O PERDÃO É O PRIMEIRO PASSO

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Ele não poderia perdoar, lhe causaram dor de mais. Ele perdeu tudo e todos eles eram culpados. Ele queria seguir em frente, mas não parecia ser tão fácil. Todos seguiam, mas ele não estava conseguindo.
Seu coração estava manchado, algo estava errado. Que sentimento era aquele? Ele fez tudo certo, o tempo todo. E o que lhe restou? Dor, angústia, sofrimento, apatia...
Ele precisava fazer algo a respeito, era tudo sobre ele agora, todos deveriam pagar. Os maus devem pagar.

*No Início*

Eu fiz o que tinha que ser feito, ainda tenho muita coisa a fazer, mas ninguém vai me pegar, Trevor não vai deixar que façam isso. Ele é meu amigo, meu melhor amigo, ele me compreende, o Sr. Luke não.
Sr. Luke... Tão passivo e otimista, como ele consegue se manter dentro das próprias calças? Eu jamais seria assim! Não posso esperar que o destino tome conta de tudo, eu devo fazer a minha parte. E eu fiz! E tenho muito mais para fazer.

Estou deitada na cama debruçada sobre o travesseiro, apenas olhando para a parede, ou além dela, para o nada.
Eu fui muito bem, não sinto remorso, os maus devem pagar. E pagaram!

Penso em Sophia Luke. Ela não deveria ter se entregado, deveria ter reagido, se vingado. Ela deve ter se matado pela bondade do Sr. Luke. Ele deve ter dito:

- Não filha, já que a justiça não funcionou, vamos perdoar... - Digo em voz alta tentando imitar seu timbre grave. - A vingança não traz nada de bom e bla bla bla.

Uma pena que eu não era nascida na época, eu teria ajudado ela, seria sua melhor amiga e teríamos nos vingado daqueles monstros juntas.
Esses monstros... Meu pai é um monstro! Não nos falamos há dias. Evito ficar em casa na maior parte do tempo, até a escola parece atrativa para mim agora e amanhã será melhor ainda sem eles! Eles mereciam aquilo.
Mas, e meu pai? O que ele merecia? O que o torna diferente dos garotos? Ele teria feito isso comigo se eu não fosse sua filha? Quem será ele de verdade? Para mim, um monstro. Para minha mãe, um santo. Ela tem dessas não é mesmo? A Santa Martha! A divina mulher que acredita na conversão da alma, no perdão, que se você se arrepende é o que importa e nada mais.

- Papo furado. - Digo me levantando da cama e indo até a janela.

Observo a rua com atenção, essa rua é sempre tão movimentada e cheia de crianças. Me lembro de Andy, a neta da vizinha. Ela me ensinou que "os maus devem pagar". Menina maravilhosa. Ela vai saber se virar sozinha. Se não fosse por ela, eu não teria tomado essa atitude.

- Os maus... - Digo em sussurro - Devem...

- Filha? - Sou interrompida pela Santa Martha.

- A gente bate antes de entrar mãe... - Respondo ainda olhando pela janela. - A porta não está fechada à toa.

- Ana... - Ela ignora minha rispidez e entra sentando-se na cama. Lá vem.

- O que é mãe? - Me viro para encará-la - Veio implorar mais uma vez para que eu perdoe meu pai? Nunca! - Grito e espero que ele ouça lá de baixo.

- Filha... - Sua tranquilidade me dá nos nervos e reviro os olhos voltando a olhar a janela. - As pessoas cometem erros, ninguém é perfeito...

- Ele matou uma garota mãe! - Interrompo-a.

- Ela se matou Ana, foi uma escolha dela.

- Foi a escolha dela em consequência à escolha do seu santo marido.

- Ana... - Ouço o ranger da cama, ela se levantou e está ao meu lado. Continuo olhando pela janela. - Por que Ana? Por que é tão difícil conversar com você?

Ela espera a resposta e depois de longos segundos me viro para lhe responder:

- Porque você acha que o perdão resolve tudo mãe... - Sinto meus olhos se encherem de lágrimas - Mas atos resolvem tudo.

- O perdão é um ato querida. - Diz sistematicamente.

- Não é um ato para mim. - Uma lágrima escorre.

- Meu amor... - Ela estende a mão para secar meu rosto e me afasto, sua mão fica suspensa no ar. Ela para, abaixa a mão, suspira e recomeça. - Nós te amamos filha e eu sei que você ama seu pai.

- Amava! Ele é um monstro! - Grito e as lágrimas caem.

- Anastacia não diga isso!

- Como você pode ficar do lado dele mãe! Como pode ser tão passiva? - Estou indignada.

- Porque isso é passado Ana! - Diz em tom de autoridade como se quisesse que eu esquecesse. Jamais.

- Você não consegue lidar com isso mãe? - Me aproximo dela com furor - Você não consegue aceitar que seu marido é um monstro e então prefere fingir que esqueceu não é mesmo? - Estamos frente a frente.

- Ana... - Ela desvia o olhar.

- Olhe para mim mãe! - Grito virando seu rosto para me encarar à pulso. - Enfrente isso aqui!

Ela me olha sem entender e eu solto seu rosto, me afasto, quero que ela me veja por inteira.

- O que há com você Ana? - Parece assustada.

- Pergunte para si mesma mãe. E para o meu pai. Para o Samuel, Jackson, Josh...

- E quem são eles Ana? - Sorrio da pergunta com desdém entre lágrimas.

- Quem são eles ma-mãe? - Divido as sílabas com raiva. - São... Não. Eram monstros iguais ao meu pai.

- Do que você está falando filha? O que quer dizer com isso? - Ela se aproxima e eu me afasto, quase chegando à parede.

- O que acha que quero dizer mãe? - Me sinto sombria, minhas lágrimas cessaram.

- O que fizeram com você? - Ela começa a chorar. - Eles fizeram algo? Ana, por favor, me conte! - Ela dá mais um passo a frente e dou mais um atrás e então ela volta.

- Eu. Paguei. Pelos. Erros. Do meu. Pai. - A cada palavra, um tapa no próprio peito. A punição.

- Não... - Ela sussurra.

E então seu choro se torna intenso e ela cai de joelhos à minha frente escondendo o rosto com as mãos. Ouço seu choro desconsolado, mas permaneço ali, parada, petrificada. Não sinto pena dela, sinto rancor...

- E agora mamãe? - Me aproximo dela lentamente. - Vai perdoá-los? - Me abaixo e sussurro em seu ouvido. - Quando acontece com os outros sempre parece mais fácil.

Eu a deixo ali. Não quero mais olhar para ela. Eles me dão nojo. Desço as escadas e meu pai está parado próximo ao sofá, está esperando... Esperando o quê?

- Pode esquecer! - Digo ainda da escada - Você não terá meu perdão nunca!

- Ana... - Ele tenta falar.

- Por que não vai consolar sua mulher? - Digo severamente. - Ela precisa muito mais do que eu. - Termino de descer as escadas. - Afinal, eu sou uma mulher de atos, ela é apenas uma mulher de perdão. - Me aproximo dele com ferocidade. - Vocês me dão nojo.

Eu cuspo em sua cara, eu precisava fazer isso. Ele não reage, eu saio, não ouço nada. Estou dando as costas à eles. São todos iguais e jamais vou perdoá-los por isso.

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