá me buscar, o que isso quer dizer?
"Você é uma garota morta sua vadia", lembro. Abraço minhas pernas e choro desconsolada. Se existe algo pior do que a morte é essa sentença em vida. As trevas me perseguem e não há quem possa me salvar.

- Por favor Deus, me ajude - Digo, mas sei que ninguém vai me responder.

Será que Deus ainda me ouve ou estou sozinha por completo?

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