A GAROTINHA ENSANGUENTADA

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Seu beijo é quente e ele me abraça com vontade. Ele consegue me fazer querer muito mais com tão pouco. Sinto o clima esquentar, ele aperta minha cintura com força. Ele me quer! Ele me deseja e eu o desejo também. A alça da minha camisola desliza pelo meu ombro esquerdo e só penso em tirar tudo agora, mas somos interrompidos.

- O jantar está pronto! - A Sra. Thompson ainda está aqui?

Subo minha alça rapidamente e ela está parada no batente da porta nos observando friamente. Matt se levanta sem graça e sinto meu rosto queimar. Ela ignora toda a cena e desce, em seguida Matt e eu me escondendo atrás dele.

A mesa está colocada, finalmente uma utilidade para a cozinha, nada de comidas congeladas hoje. Tem arroz, purê de batatas, molho, ervilhas e carne assada - com um cheiro maravilhoso - Quanto tempo eu dormi? Olho para o relógio do microondas, são dez da noite, isso não é hora de jantar, mas dane-se, estou morrendo de fome.

- O cheiro está maravilhoso Sra. Thompson. Obrigada pela ajuda de vocês - Olho dela que está na ponta da mesa para Matt que está em frente a mim.

- Humpf... - Diz com desdém colocando um pedaço generoso de carne assada em meu prato e não fala mais nada.

Matt me encara com um olhar de desculpas pela atitude da avó e lhe devolvo um olhar sereno dizendo que está tudo bem. Encho meu prato com tudo o que tem na mesa e me sirvo com um copo imenso de suco de laranja, está tudo delicioso, a Sra. Thompson não se esqueceu de como cozinhar bem. Matt não toca na comida, será que já comeu?

- Vovó, lembra quando me disse que estava tendo alguns sonhos ruins? - Paro o garfo no ar e olho para Matt censurando-o, mas ele me ignora - É possível os sonhos se tornarem reais? Tipo, você se machuca no sonho e acorda machucada?

A avó olha dele para mim, me fita um momento e começa a falar sem deixar de me encarar:

- Tudo é possível crianças! Principalmente aqui - Ela balança a cabeça como se lembrasse de algo - A Prudence, nossa vizinha mais velha me disse que fugir dos sonhos não é bom. Deixar de dormir pode te levar ao coma - Ela levanta seu indicador novamente, agora em um tom de atenção - Acreditem crianças, se ficarem sem dormir por muito tempo, podem acabar desmaiando e entrando em uma espécie de coma do sono e isso sim pode ser terrível.

- A senhora deixou de ter pesadelos? - Pergunto interessada.

- Não - Ela coloca uma quantidade razoável de purê na boca e fala de boca cheia - Aceitei meu destino - A encaro com atenção esperando ela terminar de engolir a comida - Todos temos um destino menina - Ela toca em minha mão - Você precisa saber o seu! - Diz ela sussurrando.

- E como eu faço isso? - Parecemos duas garotinhas contando um segredo como se Matt nem estivesse aqui.

- Ouça o que elas dizem!

Elas?
A olho assustada. O que ela sabe sobre "Elas"? A garotinha, a jovem e a velha. Ou é sobre os sonhos, as vozes nos sonhos, as alucinações? Prefiro não dizer nada e volto a me entupir de purê e ervilhas.

*****

- Tem certeza de que não quer companhia? - Matt me pressiona.

- Eu vou ficar bem Matt, confie em mim. Nós dois temos muito em que pensar. - A Sra. Thompson passa entre nós dois sem se despedir, acho que esqueceu-se - Sei que não acredita em mim, que não acredita nisso - Mostro-lhe a queimadura em meu antebraço - Mas quero apenas que se pergunte: E se for possível? É assim que vai me ajudar. - Lhe dou um sorriso fraco e ele me retribui com um beijo casto em meus lábios.

- Boa noite Ana, estarei no telhado se precisar - Ele pisca e eu me derreto.

Já são onze e meia, não vou dormir tão cedo. Preciso de um banho, um banho de verdade. Sem Matt ou Sra. Thompson me limpando. Preciso relaxar.

*****

Abro a torneira da banheira e aguardo enquanto ela enche. Retiro as bandagens dos meus pulsos. Os cortes estão como em meu sonho, superficiais, mais alguns dias e estarão completamente cicatrizados, é só eu me cuidar. Tiro minha camisola e fico envergonhada ao pensar em Matt a vestindo em mim. Que vergonha Ana!

Entro na banheira e fecho a torneira e o box. A água está quente, no ponto certo e me afundo nela segurando minha respiração como uma nadadora profissional e ficando totalmente submersa. Quem sabe alguns segundos assim possam me ajudar a relaxar. Meus pulsos ficam para fora da banheira. Olho primeiro para o direito e ao olhar para o esquerdo, vejo a garotinha me observando pelo vidro do box, quase engulo um litro de água e me levanto rapidamente tossindo. Não vejo ninguém. Será que cochilei debaixo d'água? Recosto minha cabeça na beirada da banheira, fecho meus olhos e ouço um pingo forte, uma gota intensa. Acho que é a torneira atrapalhando meus devaneios, tenho que fechá-la. Abro os meus olhos e água é grossa, mas não é água, é sangue! Estou submersa em uma banheira com sangue e as gotas que caem da torneira são ensurdecedoras.

Tento me levantar e ao me apoiar para abrir o vidro, dou de cara com a garotinha, ela está ensanguentada e acabo me desequilibrando e caindo de novo na banheira. Olho novamente para a lateral, mas ela sumiu. Respiro fundo. Tem muito sangue. Fecho meus olhos e abraço minhas pernas, preciso enfrentar isso, preciso ouvi-las. "Ouça o que elas dizem!", me lembro das palavras da Sra. Thompson e então abro os meus olhos, mas não vejo nada, nem garota, nem sangue, está tudo normal. Uma lágrima escorre pelo meu rosto e a deixo rolar.

- O que você quer de mim? - Digo entre soluços e ao piscar os olhos, tudo fica frio e obscuro e ela está lá, em frente a mim. A garotinha em seu vestido azul celeste imaculado e de cabelos louros como o ouro. Me encolho na banheira cobrindo meu corpo com as mãos e ela apenas me observa. Ela me estende sua pequena mão, abro o vidro do box e mesmo com medo, eu a toco.

Tudo gira, vejo apenas escuridão, depois lençóis sujos de sangue. Estou sozinha em um quarto, nua, vejo uma toalha pendurada e a uso para me cobrir. Parece a cena de um crime, a garotinha ressurge ao meu lado e está coberta de sangue.

- Vem! - Sua voz é doce - Vou te mostrar onde meu papai guarda as armas.

E a bile sobe à minha garganta.

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