*Agora*
Será que fiz mesmo ou é algum tipo de ilusão?
Estou de volta a cozinha, cheia de cacos. A garota zumbi se foi e estou sozinha com uma memória sem pé e sem cabeça. Aqueles garotos, Trevor, ela, eu... Se realmente fiz o que vi através da garota, por que não me lembro de Trevor? Eu sei que minhas lembranças são confusas e não me lembro de muita coisa que precede o acidente, mas... Como não me lembrar disso? Eu preciso de mais informações, mas estou com tanto medo, não tenho ideia de com o que estou lidando. Almas condenadas. Mortes. Sequestro. E Trevor.
Sequestro. Matt. Onde estará você? Como conseguir seguir com a minha vida sem sua luz? Eu sinto tanto a sua falta. Estou tão cansada.Passo por cima dos cacos de copo quebrado com cuidado, eu limpo isso depois, não quero cuidar de nada disso agora. Preciso colocar minha cabeça no lugar, se é que algum dia ela já esteve no lugar. Me sento no sofá e fito a televisão por minutos. Tento lembrar de algo, mas não é fácil colocar uma memória na sua cabeça por uma imagem que você viu e não porque realmente está se recordando de algo.
Um lapso momentâneo. Essa televisão não havia estourado? De onde surgiu essa memória? Dou de ombros, não sei, mas a memória parece nítida e recente. Um grito e tudo estourou, mas por que tudo está no lugar? Eu arrumei? Alguém arrumou?
Deixa pra lá, já estou tendo um daqueles lapsos confusos de novo. Sorrio da minha debilidade.Matt também não se lembrava de algumas coisas que aconteceram antes do dia em que invadiram sua casa. E quando ele tentou se lembrar, quase morreu bem aqui neste sofá. E depois disso, sumiu. Sinto meu coração apertar.
Ligo a TV, nada de interessante passando. Pessoas, pessoas e mais pessoas, só. Nada me atrai. Como eu conseguiria assistir algo com tudo isso acontecendo? Penso em meus pais. Mãe, pai, amigos, vida, minha vida era perfeita, por que tudo isso foi acontecer?
Adoraria descansar para desanuviar a mente, para outras pessoas uma boa noite de sono traria resultados satisfatórios. Não para mim, não mais.Ouço passos descendo as escadas e sou despertada de meus devaneios. Olho imediatamente para lá, mas não há nada e o som para. Olho para a TV novamente, "não enlouqueça Ana!" e os passos recomeçam, mas parecem vir de detrás de mim, olho rapidamente mesmo com medo, tudo em silêncio e não vejo nada. Falta muito para amanhecer? Volto meu olhar para a TV e quase engasgo com o susto.
Andy! Em seu belo vestido azul imaculado, sentada na mesa de centro. Já estou congelada. Ela se levanta devagar e se aproxima de mim lentamente. O ar é palpável e me sinto afundar no sofá com o peso do meu medo.
Seus joelhos encostam no sofá e tento me afastar o máximo que posso, mas não há espaço o suficiente para isso. Ela levanta o dedo indicador e me chama, apenas com gestos, não diz nada. Sinto calafrios. Ergo as costas do sofá e me aproximo dela. Olhos nos olhos, ela não respira, mas minha respiração está entrecortada. Seus olhos, vidrados encaram os meus, parecem tentar me dizer algo.- O que? - Pergunto sussurrando.
A atmosfera muda, a escuridão se torna maior, quase não enxergo mais a sala e a luz da TV parece distante. Estamos tão próximas agora que enxergo apenas seus olhos, meu campo de visão se limita apenas aos seus olhos sombrios e negros. Ela não tem os olhos azuis de Matt. Ela não tem nada de Matt.
Sua voz me desperta de meus pensamentos sobre Matt e sinto o gelo subir pela minha espinha.- Quem procura... - Sua voz é doce, mas ameaçadora - Acha. Garota morta.
Vejo algo refletir em seus olhos e busco a imagem depressa a nossa volta me virando para trás e sendo pega desprevenida pela velha amaldiçoada atrás do encosto do sofá. Sua mão esquerda pega meu pescoço com força e o sinto queimar. Estou ficando sem ar e não há quem possa me ajudar nesse momento. Me viro para ela, estou sentada sobre minhas pernas e dou as costas à Andy.
Ela me levanta com uma força inacreditável e agora estou de joelhos no sofá, à sua altura e encarando seu rosto deformado. Garganta cortada. Ouço às minhas costas o riso maquiavélico de Andy, uma risada cruel numa voz doce e a velha me eleva pelo mais alto no sofá, meus joelhos começam a desencostar do móvel e avisto atrás dela a garota zumbi. Todas estão gargalhando e apesar do calor em meu pescoço, sinto o meu corpo suar frio.- Garota morta - Todas cantam e Andy e a garota batem palmas ao som das palavras cantaroladas - Garota morta, garota morta, garota morta.
Eu grito, mas o som quase não sai, parece um daqueles sonhos loucos onde você grita por socorro mas ninguém ouve nada. Sinto meus joelhos saírem do sofá e apenas as pontas dos meus pés ainda o tocam.
Peço "socorro" apenas gesticulando os lábios, pois não sai som algum. Eu vou morrer agora.- Não percebe Ana? - diz a garota Zumbi e impera um silêncio repentino na sala - Só está recebendo o que merece garota morta!
- Tinha muito sangue lá - Andy continua.
A velha amaldiçoada começa a mexer a cabeça, virando-a de um lado para outro como se estivesse ouvindo algo ou afastando uma ideia, murmurando como se estivesse sufocada, mas ainda segurando meu pescoço, estou alguns centímetros mais alto que ela agora, ela parece muito perturbada.
- Tinha muito sangue lá - diz a garota zumbi.
- Tinha muito sangue lá - repete Andy.
A velha continua revirando a cabeça. E de repente grita:
- Não!
Seu grito forte, aterrorizante e com aquele som de mil vozes dentro de si me joga com força para cima da TV, fazendo eu derrubá-la e minhas costas latejarem de dor. Só estamos ela e eu, Andy e a garota sumiram. A casa está completamente às escuras, estamos imersas nas trevas. Ela pula de trás do sofá para o encosto dele, um pulo que parece um voo e ela se equilibra ali abaixada como um animal, pernas afastadas e suas mãos deformadas no encosto. Posicionada como um cachorro sentado.
- Por que você fez isso?
Sinto o mal cheiro de seu hálito mesmo na distância que estou. Ela grita e o vento sai forte de sua boca ao som de suas palavras. Quase não consigo encará-la ou respirar, o vento é forte de mais.
- Por que você fez isso? - Ela grita mais uma vez. O som é tão alto que me pergunto se a cidade inteira pode ouví-lo. Então o vento para e ela sussurra - Você é uma garota morta sua vadia! - Antes de voar em minha direção.
Eu grito fechando os olhos, mas nada acontece. Abro os olhos, estou caída por cima da TV. Me levanto aos prantos, não aguento mais isso e vou em direção ao sofá, mas paro ao lado da mesa de centro. Ouço passos novamente e eles estão descendo as escadas, mas dessa vez tem alguém e ele é o meu maior medo.
- Olá Ana - Trevor diz docemente e sua voz me faz tremer por inteira.
- S, s, saia da minha casa! - Ordeno gaguejando e minha tentativa de amedrontar falha.
- Sua? - Ele continua descendo as escadas lentamente, elas parecem ter mais degraus que de costume. Ele gargalha e para no antepenúltimo degrau - Ah minha cara Ana, nada é seu. Tudo... - Ele gesticula girando o indicador para cima, parece falar da casa, mas do mundo é como sinto - É meu. E eu... - Desce os últimos degraus e se aproxima de mim, estou petrificada - Brinco como eu quiser.
Ele agarra minha mandíbula entre seu polegar e o resto dos dedos da mão direita, meu rosto começa a congelar como se sua mão fosse puro gelo. Ele não faz esforço, apenas uma mão, enquanto a outra está guardada em seu bolso.
- Quer encontrar respostas sua vadia? Quer se lembrar de tudo?
Ele tira a mão do bolso e com o dedo médio toca com força o centro da minha testa e minha cabeça é inundada por imagens que começam a se juntar e parecer familiares.
- Então comece pelos garotos que você matou.
Ele me solta e eu caio sozinha na sala. Tudo fica claro, está amanhecendo e agora eu sei.
Eu sou culpada!
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DARKNESS - Livro I
מתח / מותחןNão reclame da sua vida, perto desta, ela parecerá o céu.. Será possível fugir da escuridão? "Todos temos trevas em nós". Copyright Lylah Hartzler Carrillo, 2017 © All rights reserved