PULSOS

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A volta para casa foi mais longa do que a ida. Tenho muito em quê pensar: Matt, queima de arquivo, mortes, aparições e... Trevor Bayne. Tenho certeza de que ele sabe que Matt e Andy sobreviveram. "Ele tudo sabe, tudo vê". Essa frase me causa calafrios. Como eu gostaria de entrar em casa agora e encontrar Matt, sentado ali, no sofá, assistindo algum filme antigo, usando uma de suas camisetas pretas, calças surradas e seu All Star preto, branco e sujo.

O prazer de vê-lo é como o ouro. Mas vê-lo perturbado, como foi em nossa última noite juntos, já é outra coisa. Como um diamante que se partiu, eu estou assim, sem ele. Eu só gostaria de acordar e falar que toda essa vida de agora foi um pesadelo, que eu vivi toda uma história horrível em uma noite.

Tive uma vida que achava difícil, que parecia infeliz e então eu finalmente me vi limpa de pensamentos ruins, livre desse álbum do mal, mas isso foi no passado. Aqueles meus três anos de coma foram os melhores, porque eu não precisava fazer nada, apenas dormir. Ou fechar os olhos? 

Eu achava que tudo era ruim na minha vida antes, pensei que o coma foi uma coisa boa, mas esse pensamento durou poucos segundos até descobrir o que eu perdi. Meus pais, minha vida "difícil" e minha paz. Como pude ser tão idiota?

Durante todas as noites desde o coma, eu pondero sobre meu terror, cruzo os dedos, faço força, desejando que quando eu finalmente acordar eu enxergue mais além, além da dor, só a felicidade. Torço para que Matt me dê um sinal de vida ou morte, só para eu ter certeza de um futuro, com ou sem ele.

Entro em casa, a TV está ligada, não me lembro de ter assistido hoje pela manhã, me aproximo do sofá pronta para a guerra, mas o encontro vazio. Pego o controle em cima dele e desligo a TV, vejo um vulto na tela e olho para trás prontamente.

- Estava esperando você chegar. - Ele diz.

- Ma... Matt? - A surpresa quase me faz desmaiar.

- Por onde andou Ana? - Ele parece intrigado. Mas lindo.

- Matt! - Corro e o abraço com força, é ele, meu Matt e as lágrimas rolam enquanto desabafo. - Eu estive procurando por você, fiquei desesperada, por que você sumiu? Por que me deixou sozinha? Imagina como fiquei preocupada? Pensei que nunca mais iria te ver.

- E não vai. - Ele responde ríspido.

Mas antes mesmo de encará-lo, sinto uma dor infernal atravessar meu peito e ao me afastar vejo uma faca, uma faca que Matt cravou em meu coração, a dor é tão forte que me impede de respirar e sinto que vou desmaiar enquanto Matt apenas sorri satisfeito com sua ação.

- Por quê? - Pergunto, não sai som, mas ele entende.

- Por se meter no que não é da sua conta. - Sua voz se transforma e seu rosto também, o Matt sem olhos e de dentes pontiagudos está de volta. - Você é uma garota morta sua vadia!

Eu vou ao chão em segundos, me arrasto em direção às escadas, deveria ter ido até a porta, clamar por ajuda, mas as escadas estão mais próximas de mim. Rastejo em sua direção e Matt está em meu encalço, andando lentamente, me observando e sei que está sorrindo acima de mim. Ele me segura pelo cabelo e me vira, jogando minhas costas no chão. Se ajoelha em cima de mim e retira a faca de meu peito sem piedade, não sei qual dor é maior, da faca entrando ou dela saindo.

- O que foi Ana? - Sua voz é monstruosa - Não estava me procurando? - Ele gargalha - Achou!

A alma de todos os espíritos parecem estar se juntando, formando algo pior. Quero fazer um escândalo, só para ter meu Matt de volta, o incrível Matt, aquele que me fez ter doces sonhos, mas parece que meu destino está selado e transformou minha única claridade, única luz em trevas... Puro inferno.

- Matt... - Minha voz não sai, estou sem ar, sem forças.

- Não gosta mais de mim Ana? - Ele parece consternado, mas é puro teatro, ele volta a sorrir e continua - Vai gostar menos ainda.

Ele vai me matar, fecho os olhos, empunho meus braços, ele grita - grito grave assustador - e tudo volta ao normal. Estou caída no chão, com uma dor forte no peito, mas sem ferimentos aparentes.

A faca que ele fincou em meu peito, ainda posso senti-la. Mesmo que invisível, deixou sua marca, uma lembrança, meu peito, meu coração, o coração de Matt pulsando, estou delirando ou estou louca?

*****

Dormir está fora de cogitação, mas a cada dia me sinto mais cansada, estou lutando para me manter firme, acordada, está cada vez mais difícil. A pontada em meu peito ainda dói, caminho pela casa massageando a região dolorida. São três da manhã, meus olhos piscam de forma pesada, não sei por quanto tempo mais irei aguentar. Decidi ficar caminhando pela casa toda, me manter acordada o máximo de tempo possível, não posso esmorecer. Apesar do medo constante, tenho que enfrentar tudo isso, almas penadas, Matt's sombrios, Trevor Bayne's e o sono. Caso eu não consiga derrotar tudo isso, morrerei tentando, qualquer destino é melhor do que esse.

Bebo um copo d'água na cozinha e ao voltar para sala decido não me sentar, fico dando voltas pelo sofá e pela mesinha de centro, realmente está mais difícil do que nunca manter os olhos abertos.

- Não feche os olhos!

Alguém sussurra e paro de andar no mesmo momento. Olho em volta. Nada. Meu peito dói, massageio novamente a região, espero que essa dor passe, já tenho ferimentos doloridos demais. Faço uma auto análise. Pontos, hematomas, cortes, feridas, queimaduras... Todos têm uma história. Unhas, facas, vidros, garras, cada um de um jeito. Era melhor quando eram apenas sonhos ruins, mas agora eles me machucam e só de eu piscar os olhos um momento, vejo tudo o que não quero ver e nada do que eu gostaria de ver.

- Ana...

Ouço o sussurro que ecoa pela casa, me sento no sofá e tampo meus ouvidos, quero que isso pare, que acabe de uma vez. Talvez a salvação seja a morte, viva eu vou enlouquecer. Eu não quero mais isso, não quero mais viver assim. Luto contra um desejo sombrio, mas dane-se, é o que tenho que fazer.

Corro até a cozinha e pego a faca mais afiada de todas, - uma lembrança vaga - sei em que direção cortar. Horizontal: Hospital. Vertical: Necrotério.

- Me perdoe Matt, eu não consegui.

Corto o mais fundo que posso a primeira veia que enxergo no pulso esquerdo e depois apoio a faca entre os joelhos para cortar o outro pulso com precisão. A dor nem parece mais tão forte, vejo o sangue sair enquanto meus pensamentos evaporam e minha vista fica turva. Uma sombra se aproxima de mim, seguindo em minha direção, da sala até a cozinha e eu deslizo as costas pela pia até cair sentada no chão. A morte veio me buscar. Finalmente descansarei em paz.

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