Vejo meus pulsos sangrarem, sinto uma ardência lá no fundo, mas a dormência predomina. Tenho sangue nas mãos e os pulsos cortados. O que dizer agora? Eu não fiz isso, foi aquela garota, a que se parece comigo, aonde ela foi parar? Como dizer isso sem parecer maluca?
Matt me encara, ele está sem ação, apenas me fita com seus olhos azuis em um tom sombrio, coberto pela escuridão da noite. O que será que está se passando pela cabeça dele?
Olho ao meu redor, parece que o bairro não está tão vazio quanto eu imaginava, muitos vizinhos me olham. Vejo pena, empatia, raiva, incompreensão, revolta. Todos tirando suas conclusões sobre mim.
- Você pode me levar para casa? - Abro os braços como se estivesse mostrando meu estado. - Por favor Matt - Minha voz sai fraca e me sinto tonta e sonolenta - Eu não tenho mais ninguém.
Ele se aproxima de mim e sorri, um sorriso fraco, sem dentes, apenas um esboço, seus olhos azuis estão enevoados, seu rosto também, parece que todos estão, o bairro inteiro, tudo gira, mas não quero dormir, não agora. Dou um passo a frente em direção à Matt e grito desesperada ao me ver cambalear:
- Por favor, não me deixe dormir - Caio em seus braços, mas a escuridão cega a minha visão - Não me deixe... - E não consigo emitir som algum, as trevas se aproximam e ninguém pode me salvar agora.
*****
Abro os olhos, estou em meu quarto, as luzes estão acesas, não sei ao certo que horas são. Tento me apoiar na cama para me levantar, mas não tenho forças nos braços. Analiso meus cortes, acho que Matt limpou as feridas, consigo vê-las melhor. Ela não me matou porque não quis, as feridas são feias, mas superficiais, vou sobreviver.
- Ana, por que fez isso minha querida?
Ouço a voz em minha mente e a procuro pelo cômodo. As lágrimas escorrem pelo meu rosto. Vejo luz, vejo amor, eu a vejo novamente e se isso for um sonho, que eu não acorde nunca mais.
- Mãe?
Ela surge do canto próximo à porta, está linda e reluzente em um vestido listrado com cores claras e diversas. Seu cabelo solto cobrindo seus ombros e chegando até a cintura, não me lembrava de sermos tão parecidas, olhos verdes, cabelos louro-escuros, peles rosadas, a dela bem mais que a minha. Ela está tão linda.
- Meu anjo, por que fez isso com você? - Ela parece aflita e triste por mim, preciso contar a verdade.
- Mãe, por favor, acredite em mim! Eu não fiz isso - Ela para de frente para a minha cama me analisando, como acreditar em mim? Eu menti muito para ela - Existe uma garota, quer dizer, eu vejo três figuras femininas. Uma garotinha de cabelos louros como o ouro, uma garota jovem que se parece comigo, mas numa versão zumbi e uma mulher com o rosto deformado. Elas querem algo de mim, me assustar ou me matar, eu não sei - Limpo minhas lágrimas descontroladas - A garota jovem me cortou, ela cortou meus pulsos, não fui eu, acredite em mim.
- Está tudo bem minha princesinha, eu vou cuidar de você.
Ela se aproxima de mim, senta na cama e coloco minha cabeça em seu colo. Ela acaricia meu cabelo, como fazia quando eu era criança, sua mão está áspera, mas não me importo, quero ficar para sempre em seu assim. Ela murmura, uma canção de ninar, não a reconheço de início, mas quando as luzes começam a piscar sei que tem algo errado.
- Ela virá te buscar... - Sua voz passa de doce para monstruosa.
Olho para cima virando minha cabeça lentamente, é ela! Rosto deformado por queimaduras, parece ter um corte enorme no pescoço, olhos brancos, ela abre a boca e solta aquela gosma preta e sombria me sufocando, não vejo mais nada, estou sem salvação.
- Ana! - Matt grita me sacudindo pelos ombros.
Olho à minha volta, estou na cama, não há nada de anormal em meu quarto, tenho bandagens nos pulsos e estou com uma camisola que quase não uso. Me levanto analisando minha roupa. Matt se senta ao meu lado.
- Você me... - Aponto para o corpo inteiro - Me deu banho?
- Não. Foi minha avó. - Fico aliviada - Eu a ajudei a te colocar na banheira e limpar seu sangue. Depois a vestimos - O alívio passou e estou sem graça.
- Matt, eu... - Ele levanta a mão em sinal de "pare" e me calo imediatamente.
- Por favor Ana, me ouça. Eu sei que sua vida não é fácil, mas se quiser, eu serei seu amigo, eu já me considero assim. Quando ouvi os gritos das pessoas dizendo que tinha uma garota que se atirou ao lago, eu torci para que não tivesse sido você. Eu saí para pensar em tudo, principalmente em como ajudar você quando eu também preciso de ajuda. Daí eu volto e te vejo se cortando do outro lado da rua, como se ninguém estivesse vendo, você gritava e fiquei assustado. Eu... - Ele passa a mão pelos cabelos perplexo - Olha Ana, se precisar de mim, estou aqui e se quiser não irei a lugar algum, só não pense que a única solução para seus problemas é tirar a sua vida.
Ele não entende, mas preciso contar mesmo assim.
- Matt, eu sei que parece loucura, mas você precisa acreditar mim. - Ele se aproxima ainda mais de mim na cama e continuo - Desde que acordei do coma, não tenho mais uma noite sequer de paz. Eu vejo coisas que não deveria ver - Ele me olha desacreditado - Por favor, não caçoe de mim - Sinto as lágrimas começarem a encher os cantos dos meus olhos - Começou com pesadelos, depois eu só precisava fechar os olhos um momento para que visse algo ruim, mas agora parece estar se tornando real. No lago, eu vi uma coisa, ela agarrou meu braço e quando dei por mim, estava me afogando. Pensei que tivesse sido sonambulismo, mas isso não foi sonho - Mostro a queimadura em forma de uma mão em meu braço - Olhe Matt! Como eu poderia ter feito isso em meu braço direito se a mão que me agarrou é uma mão direita?
Ele olha a queimadura com atenção e me fita.
- Ana, eu...
- Matt! - Digo em tom de repreensão ao entender seu olhar de piedade. As lágrimas começam a rolar - Por favor, acredite em mim, por favor!
Ele fica em silêncio e eu abaixo a cabeça chorando ainda mais.
- Eu... - Ele quebra o silêncio, eu não levanto a cabeça - Vi seu braço enquanto você estava desmaiada e fiquei pensando... - Ele dá uma pausa por alguns segundos e o encaro entre minhas lágrimas - Em quem poderia ter feito isso com você - Seu olhar se suaviza - Ana...
Calo seus lábios com um dedo, não importa mais, eu só preciso de uma coisa agora. Então o beijo suavemente, ele corresponde e é como se a luz que ele irradia invadisse a minha alma.
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DARKNESS - Livro I
Mystère / ThrillerNão reclame da sua vida, perto desta, ela parecerá o céu.. Será possível fugir da escuridão? "Todos temos trevas em nós". Copyright Lylah Hartzler Carrillo, 2017 © All rights reserved