QUEM PROCURA, ACHA

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*No Início*

- Você não sabe? - Angélica me pergunta sorrindo - Ele morreu há muitos anos e dizem que a lanchonete é mal-assombrada. - Ela faz um drama na última parte para gerar tensão.

- Eu... Eu... Eu não acredito nessas coisas. - Mentira, acredito sim.

- Tem certeza? - Ela indaga.

- Sim - Arrebito o nariz toda prepotente.

- Então vai lá! - Sinto o tom do desafio.

- É, vai lá! - Michael contribui negativamente.

- Tudo bem. - O quê? - Eu vou provar que vocês são uns idiotas.

Vou em direção à lanchonete sem olhar para trás, mas sei que os olhos deles estão em mim. Sinceramente, eu já tenho quinze anos, sou quase uma adulta, está na hora de rejeitar desafios tão bobos assim. Reviro os olhos para mim mesma.

Bato na porta de vidro e tento enxergar algo pelas janelas, está escuro, já gostei do lugar. Empurro a porta, ela abre com um tranco, está arrumado e claro aqui dentro, tem um balcão empoeirado e uma copa atrás, mesinhas e cadeiras, tudo em uma decoração meio retrô. Gostei. Passo o dedo pelo balcão e observo o cardápio acima da copa na parede. Sucos, Milk Shakes, burgers, etc.

- E então mocinha, o que vai querer.

Sua voz é áspera, ele surge do nada secando um copo e me mostra um sorriso assombroso. É um fantasma, o fantasma do dono da lanchonete, eles tinham razão, esse lugar é mal-assombrado. Corro o mais rápido possível para fora, gritando e chorando desconsolada. 

- Fantasma! - Grito e ouço os risos de Angie e Michael. - Idiotas! Eu estou falando a verdade! - Passo correndo entre eles, quero ir para casa.

- Ana, espere! - Angie grita enquanto os dois tentam me acompanhar.

Chego a porta de casa e apoio as mãos nos joelhos fazendo minha mochila pender para um lado e quase me derrubar com seu peso. Preciso coordenar minha respiração, estou em pânico. Vi um fantasma.

- Ana, acalme-se - Michael fala primeiro segurando meu ombro enquanto olho para o chão. - Era só uma brincadeira, não tem fantasma nenhum.

- Eu o vi! - Me levanto fitando seus olhos verdes e Angie finalmente surge.

- Não viu não! Está querendo nos assustar. Não existe essa coisa de fantasmas. - Ela cruza os braços e franze o cenho, parece uma garotinha birrenta.

- Então entre lá você! - Digo aos berros. - Eu o vi! Ele estava secando um copo e falou comigo.

- Ana... - Michael suspira - Você precisa parar de ser tão medrosa. É por isso que gostamos de te assustar.

- Ah é? - Digo furiosa olhando para os dois - Então vocês são os piores amigos de todos e eu odeio vocês. - Subo as escadas da entrada pisando duro e os deixo sozinhos batendo a porta atrás de mim com força.

- O que é isso Ana? Onde estão os seus modos? - Minha mãe me repreende, que saco!

- Não tenho, minha mãe não me deu! - Grito.

- O que há com você Ana? - Ela parece surpresa - A cada dia está mais irritada e rebelde. Precisamos conversar filha. - Ela se aproxima e eu recuo.

- Não precisamos não! - Digo ríspida - Fala sério mãe! O que eu menos quero é falar da minha vida com meus pais, isso é ridículo, eu já sou bem grandinha para chorar no ombro de vocês. Vocês são um saco! Por que não vão para o inferno?

Ela levanta a mão e espero o tapa que ela não me dá. Até que eu merecia, talvez. Mas isso me deixa ainda mais enfurecida, estou puta da vida agora.

- Isso mesmo! Me bate logo, aproveita e me mata de uma vez!

- Ana! - Meu pai surge descendo as escadas, era só o que me faltava.

- O que é? Vai me bater também?

- Querida! - Ele olha para minha mãe em tom de censura - Você...

- Mas é claro que não! - Ela o interrompe - Só que... - Ela olha diretamente para mim e ele se aproxima de nós - Eu não sei mais o que fazer com ela... Por favor filha, o que está acontecendo com você? Você não era assim. - Ela começa a chorar e isso me irrita ainda mais.

- O que acontece é que estou farta de vocês! - Grito com tanta força que minha voz falha - Estou cansada de ser tratada como criança, vocês estão sempre aí, querendo que eu desabafe, fale de mim, eu não quero falar nada tá legal? Eu quero ficar longe de vocês.

Passo entre eles como uma bala esbarrando em minha mãe, subo as escadas, entro em meu quarto e jogo a mochila com força em cima da cama. Que droga! O Sr. e a Sra. Certinhos, eu não preciso da ajuda de ninguém, só quero ficar em paz. Angélica e Michael são dois idiotas, meus pais são idiotas. Eu tenho quinze anos, a maioria da galera da escola vai para festas, bebe e até fuma com quinze anos. E eu? Eu fico enfornada dentro dessa casa com pais super protetores e amigos panacas que continuam fazendo brincadeiras do jardim de infância. Eu devo ser a mais idiota de todas, pois aceito essa vida ridícula. Quer saber? Chega! Eu irei para a festa que eu quiser, chegarei a hora que eu quiser e vou beber e fumar o que eu quiser. Ninguém mais manda em mim.

*****

- Olha quem saiu da fralda! Ana, é isso? - Judith está mais do que bêbada.

- É... - Digo enquanto parece que todos estão me encarando.

Os pais de Samuel estão viajando e suas festas são lendárias. Só um idiota não vem para cá, ou melhor, dois idiotas, Angélica e Michael, eles não vieram, aliás, não falo com eles há uma semana desde que disse que os odiava, mas sinto falta às vezes. Me aproximo da galera popular com Judith no meio deles. As líderes de torcida são o topo da cadeia alimentar.

- E aí Ana, quer experimentar? - Samuel está com um cigarro estranho nas mãos.

- O que é isso? - Pergunto inocentemente.

- Isso aqui é a maior viagem - Ele coloca uma mecha do meu cabelo atrás da orelha. - Se experimentar isso aqui - Ele me aponta o cigarro - Posso te mostrar experiências ainda mais gostosas - Ele sussurra ao pé do meu ouvido e aperta minha bunda.

Estou assustada, é assim que eles se comportam? Dane-se, é minha nova vida, o que tiver de ser, será.

*****

Acordo, estou jogada no meio da estrada, onde estou? E na mesma hora, as lembranças invadem minha mente. Drogas, bebidas, sexo, quantos foram? Lembro de Samuel e mais dois garotos que desconheço em cima de mim. Eles riam muito. Eu não consegui reagir. Me levanto do mato, meu corpo inteiro dói, mas o centro, lá entre minhas pernas, queima como fogo e minha calça está suja de sangue. As lágrimas rolam. Eu queria aproveitar esse mundo sem regras e olha no que me meti. Não sei nem que dia é hoje. Fui estuprada por três garotos, usei maconha e cocaína, bebi tudo o que me deram e fui descartada como lixo depois que me usaram o quanto quiseram. Eu procurei, eu achei. O que eu faço agora?

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