DARKNESS - Livro I

GAROTA ZUMBI

Três garotos. Certo. Três garotos, uma garota. Isso. Ok. Três garotos, uma garota e Trevor Bayne. Como eles não se incomodaram com a presença dele? Começo a pensar que talvez somente as vítimas principais o enxerguem de início, eu tenho que levar tudo em consideração agora. Ele é um buscador de almas, trabalha para mandar pobres almas para o inferno, ele vive alimentado de medo, dor e morte, logo, ele não é exatamente um ser humano. O que ele é? Parece loucura tudo isso, mas se vejo almas, rostos deformados, caras sem olhos e dentes pontiagudos, eu realmente preciso cogitar que realmente o inferno existe. Aliás, a esta altura do campeonato seria muita ignorância da minha parte não acreditar nisso. Trevor pode ser um demônio. Eu vi sua face real, sem olhos, com larvas saindo de seus orifícios faciais, o cheiro de morte. Acho que ele já foi humano, mas pela decomposição de sua carne e corpo, foi humano há muitos anos, eu diria uns dez anos pelo menos, mas não sou uma grande entendedora de necropsia. 

Caminho à esmo pelo quarto, são cinco da manhã, pelo menos consegui dormir um pouco e o pesadelo não foi tão terrível, foi na verdade um aviso, talvez eu deva fazer algo sobre isso. Talvez agora tudo mude e meu dever seja impedir que Trevor mate mais pessoas inocentes. Mas como matar um demônio? Pelo que vejo, não é igual nos filmes, nem um pouquinho sequer.

Aquela garota não estava exatamente sendo enganada por Trevor, não foi ele quem matou aqueles garotos, foi ela. Ele a instigou. É possível que ele hipnotize ou possua uma pessoa para que esta cometa tal atrocidade? Preciso pensar, preciso descobrir, não é nada fácil ter uma vida normal em um dia e no outro lidar com esse tipo de coisa. Fantasmas, demônios, aparições, visões, assassinatos, isso é coisa de filme de suspense e terror, não da vida real. Eu jamais imaginei que coisas sobrenaturais assim pudessem existir. E eu que pensei que minha vida era complicada, eu é que era. Se eu conseguisse me lembrar de mais coisas, coisas de antes. Como sempre, as primeiras lembranças que me vêm à cabeça são as de minha infância, mas e minha adolescência? Onde essas lembranças foram parar? É possível que eu tenha sofrido um bloqueio devido a algum trauma? Algum trauma além do acidente dos meus pais é claro. Já li algo sobre isso, a pessoa sofre um determinado trauma e acaba sofrendo um bloqueio de memória, ela ignora o trauma sofrido e o apaga de suas lembranças. Talvez se eu tivesse apagado o trauma do meu acidente não estivesse vendo essas coisas agora. Mesmo com Trevor em meu encalço, morrer sem saber é melhor do que saber que vai morrer a qualquer momento por conta de um psicopata do inferno.

Vou até a cozinha pegar um copo d'água, me encosto na pia, bem no local onde cometi aquela bobagem. Analiso meus pulsos, dormi por seis dias, não há pontos, haviam pontos horríveis, mas somente no sonho, de qualquer forma, seis dias é pouco tempo para cicatrizar tão bem cortes tão profundos. Estranho. Reflito sobre aquela noite, eu queria acabar com essa tormenta infernal e fui parar em uma pior. Trevor queria que eu fizesse isso, ele está tentando me matar de qualquer forma, então por que ele não me mata logo? Deve haver algo mais, talvez me matar não o permita me marcar, eu tenho que cometer um pecado para isso, certo? Mas... E meus pais? Qual pecado eles cometeram para serem marcados? O que mais permanece oculto no meio de tudo isso? Sem dúvidas, é um mistério complicado de se resolver.

Bebo um gole da água e derrubo o copo com o susto. A garota zumbi me fita do outro lado da mesa. Meu coração já começa a palpitar aceleradamente, é incrível como tudo isso me apavora e meu corpo reage em milésimos de segundos. Vou em sua direção com cuidado para não pisar nos cacos de vidro, depois eu limpo isso, eu sei que ela tem algo para me mostrar e preciso encarar meus temores.

Estou de frente para ela. Seu rosto deformado por cortes e não sei, talvez fogo me deixam desconfortável, ela me estende a mão, pulsos cortados e não cicatrizados, acho que nunca cicatrizarão, é hora de ela me mostrar sua história e pelo que vejo, Trevor a levou a isso, o suicídio, ela é uma suicida, nem precisarei ver sua história para confirmar isso. Toco sua mão e como de costume tudo evapora.

Estamos em uma rua qualquer e pelo visto é daqui mesmo, Cleveland. Avistamos ela caminhando pela rua com Trevor à seu lado. Ela se parece comigo, mas bela e jovem, sem cicatrizes e rosto de zumbi.

- Sabe, eu gosto muito de você, é a única pessoa na face da terra que me entende. - Ela diz.

- Eu também gosto de você. - Ele sorri, o sorriso encantador que engana qualquer um - Você é especial, desde a primeira vez que a vi, eu soube disso.

- Eu também. - Ela diz contente.

- E o que você faria por um amigo? - Aonde ele quer chegar?

- Qualquer coisa. Eu faria qualquer coisa por um amigo de verdade, um amigo igual a você. - Ela o admira.

- Que bom, pois temos uma coisa a fazer. Embora não seja exatamente por mim. - Os dois param de caminhar e ele a encara - Isso será por você, chega de ser injustiçada minha querida. Vamos fazer algo a respeito.

A respeito de quê? Não importa, ela sabe do que se trata e abre um sorriso largo em gratidão à ele. Ele a convenceu de algo e sei que não é algo bom. Tudo evapora e estamos no parque. Ah meu Deus! Os garotos estão aqui! A vejo misturar tudo, entregar à eles e assisto suas mortes. Ela os mata sem piedade. Foi no passado e não no futuro. Por que ela fez isso? Como ele a convenceu de algo tão ruim? Não consigo entender. Então ela sorri e Trevor coloca a mão sobre seu ombro.

- Muito bem querida, você conseguiu. Chega de medo, você é uma nova garota agora.

Ela se vira, se vira para nós e me encara, tem algo de errado com o seu rosto, ele começa a se transformar e ela se torna, eu. Ela sou eu e não sei exatamente o que isso quer dizer, mas estou com medo. A garota zumbi desaparece soltando minha mão e Trevor também some. Estamos ela e eu, a sós. Ana e Ana. Ela se aproxima de mim e sorrindo, diz:

- Ainda quer desvendar Ana? Não há salvação garota morta. Seu fim está chegando. 

Ela agarra meu pescoço com força e assim como Trevor fez anteriormente, a sinto sugar minha vida, se ele não me matou, ela me matará. Seu ódio é o maior de todos. Mas o pior é que acabo de descobrir algo e essa é uma das piores revelações da minha vida. Eu queria me lembrar e seu veneno neste momento me devolve uma memória, uma lembrança muito cruel. Deus, o que eu fiz?