TERAPIA SANGRENTA

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Meu braço arde muito, a dor é causticante. O mantenho elevado para estancar o sangue e me levanto da sala, estou de volta ao meu lar. Eu vi o rosto do assassino, ele também viu o meu, sabe que vamos desmascará-lo, Matt e eu. Acho que ele feriu Matt, mas não está com ele. Ele não é desse mundo e agora tudo parece fazer sentido para mim. Essas aparições, apesar de toda a violência, querem me dizer algo, elas foram vítimas dele, estão tentando se comunicar comigo, só não sabem como fazer isso. Preciso parar de sentir medo.

Abro a torneira do banheiro e lavo o corte com bastante sabão, talvez eu deva ir ao hospital, mas como explicar isso para o médico?

- Ai! - Entrou sabão. - Droga!

*****

- Como conseguiu um corte assim senhorita? - O médico da sutura está curioso.

- Se eu contasse o senhor não iria acreditar, então vamos dizer que foi um pequeno acidente.

- Tudo bem, um pequeno acidente de nove pontos hein! - Ele é sarcástico.

Não conhecia esse doutor, mas claro, o hospital é grande e os únicos doutores que conheço são o meu traumatologista e o pediatra da Andy, este, um cara de quem realmente não gosto nenhum pouco.

Me dirijo à saída, mas paro para olhar os panfletos do painel de informações: "Reuniões para Alcoólicos Anônimo", "Reuniões para Dependentes Químicos", "Psicológo" e... "Terapia Para Traumas", como assim?
Vou até o balcão de informações.

- Com licença?

- Sim? - Diz a atendente toda prestativa.

- Sobre o painel de informações, o que seria essa Terapia Para Traumas?

- Fazemos sessões com pessoas vítimas de estresse pós traumático, que sofreram ou sofrem de algum trauma. Aliás, a próxima sessão é daqui a vinte minutos, no auditório do subsolo.

- Acontecem todas as quintas, é isso?

- Exatamente, às quintas, às oito da noite.

- Hmm. Acho que vou ficar, preciso preencher alguma ficha?

- Só se quiser, presamos pelo anonimato dos pacientes, eles se sentem mais a vontade para falarem de seus problemas.

- Tudo bem, então acho que não vou preencher.

- Tudo bem, quer que eu te leve até lá?

- Não obrigada, pode me explicar onde fica?

- É só seguir a faixa preta no chão.

- Obrigada.

Me afasto do balcão e vou seguindo a faixa preta, esquerda, direita, reto, reto, depois esquerda, escadas e estou em frente à portas grandes, dessas como as de cinema,  equipadas com aquela trava fácil para sair em uma emergência.
Acho melhor eu voltar, não sei porque quis fazer isso, é loucura. Ana, você nunca foi de desistir facilmente, então enfrente isso, é simples, se não gostar, não venha mais.

Empurro a porta devagar e vejo cortinas, será que estou no lugar certo? Vejo uma luz fraca se aproximando e sigo em sua direção - vá em direção à luz Ana - sempre em frente.
Estou em um palco, tem cadeiras em círculos e pessoas sentadas me olhando, sete pessoas.

- Olá, veio para a nossa roda de conversas? - Me pergunta um cara bonitão que deve ser o doutor.

- Sim - Digo sem entusiasmo.

- Sente-se! - Ele é muito animado para o meu gosto.

Me sento entre dois homens esquisitos, um deles aparenta ter uns cinquenta anos, branco, barba por fazer, cabelos brancos, camisa listrada, colete e calça jeans e um boné surrado, sua aparência é triste. O outro, parece mais jovem, eu diria que tem uns quarenta anos, branco, barba bem escura, meio acima do peso, usa uma camisa bege com as mangas levantadas na altura dos antebraços, calça jeans bem velha e uma careca lustrosa, mais para calvo na verdade, sua aparência é um misto de sei lá, irritação e medo, não sei ao certo.

- Bom turma, para quem não me conhece, sou o doutor Garry Ferguson e estou aqui não para avaliá-los e sim, ouvi-los.
Acredito que todos passaram por situações ruins e traumáticas e precisam se livrar desse fardo para seguirem com suas vidas. Então... - Ele massageia a próprias mãos um momento - Quem quer começar? - Ninguém se manifesta - Que tal você?

- Eu? - Droga, sabia que era uma má ideia vir aqui.

- Isso! - Sua animação me irrita - Comece dizendo seu nome, não precisa ser o verdadeiro.

- Ahnn... Meu nome é An... - Merda! - Ana e é a primeira vez que venho aqui.

- Qual o seu trauma Ana? - Seus olhos penetram minha alma e todos olham para mim, por uma razão estranha, quero contar tudo.

- Eu sofri um acidente com meus pais há três anos, estive em coma durante todo esse tempo e acordei há poucas semanas. Desde então estou sendo assombrada por aparições que não sei se querem me matar ou me ajudar.

Todos me encaram, - Que merda foi essa? - estão em silêncio, apenas me olhando e não sei se vão rir ou me colocar para fora. A moça a três cadeiras a esquerda depois da minha, é a primeira a se manifestar.

- O que elas dizem? - Pergunta e parece que não preciso mentir sobre nada.

- Não dizem, me machucam. - Levanto o braço enfaixado e cheio de pontos.

- Eu também vejo coisas - Ela diz - Trevas, puras trevas.

- Tudo bem - O doutor interrompe - Vamos focar no que é importante pessoal, lembrem-se, essas imagens estão apenas em suas cabeças, frutos dos traumas de vocês, não são reais.

- O doutor não acredita em nós - O cara gordo ao meu lado se manifesta. - Perdemos tempo aqui, todos vemos assombrações, aparições, mas ele nos ignora.

- Por favor Bob, eu já lhe expliquei - Diz Garry - É a mente de vocês lhes pregando peças, são seus medos encubados.

- Sonhos - Interrompo - Não machucam pessoas. Pessoas machucam pessoas. Espíritos machucam pessoas. Eu não fiz isso em mim - Levanto meu braço para todos verem.

- Então quem fez Ana? - Garry me instiga.

- O próprio ser das trevas, a criatura que mais temo na face da terra, neste e num outro mundo, caso exista. - O doutor solta uma gargalhada, não está sendo profissional.

- Ora Ana, você precisa entender que tudo isso pode ter sido apenas um sonho ou até sonambulismo.

- Não é sonambulismo - A moça volta a falar - Todos nós acordamos sem nos lembrar direito dos nossos acidentes e quando tentamos nos lembrar de algo, sentimos essas malditas dores de cabeça. Eu me lembro do meu marido ensanguentado agonizando ao chão e alguém me segurou. Quando penso em seu rosto eu...

Ela não termina, apenas cai no chão se debatendo, já vi isso antes. O doutor pede para chamar a emergência enquanto afasta as cadeiras de perto dela. Me aproximo dela, quero ajudar e quando chego ela segura meu braço com força, olhos negros até a esclerótica, seu aperto faz minha ferida sangrar e manchar as bandagens. Seu rosto cola no meu e ninguém faz nada, todos param e observam.

- Sua vadia, ele tudo sabe, tudo vê, seu pesadelo está só começando!

Sua voz não é a mesma, se parece com a dele. Garry se afasta, está aterrorizado, ouço choro enquanto outros correm para fora do auditório.

Ela solta meu braço, puxa uma faca de seu bolso, ela vai me matar. Eu vim aqui para isso? Mas ela corta o próprio pescoço e usa o sangue para escrever no chão.
Ela não olha o que escreve, parece estar em transe, tem muito sangue, o doutor corre e estou sozinha com uma suicida e suas palavras escritas com sangue no chão:

"Volte Ao Início".

E o medo toma conta de mim.

DARKNESS - Livro IOnde histórias criam vida. Descubra agora