Fico me sacudindo feito um peixe fora d'água, socando os braços que me seguram quando finalmente me dou conta do que é, ou melhor, de quem é.
- Ei, ei, Ana! Calma! Sou eu, Matt. Você estava sonhando.
Eu o abraço com força e choro.
- Eu... Eu não conseguia acordar, eu não conseguia acordar!
- Ei, tudo bem. Acontece. Também tenho pesadelos de vez em quando.
Me dou conta de que o estou abraçando com muita força e desespero, não queria assustá-lo assim. Me afasto tentanto disfarçar meu pânico e fito seus olhos azuis entre minhas lágrimas. Então as enxugo com o dorso da mão direita.
- Como entrou aqui? - Pergunto tentando não parecer tão vulnerável.
- Pela sua janela. Sorte a janela estar aberta, se não eu teria que arrombar. Eu estava sentado no meu telhado e ouvi gritos. Você gritou por mais ou menos três minutos até eu finalmente descobrir de onde vinham. Deve ter sido um sonho louco.
- E foi. - Sorrio sem graça.
- Se quiser... - Ele se levanta da cama - Te faço companhia essa noite, estou sem sono por enquanto.
Olho no relógio da mesinha ao lado da cabeceira, são onze e quarenta e sete. Meu Deus, eu não dormi nada! Ainda tenho uma madrugada inteira de pesadelos terríveis. Talvez se ficarmos conversando, a hora passe.
- Tudo bem. Eu agradeço. Ahn... Quer tomar alguma coisa?
- Só se tiver álcool. - Ele sorri com seus dentes perfeitos, mas são em seus olhos que mantenho o foco. A janela da alma.
*****
Já passa das três da manhã e estamos conversando sentados no sofá da sala.
- Por que veio morar com sua avó? - Pergunto interessada.
- Bom. - Ele limpa a garganta sutilmente, parece incomodado com a pergunta.
- Se não quiser, não responda. - Digo tentando me desculpar pela intromissão.
- Tudo bem... Eu preciso falar com alguém. - Seu rosto fica sério - Minha irmã e eu estamos passando por um momento difícil. Alguém invadiu nossa casa em Connecticut e tentou nos matar. - Fico horrorizada - Eu me lembro apenas do som dos tiros. Meus pais foram mortos, eu levei um tiro no peito e caí inconsciente. Quando acordei, minha irmã estava em coma. Ela foi transferida para cá, pois fica mais fácil para a minha avó cuidar dela. Só o que tenho agora são elas.
- Eu sinto muito Matt. - Toco sua mão em apoio e respeito.
- Está tudo bem. Eu só... Eu nem fui ao velório deles sabe? Fazem duas semanas que isso aconteceu e os médicos não dão esperanças à minha irmã, dizem que ela está fora de perigo, mas não acorda.
- Eu entendo o que você está sentindo. - Ele me olha com atenção, quer mais informações, mas não sei se estou pronta para me abrir. Respiro fundo, se não for agora, nunca será. - Eu estive em coma por três anos e acordei há duas semanas. - Ele parece perplexo - Sofri um acidente de carro com meus pais, eles não sobreviveram... - Seguro o choro - Quando acordei, eu não tinha mais ninguém, apenas uma casa vazia. - Ele apenas me encara, como se eu fosse a pessoa mais desafortunada do mundo - Você tem a sua avó, sua irmã vai sair dessa e vocês vão superar tudo isso.
- Você já superou? - Ele me surpreende e engulo em seco.
- Não. - Abaixo minha cabeça e fico olhando para minhas mãos - Ainda não. Eu... Eu tinha uma vida perfeita. - Levanto meus olhos e volto a fitá-lo - Tinha amigos e família, quer dizer, eu acho que tinha uma vida perfeita, perdi muitas memórias de antes do acidente. - Uma lágrima escorre pela minha bochecha e a seco rapidamente. - Lembro que, discutíamos por algo, provavelmente culpa minha. Meu pai perdeu o controle da direção e caímos em uma ribanceira, levei uma pancada forte na cabeça e fraturei o crânio. Sabe aquela experiência que dizem que existe quando estamos em coma? - Ele faz que sim com a cabeça - É mentira. Não existe nada, nem sonhos, nem lembranças ou luzes. É apenas preto, escuro, sem vida. Apenas escuridão e nada mais.
- Eu sinto muito por você Ana. Sei como é doloroso perder quem se ama. - Ele me abraça apertado e é como se eu sentisse a paz invadindo meu ser pela primeira vez em tempos.
*****
São dez da manhã. Meu Deus! Eu peguei no sono e... Matt também. Estamos deitados no sofá, cada um para um lado. Sorrio ao vê-lo todo torto com uma perna em cima de mim e a outra dobrada por debaixo dele. Penso em acordá-lo, dormimos muito e é nessa hora que percebo. Eu dormi! Eu dormi de verdade! Não houve sonhos ruins. Eu dormi em paz pela primeira vez, a mesma paz que senti no abraço de Matt. Talvez ter me aberto finalmente sobre minha dor e angústia à alguém me libertou de tantos pesadelos horríveis. Matt não podia ter surgido em melhor hora.
- Ei Matt? - Balanço a perna que está em cima de mim - Acorde. Já são dez horas.
Ele pula do sofá assustado e solto uma gargalhada.
- Ana? - Ele parece não saber onde está e isso me diverte - Eu dormi de mais.
- Eu sei - Rio - Eu também.
Ele sorri e nos encaramos. Tem uma energia estranha no ar, mas ainda assim, muito boa.
- Preciso ir. - Eu faço que sim com a cabeça - Nos vemos depois? - Confirmo novamente rindo - Ok, obrigado pela conversa e... Pela cerveja também. Se precisar, é só gritar - Ele dá uma piscadela sutil.
- Pode deixar. - Sorrio carinhosamente, entendi a referência.
- E deixe sua janela aberta caso eu precise te sacudir de novo. - Ele gargalha e fico sem graça repentinamente.
- Vou me lembrar de deixá-la bem aberta, obrigada. - Digo de forma séria, mas esboçando um leve sorriso.
Ele sai. Me recosto no sofá. A sensação de uma noite bem dormida é tão maravilhosa. Fecho os meus olhos um momento e Matt entra novamente correndo.
- Ana, você tinha razão! - Ele sorri e meu coração parece dar saltos triplos de alegria. - Você disse que minha irmã iria sair dessa.
Ele aponta em direção à porta e ela surge próxima ao sofá. A garotinha do vestido azul, ela sorri para mim e eu sorrio de volta. Ela se parece com a menina dos meus sonhos. Paro de sorrir, é a menina dos meus sonhos. Meu coração acelera. As luzes piscam, olho para elas no teto e de volta para Matt, ele está ensanguentado, existe um buraco em seu peito e então a menina ergue suas mãos, me permitindo ver um coração ainda pulsando nelas.
- Ana, me ajude! - Ele grita como se estivesse muito distante de mim.
Ela me olha friamente e eu sei o que vem a seguir. O grito ensurdecedor clamando por meu nome e acordo desesperada.
Os pesadelos não acabaram. Estava bom de mais para ser verdade.
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DARKNESS - Livro I
Mystery / ThrillerNão reclame da sua vida, perto desta, ela parecerá o céu.. Será possível fugir da escuridão? "Todos temos trevas em nós". Copyright Lylah Hartzler Carrillo, 2017 © All rights reserved