LUKE

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- Ah meu Deus! O que fizeram com você? - Minha mãe leva as mãos à boca horrorizada com a visão.

- Nada mãe, eu estou bem. - Digo tentando subir as escadas, sinto dores pelo corpo todo.

- Ana, você faz ideia do que nos fez passar? - O Sr. Certinho entra em ação. - Você está desaparecida há dois dias. Quase morremos de preocupação.

- Que pena que voltei antes do grande dia então. - Sussurro.

- O que disse? - Minha mãe pergunta enquanto chego ao meio da escada.

- Nada mãe. - Eu pareço um zumbi, andando toda esquisita e minha boca quase não abre, meu rosto dói também.

- Você quer que a gente morra? É isso? - Ela chora e meu pai segura seus ombros em tom condescendente. É incrível como esses dois me irritam.

- Ana... Filha - Lá vem ele - Por favor! - Paro no meio da escada - Quem fez isso com você? Temos que denunciar, você não está nada bem meu anjinho.

- Calem-se - Grito e sinto os músculos do meu rosto se contorcerem, isso dói. - Ninguém fez nada tá legal? Eu fiz! E não me arrependo, qualquer vida é melhor do que essa prisão que vocês chamam de lar.

Subo as escadas aos trancos e barrancos enquanto ouço o choro da minha mãe, minha última visão é a do meu pai abraçando-a para consolá-la, quem vê pensa que sou uma garota difícil, eles que são. Entro no banheiro e me encaro no espelho. Olhe para mim! Eles não têm a mínima ideia do que eu passei e acham que eu sou o problema? Eu tenho um problema. Meu rosto está inchado, minha bochecha roxa, isso foi um soco, eu me lembro. Tentei gritar mesmo sem forças e Samuel me socou. Estou cheia de hematomas, manchas roxas por todo o corpo - Encho a banheira d'água - e ao sentar na banheira a dor é ainda maior. Doí dentro mim, dói por onde a água passa. Eles acabaram comigo e estou perdida em meus próprios pensamentos. Preciso de um banho quente e dormir. Só quero me deitar na escuridão do meu quarto e dormir. Não há volta, não posso me arrepender, eu procurei por isso e recebi meu castigo. Mas quer saber? Não importa, amanhã será um novo dia e eu superarei tudo, eu sou uma nova Ana, sem medo e cheia de rancor.

*****

Tomei coragem e entrei. Está do mesmo jeito, mas a nova Ana não acha isso tão assustador. Me sento em um banco junto ao balcão.

- Bom dia, o que vai querer mocinha? - Ele surge do que parece ser a cozinha me assustando. Não parece um fantasma, apenas um velho cansado. Negro, barba gigante e bem preta, olhos escuros e um avental velho.

- Bom dia, eu não sei. O que me recomenda? - Pergunto. Será que estou falando com um fantasma?

- Bem, o meu Milk Shake de morango é o que mais vende. Que tal?

- Pode ser. - Digo indiferente e ele é bem humorado.

- Tudo bem. - Ele dá um tapinha na copa e grita para o cozinheiro - Um shake de morango! - Ele volta seu olhar para mim - Eu te conheço?

- Ahn... - Droga - Acho que não, é que tenho um rosto comum.

- Não minta para o Sr. Luke mocinha. - Ele me estende o dedo indicador - Eu nunca esqueço um rosto. - Caminha de um lado para o outro analisando cada linha da minha face e eu tento disfarçar. - Você não é a mocinha fujona?

- Acho que está me confundindo senhor.

- Olha! - Ele sorri, seu sorriso é assustador, ele é assustador - Você! É você mesma! Entrou na minha lanchonete na semana passada, com mochila e uniforme do colégio e depois saiu correndo e gritando. O que houve? Você está bem? - Sinto pena dele, parece tão gentil, não acredito que meus "amigos" fizeram isso.

- Me desculpe, fui desafiada pelos meus amigos a entrar aqui.

- Desafiada a entrar em uma lanchonete? O que tem de mais? Você não come fast food? - Ele me parece confuso e acho graça nisso.

- Me disseram que o senhor morreu há anos e que este lugar era mal assombrado. - Ele me fita com seus grandes olhos negros por um instante e depois solta uma gargalhada que me faz dar um pulo na cadeira.

- Essas crianças... - Ele acha graça - Deveriam parar de inventar histórias sobre mim e virem mais vezes comprarem meus lanches e bebidas. Falando nisso...

Ele me entrega uma taça de vidro grande e cheia. Sugo o canudo com força, é o melhor milk shake que já tomei. Está delicioso e por um instante todo esse açúcar parece ter desanuviado minha mente e levado meus problemas embora. Sei que isso é impossível, mas ainda assim, é bom ter essa sensação de problemas resolvidos.

- E então, o que achou? - Ele espera pela resposta apreensivo.

- Está delicioso Sr. Luke, tem um nova cliente. - Sorrio.

- Fico feliz em saber disso mocinha. Será sempre bem vinda aqui.

E pela primeira vez em tempos, me sinto tranquila.

*****

Não tenho ido à escola esses dias, não sei como enfrentar todos. Será que sabem? Que não sabem? Sinto tanta raiva só de pensar, queria matar todos eles. Seria muito bom se um míssil atingisse o colégio, eu nem precisaria mais ir até lá. Não sei por quanto tempo conseguirei fugir disso, saio todos os dias de manhã, converso um pouco com o Sr. Luke e caminho até dar o horário da volta para casa. Sei que é uma questão de tempo até a direção informar meus pais, mas até lá, empurrarei como posso.

O Sr. Luke é tão sábio e gentil, fica tentando me convencer a voltar aos estudos, enfrentar meus problemas. Ah se ele soubesse o tamanho do meu problema. Não contei para ninguém, mas para quem contar? Michael e Angie sequer me procuraram por esses dias. Estou tão cansada de tudo. O Sr. Luke me escuta sem me julgar, tá certo que seus conselhos são iguais aos de qualquer adulto, mas ainda assim, prefiro conversar com ele e não com meus pais.

Ao chegar à porta de casa, avisto a Sra. Thompson e sua neta, não lembro o nome dela, mas ela sempre vem visitá-la junto com os pais e o irmão que nunca vi. Tão pequenina, espero que a vida dela na adolescência seja melhor que a minha. Eu vivo o puro inferno.

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