NÃO FECHE OS OLHOS

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Tomei meu Milk Shake e estou revigorada., quero dizer, estou de pé, revigorada exige uma certa disposição e animação que não tenho há muito tempo. Saio da lanchonete e vou até a praça que fica na outra esquina. 

Me sento em um banco livre, respiro o mais fundo que posso e sinto a brisa bater em meu rosto levemente. Fecho os olhos sentindo o calor dos raios de sol sobre minha pele.

- Olá? - Abro meus olhos à procura desta voz doce. Vejo uma garota, se parece comigo, só que mais jovem, uns quinze anos eu diria. - Desculpe te acordei?

- Ahn? Não... Eu não estava dormindo. Diga.

- Tenho um recado para você. - Ela me oferece um papel pequeno, um pedaço de folha de caderno. A olho insegura, pego o papel e leio:

"Não feche os olhos!".

Olho novamente para ela, mas ela desapareceu. A procuro, mas sinto que alguém está ao meu lado. Viro a cabeça lentamente, não há ninguém. Volto meu olhar para a frente e vejo uma garotinha ensanguentada a pouco centímetros de meu rosto que grita meu nome naquele som ensurdecedor novamente.

Abro os olhos. A praça permanece igual. Pessoas jogando Frisbee com seus cães, outras andando de bicicletas. Onde eu estou? Tenho um lapso momentâneo. Ok, estou na praça. Isso está piorando, preciso procurar um médico. Ou um psiquiatra.

*****

- Sua tomografia não mostra nada Anastácia. Você está bem. - O médico diz tudo o que eu não quero saber.

- Doutor, eu não estou bem. Tem algo errado com a minha cabeça. A pancada foi mais forte do que pensávamos.

- Eu já lhe disse Anastácia, isso é estresse pós traumático. Você passou por muita coisa, é normal que tenha pesadelos. - Ele tenta me tranquilizar e minhas lágrimas começam a cair.

- Eu não durmo há dias, eu não posso fechar meus olhos um segundo sequer. Me dê algo que me faça dormir em paz, por favor!

- Tudo bem. - Seco meu rosto - Vou lhe receitar uns florais. São calmantes leves, nada antidepressivo, penas para deixá-la mais tranquila e relaxar seus músculos, tome cinco gotas de manhã e cinco à noite. Sem exageros! - Me aponta seu indicador em tom de advertência - Se ficar relaxada conseguirá dormir em paz.

Aceito sem nem pensar. Pego a receita, saio do consultório e vou até balcão da enfermaria pegar os tais florais. Viro no corredor à direita e dou de cara com ele, uase nos esbarramos de novo. Aqueles olhos. Mas, calma! Eu tenho que manter a compostura.

- Nossa, de novo? - Digo exasperada.

- Desculpe.

- Você pede desculpas de mais! - Não baixo a guarda.

- Me desculpe por isso. - Ele sorri gentilmente e quando percebo, já estou sorrindo em resposta.

- Anast... Ana! - Lhe ofereço um aperto de mão.

- Matthew, mas pode me chamar de Matt. - Seus olhos são simplesmente fascinantes, parecem ter luz própria. Ele segura minha mão delicadamente. - E então? O que lhe traz a esse lugar? - Ele me desperta da minha imaginação fértil.

- Vim ver meu médico. Consulta de rotina. - Faço um floreio exagerado com a mão livre.

- Espero que não seja psiquiatra. - Ele sorri - Devo me preocupar?

- Ah, não - E percebo que ainda estou segurando sua mão e então solto-a - Claro que não. Só estou em busca de algo para dormir melhor. Tenho muita dor de cabeça. - Minto ridiculamente.

- Enxaquecas são terríveis - Ele supõe.

- Isso! - Aponto para ele como se ele tivesse acertado a pergunta de um milhão de dólares - Exatamente! E você?

- Bom - Ele limpa a garganta, até esse som me encanta. Cara, devo estar com muito sono. - Vim ver minha irmãzinha.

- Ela está bem? - Fico preocupada.

- Infelizmente não. - Sua voz é triste e prefiro não perguntar mais nada.

- Ela vai ficar bem. - Coloco minha mão em seu ombro, de repente parecemos grandes amigos. - Bom, já vou indo. - Digo sem graça.

- Eu também.

- Mora por aqui? - Estou realmente interessada.

- Sim, vim morar com minha avó Lucia Thompson.

- Não brinca? - Que destino! - Somos vizinhos. - Estou maravilhada. - Estou de carro, se quiser posso te dar uma carona.

- Claro, eu agradeço. Decidi vir andando, mas estou arrependido, só de pensar no caminho de volta, já fico cansado. - Ele sorri e eu continuo hipnotizada por seus olhos. - E então? Vamos? Ana?

- Ahn? - Desperto - Sim, vamos.

Ele me dá passagem como um bom cavalheiro e sigo com ele em meu encalço.

*****

- Bom eu fico por aqui, obrigado pela carona vizinha. 

- Por nada vizinho. - Sorrio e ele desce.

Estaciono o carro à beira da calçada. Eu dirijo muito bem, subo as escadas depressa e entro animada. Me dou conta de que não tenho para quem contar o que me aconteceu hoje e me desanimo. É frustrante.

Acendo todas as luzes e pego minha lasanha de ontem. O gosto ainda é ruim, mas como mesmo assim, estou com fome, o que é raro.

Me sento no sofá, ligo a TV, coloco-a no 'mute' e abro uma revista.

A hora vai passando e quando vejo já está escuro. Pego o floral que o médico me receitou e pingo cinco gotas na língua, tem um gosto estranho, penso em pingar mais, me lembro do médico dizendo "Sem exageros" e me contento com o básico.

*****

Já são onze da noite e estou muito sonolenta. Quero ficar no meu quarto. Subo rapidamente dois lances de escada e tropeço em um degrau. Rio de mim mesma e continuo subindo, por que eu quis meu quarto no sótão? Entro em meu quarto, está tudo tão arrumado, nem parece que eu durmo aqui. Meus pais teriam orgulho de mim em algo, finalmente. Me jogo na cama, estou exausta, olho para o teto de madeira envernizada e fico pensando em coisas boas para que possam influenciar meus sonhos. "Flores... Campos... Gatos e cachorros... Sol... Meus pais... Olhos azuis. Fecho meus olhos, consigo ver o rosto de Matt sorrindo para mim e sonho com olhos azuis e cabelos escuros.

Ouço o ranger da porta, abro os olhos rapidamente, ela está aberta. Me levanto e sento na cama. Acho que foi o vento. Ouço um riso, é aquele riso de novo. Não estou dormindo dessa vez.

- Olá? 

Ouço o riso mais uma vez e entro em pânico. Me cubro com o lençol, as luzes estão apagadas. Minha respiração fica ofegante rapidamente, tento manter a calma, fingir que não estou aqui, talvez tenha ouvido de mais. Abro uma fresta no lençol e olho em volta até onde meus olhos alcançam e não vejo ninguém. 

- Você está delirando Ana, faz tempo que você não dorme.

Sorrio e me descubro tranquila a tempo de ver o vulto deitado ao meu lado. Seu rosto é obscuro, seus olhos brancos, seu cabelo desgrenhado, queixo fino e pontudo, é uma mulher deformada. Ela brame como um urso e vem para cima de mim. Grito e sinto algo segurar meus braços enquanto me debato. É agora, eu irei morrer.

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