PISTA UM

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Amanheceu, voltou a escurecer e eu fiquei aqui, apoiada no parapeito do coreto, olhando o lago, esperando o momento certo, sem fechar os olhos. Não posso me dar ao luxo, não posso arriscar agora.

Decidi não ir à polícia, o que vou dizer?

- Olá policias, meu namorado foi sequestrado por um trio feminino do além, a única pista que tenho, me foi entregue por sua irmã que está em coma. Já sua avó, disse que está tudo bem, que ele não mora com ela e já não era sem tempo ele ter sumido.

Suspiro com a ironia, mas sinto as lágrimas rolarem. Que ele esteja bem. Eu vou ter que agir por mim conta e risco. Não importa, eu não preciso dormir mesmo.

*****

Acredito que ela deva estar dormindo, são onze horas e estou em cima do meu telhado aguardando... Pulo como um gato em seu telhado, entro por uma janela lateral que dá num corredor, parece com o de casa, então estou no sótão dela. Espero entrar no quarto certo, me aproximo da primeira porta à direita e por uma fresta vejo a Sra. Thompson dormindo tranquilamente, como ela consegue? Matt está desaparecido e somente eu pareço me importar.

Vou para a segunda porta, um segundo quarto, deve ser o dele. Étão arrumado, uma cama de casal, escrivaninha, livros, muitos livros, me sento na cadeira e começo a vasculhar a mesa abrindo livro por livro e gaveta por gaveta. Só preciso de um rabisco, apenas um, vejo seus livros, muitos sobre direito, ele teve que trancar sua universidade, seria um ótimo advogado ou juiz, eu acho, sei lá.

Encontro um caderno embaixo dos livros, pego-o tentando não fazer barulho e falho, derrubo todos os livros da mesa, corro para debaixo da cama esperando a Sra. Thompson aparecer a qualquer momento. Espero por minutos que mais parecem horas, mas ela não aparece e então volto para a mesinha, acendo o abajur e ilumino o caderno com o nome de Matt na primeira folha.

São... Frases e... Poemas? Matt escreve essas coisas? Jamais iria imaginar, ele é surpreendentemente incrível!

"O beijo é a menor distância entre dois apaixonados".

Essa eu já conhecia, não é dele, talvez ele só escreva as frases que lê por aí.

"Seus olhos são como o mar, misterioso, belo e perigoso, mas ainda assim, quero me perder nesse mar".

Que lindo! Essa eu não conheço e vejo sua assinatura embaixo:

"Matthew Thompson".

Matt, meu Matt, onde você está?

Folheio mais um pouco me perdendo em sua escrita, pego o papel em meu bolso e comparo as letras, é dele, esse bilhete é dele, minha primeira pista, ele está vivo, ele sabe de algo e sabia que eu iria em sua busca, deixou um aviso para mim, eu vou te encontrar Matt, nem que seja a última coisa que eu faça.

Meu pé esbarra em um livro "O Sol é Para Todos", o típico livro das salas de aula do ensino médio, o pego e analiso sua capa, folheio-o e cai uma folha de caderno no chão, pego-a já a desdobrando, é a escrita de Matt.

"Não coloque em pausa nenhuma parte de algo que te faça feliz".

Não Matt, não colocarei. Não desistirei de você, por nada e por ninguém.

- Como se atreve?

A Sra. Thompson está na porta e me levanto rapidamente escodendo a folha no cós da minha calça, nas costas.

- Eu precisava falar com Matt - Minha voz sai trêmula - Ver se estava aqui - Quero discutir sobre ela não dar importância ao sumiço do neto, mas decido mudar a abordagem - Desculpe, não quis lhe acordar, sabia que já estava dormindo a essa hora.

- Dormir? Você acha que facilitarei as coisas assim? - Do que ela está falando? - Dormir é a forma mais fácil de me pegarem - Ela ergue seu dedo enrugado novamente - Jamais me dominarão tão facilmente, eu não sou quem sou à toa. Agora saia da minha casa ou descobrirá o quanto de trevas tenho em mim.

Ela conseguiu me assustar, "Trevas", tenho um problema sério com essa palavra. Corro passando por ela, o ar gelado entre nós. Desço correndo as escadas, destranco a porta, saio, fecho-a e fico parada na varanda observando a escuridão da rua. Sou surpreendida pelo barulho da Sra. Thompson trancando a porta atrás de mim - Como ela desceu tão rápido? Ela parece na janela ao lado - Nos encaramos um instante e saio de sua varanda, o clima está estranho.

Entro em minha casa lembrando das palavras do Sr. Luke "Todos temos trevas em nós", até mesmo a Sra. Thompson, ou Matt e Andy, mas principalmente eu. Me sento no sofá, está frio e finalmente reflito sobre o inevitável, sem Matt os pesadelos e alucinações voltarão e talvez até piores agora que o assassino sabe que estamos em seu encalço, que ele não tenha encontrado Matt, que não o tenha pego, por favor não.

Ligo a TV e me deito no sofá, deixo o volume bem alto, preciso parar de pensar negativamente, isso pode atrair coisas ruins para Matt e agora o que preciso fazer é me manter acordada.

*****

- Ana? - Abro os olhos lentamente.

- Matt? - Me levanto meio dolorida do sofá - Onde você esteve? Procurei você a noite toda.

- Me desculpe, eu precisava encontrar algo.

- E encontrou?

- Sim - Ele parece triste - Eu sei quem é o assassino e infelizmente eu o conheço muito bem.

- Ei Matt - Quero consolá-lo, a dor deve ser imensa - Vem cá - O abraço com força - Você está... Gelado?

Seu corpo está frio como o gelo, me solto de seus braços e o que vejo me estremece por completo. Matt tem o tronco torto, como se sua coluna estivesse quebrada e seu peso a jogasse para o lado em uma posição impossível, ele está sem os olhos - uma das partes mais lindas de seu rosto - Escorre gosma preta do canto de sua boca e saio do sofá em direção às escadas, tropeço e começo a subi-las de costas me arrastando. Matt vem, rastejando de joelhos em minha direção, torto e deformado, clamando por meu nome, ao chegar no primeiro degrau cai de bruços sobre ele e sobe se puxando pelas mãos, a visão é assombrosa, a cada degrau que ele sobe, eu subo mais um e meu pânico também.

- Ana! - Ele sussurra.

Os buracos em seus olhos me assustam mais do que tudo, sua imensidão azul inexistente. Ele sobe, eu subo. A escada parece não ter fim. Escorrego dois degraus e ele agarra minha perna. O negro de seus olhos em mim.

- Você é uma garota morta sua vadia!

Sua mão parece ser puro fogo e sinto-a penetrar minha calça e queimar minha pele. O pânico toma conta do meu ser, grito por socorro, mas ninguém surge para me ajudar. Coração disparado, pernas fracas, dor no peito, respiração ofegante, acho que vou morrer, preciso lutar, chuto Matt com força e ele escorrega para o andar de baixo novamente, ele torna a subir e eu chego ao último degrau, sentindo um toque de fúria em meus ombros. Seu rosto surge depois, ao meu lado, colado ao meu, a velha amaldiçoada me abraça e é como se morte e trevas estivessem unidas a me abraçar também.

Isso não é pânico, é o medo materializado. Não poderei te salvar Matt. Me perdoe.

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