NOITE

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Noite, será que mais alguém tem medo desta palavra? Será que mais alguém estremece com sua simples menção? Poderia existir um centro de apoio para vítimas das trevas, algo como "Se livre das aparições! Durma em paz! Não tenha mais medo do escuro!", duvido muito. 

São duas da manhã e estou sentada na calçada, meu corpo está pedindo cama, queria poder fechar os olhos e dormir em paz, mas sei que não posso fazer isso. Quando reencontrar Matt poderei descansar, dormir ao seu lado e ter a paz que tanto necessito. A rua está movimentada, como sempre, sem crianças, devem estar dormindo e seus pais aproveitam o tempo livre para farrearem. E eu só queria dormir.

- Qual é o propósito do seu rosto? - Ouço a voz e depois vejo o dono, Sr. Luke.

Sorrio, é estranho como me sinto à vontade ao lado dele. Mesmo com sua aparência sombria e misteriosa e sua voz que me estremece, gosto de conversar com ele. Talvez devesse desabafar mais, contar meus segredos mais sombrios, talvez ele pudesse usar sua sabedoria para me dar uma luz.

- Estou sem sono.

- Todos estamos - Ele sorri e sorrio de volta.

- Sr. Luke, posso te contar um segredo?

- Claro! Adoro segredos. - Ele se senta ao meu lado sem dificuldade, parece ter uns cem anos, mas com a energia de uma criança. Acho que ele também toma o super shake.

- Eu... - Exito - Não, o senhor vai pensar que estou louca, todos já pensam isso.

- Tente. - Ele diz em tom desafiador.

- Já viu coisas que não deveriam estar lá? - Tento uma outra abordagem.

- Coisas? Existem muitas coisas moça e nem sempre elas estão em seus devidos lugares. - Ele é muito sábio.

- Eu fiquei pensando sobre as concepções de inferno que o senhor me falou.

- E?

- Talvez eu esteja em algum tipo de inferno.

- E por que diz isso moça? - Parece intrigado.

- Trevas Sr. Luke, é apenas isso que vejo. Não sei se é necessariamente um inferno, mas coisa boa não é.

- Interessante - Ele coça o queixo. - Parece estar sendo assombrada - Como ele adivinhou? - Por seus pensamentos e lembranças - Não adivinhou não - Ouça, você passou por muita coisa, é normal que sinta medo - Ele não entende - E seu namoradinho te deixou logo agora que estava se sentindo segura.

- Como? - Não entendo.

- Você está sozinha moça e de repente chega um rapaz que preenche a sua solidão, é normal que agora que ele, como eu diria? Sumiu, você esteja carente e buscando uma forma de preencher essa solidão novamente, mas te digo, ficar sem dormir só lhe trará pesadelos reais, nossa mente é sorrateira, pode nos pregar muitas peças.

- Eu não posso dormir Sr. Luke, não enquanto o Matt não voltar, ele é a minha luz, não tenho paz sem ele. - Sei que ele não vai entender.

- Paz - Ele degusta a palavra - O que é ter paz? É como o inferno moça, cada um tem sua concepção sobre tudo, o que lhe traz paz pode ser o meu inferno e vice-versa. - Faz sentido.

- Verdade, mas parece que sou a única a não ter paz na vida.

- Eu imagino, mas não deve ser assim, todos temos nossas tormentas. Pesadelos. Medos. Assombrações. - Ele me encara como se lesse meus pensamentos - Segredos.

- Acredita que pagamos pelos erros que cometemos Sr. Luke?

- Acredito - Ele diz como se estivesse cantando. - Acredito que pagamos por todos o erros que cometemos, em vida ou em morte, nada passará. - Ele se levanta - Tenha uma boa noite moça. - Tira o chapéu da cabeça cordialmente e o coloca de volta.

- Boa noite Sr. Luke.

Ele se vai e eu permaneço aqui, depois de uma conversa confusa que não deu em nada, mas ainda assim pareço mais aliviada. É incrível como ele parece saber tudo sobre o mundo, a vida, as pessoas. Acho que depois de tanto tempo naquela lanchonete absorvendo histórias ele se tornou sábio com experiências alheias. Volto a pensar em como seria se eu trabalhasse com ele, ouvindo histórias de pessoas que assim como eu só querem desabafar com alguém. Depois de um tempo eu bem que poderia dar conselhos e ser alguém como o Sr. Luke, uma pessoa sábia, entendida do mundo. Pena ele não saber nada sobre as trevas, eu devo ser a primeira cliente que lhe fala sobre isso, talvez ele aprenda algo comigo e passe adiante para uma garota que esteja perdida e sendo perseguida pelas trevas.

Está frio aqui fora, decido entrar, já são cinco da manhã, pego uma cadeira e me sento de frente para a janela, quero assistir ao amanhecer, sentir os primeiros raios de sol em minha pele. Queria que a luz inundasse minha alma, como fazia o olhar de Matt. Não consigo parar de pensar se ele está bem, se foi sequestrado ou morto, se está por aí buscando provas contra o assassino e deixando pistas para mim. É uma infinidade de coisas possíveis e o que mais me indigna é: A Sra. Thompson, acho que ela não quer encarar a realidade, então prefere ignorar a existência e sofrimento dos netos. Mas não vou desistir, vou encontrá-lo, mesmo sem saber por onde começar. Eu pedi que ele tentasse se lembrar e isso quase custou sua vida, mas ele se lembrou e assim como Matt eu também tenho períodos vagos em minha mente, talvez devesse tentar me lembrar de algo. Por onde começar?

Fecho meus olhos - espero que não haja perigo - e penso na minha vida, na noite do acidente, em meus pais e de repente sinto uma forte dor de cabeça, abro meus olhos e apoio a cabeça nas mãos, a dor é infernal.

Ouço o som da canção de ninar doentia e busco de onde ela vem, me levanto da cadeira, ela está muito alta, ela vem da minha cabeça, tampo os ouvidos tentando abafar o som, é estridente, vejo luzes piscando na parede próxima à escada. Parece um filme, naquele estilo antigo, imagens aparecendo em preto e branco, meus pais, vejo meus pais em flashes, depois Andy, tudo pisca rapidamente e as imagens mudam a cada segundo. Meus pais, Andy, sangue, escuridão, gargantas cortadas, tiros, está uma confusão e ao piscar, Andy aparece em frente a parede e grita meu nome naquele som estridente, mas desta vez ainda mais forte, tão forte que os vidros das janelas, portas e TV estouram e voam cacos para todos os lados. Alguns perfuram minha pele e abaixo tentando me proteger. Após alguns segundos de silêncio, me levanto e vejo a velha no mesmo lugar em que Andy estava, seu pescoço cortado, sangue negro escorrendo. Ela ergue seu dedo, o suja de trevas e escreve no ar, eu não vejo nada, minha dor de cabeça aumenta e sinto meu corpo agir de forma estranha e sei o porquê, estou caída ao chão e escrevi com meu próprio sangue no piso.

"Volte ao início".

O que isso quer dizer?

DARKNESS - Livro IOnde histórias criam vida. Descubra agora