ELES SABEM

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Já é madrugada quando saio de casa e os deixo para trás, meus pais, as pessoas que se apoiam mutuamente apesar de que com isso, estejam apoiando um crime. Meu estômago revira. Eu queria sumir! Sinto tanta raiva, o tempo todo...
Eu pensei que minha mãe ficaria ao meu lado, eu pensei que meu pai assumiria sua culpa e sei lá, faria algo pelo Sr. Luke? E eu pensei que o Sr. Luke seria um amigo descente, quer dizer, ele disse que seria o amigo que eu precisasse, mas quando precisei, ele quis me ensinar que devemos perdoar, que os maus pagam sozinhos, que talvez eu devesse contar aos meus pais. Sorrio pensando nessa grande bobagem. O que meu pai faria? Perguntaria aos garotos como fizeram isso comigo? Lhes ensinaria outras técnicas? "Eu os mataria com minhas próprias mãos". Lembro de suas palavras.

- Não... - Penso em voz alta. - Não os mataria pai.

Caminho em direção ao lago. Pensando. Meu pai é igual à eles. Ele não os mataria. Pego um maço de cigarro do bolso e um esqueiro, é um ótimo momento para começar a fumar, afinal, que futuro promissor eu terei? Um pai estuprador e uma mãe omissa, tenho motivos de sobra para me tornar uma garota problemática, mais ainda do que já sou. Aliás, como minha vida pôde mudar tanto? Eu tinha amigos e pais "razoavelmente" maravilhosos, mas da noite para o dia, tudo mudou. 

Penso no Sr. Luke, sinto sua falta, mas tenho dois motivos bem plausíveis para não voltar a vê-lo: Primeiro, meu pai foi um dos estupradores de sua filha, só aí já temos um motivo que dispensa todos os outros. Segundo, ele não apoiaria minhas escolhas, ele é passivo de mais. Me diria algo como: "Procure a justiça moça... O destino se encarregará de puni-los...". Reviro os olhos.

Chego ao coreto e me apoio no parapeito. Nem dá para perceber que existe um lago ali, apenas a luz da lua se reflete nele, o restante é pura escuridão.

- Escuridão... - Balbucio.

A escuridão do céu quase sem nuvens ou estrelas se funde à escuridão do lago com uma pequena ponta de luz da lua. Luz. Houve um tempo em que eu busquei a luz e fugi das trevas.

- Trevas. - Repito.

Existem escolhas que são irreversíveis e eu fiz uma delas. Como será amanhã eu não sei, mas eu precisava fazer algo. Eu sou só uma garota de quinze anos, não deveria tomar decisões tão difíceis sozinha. Eu tive que escolher, eu tive que amadurecer o mais rápido possível, a dor me fez tomar tais decisões, as escolhas foram minhas e de mais ninguém. Agora eu sou um misto de sentimentos, alguns bons, alguns ruins e outros mais ou menos. Ódio, dor, raiva, tristeza, depressão, alívio, preocupação... 

Observo a escuridão, ela não me amedronta mais. Não é fácil viver na luz em meio a um mundo cheio de trevas. Pelo visto, ficarei por aqui essa noite, mas por incrível que pareça, o sono não me faz falta agora, não faço questão de dormir, só refletir, ficar quieta, no meu canto... Como se eu soubesse o que fazer, acendo o cigarro e o trago com intensidade. Paz... Eu abraço a escuridão da madrugada, pois não tenho mais nada contra ela. Para ser sincera, nesse momento, a escuridão é minha melhor amiga.

*****

São aproximadamente umas oito e meia da manhã, - acredito eu - eu realmente preciso de um relógio. A essa hora, meu pai já deve ter saído para trabalhar, então evitarei contato visual com ele por mais algumas horas. Abro a porta com cuidado, mas sou pega de surpresa:

- Anastacia... -  Ele me encara com atenção, sentado de forma pacífica em sua poltrona velha e minha mãe em pé ao seu lado segurando sua mão. Nojo. - Precisamos conversar.

- Claro Stewart. - Digo me jogando no sofá e apoiando a cabeça em cima das mãos com desdém. Lá vem.

- Ana... - Minha mãe vai me repreender.

- Martha, deixa. - Meu pai a apazígua. Ridículo. - Filha, sua mãe me contou muitas coisas que me deixaram preocupado e...

- Agora você se preocupa Stewart? - Reviro os olhos, eles odeiam quando faço isso.

- Anastacia! - Ele se levanta "quase" furioso e minha mãe continua a segurar sua mãe, como se tentasse acalmá-lo. - Eu não admito isso! Eu sei que cometi erros, mas nunca... - Ele ergue seu indicador trêmulo - Nunca diga que não me preocupo com você filha, você é minha razão de viver.

- Já parou para pensar que Sophia era a razão de viver do Sr. Luke pai?

- Chega Anastacia! Chega! - Ele grita e minha mãe o segura pelos ombros. Me assusto com seu grito e me sento depressa com postura. - Não há nada que eu possa fazer por isso, é passado e eu realmente sinto muito.

- Disse sinto muito para o Sr. Luke pai?

- Stewart! - Minha mãe grita tentando segurá-lo. Merda.

Ele vem para cima de mim com fúria, o rosto vermelho, em chamas... Vou me proteger, mas antes disso o telefone toca e é como se fosse o toque para fazê-lo voltar ao normal, estou salva por hora. E ele fica ali, parado no centro da sala, congelado, me encarando e abaixando a mão aos poucos.

- Alô... - Minha mãe atende após o quinto toque e ao ver que meu pai está voltando à sua cor normal. - Sim, é ela... - Ela não tira os olhos de nós dois. - Sim, entendo... - O telefone está pendurado na parede ao lado da escada e que dá na cozinha, ela encosta ali, os olhos em nós todo o tempo. - Pode me dizer o motivo? - Há algo errado. - Meu Deus! - Ela exclama e meu pai congelado até o momento de frente para mim, se vira para observá-la. - Mas você sabe o que aconteceu? - Realmente há algo errado. - Que Deus os conforte... - Ela parece desligar, mas volta o telefone ao ouvido no último minuto. - Oi... Oi... Escuta... Você sabe me dizer quem são? Os nomes? - Ela aguarda e seu rosto parece empalidecer de repente. - Tudo bem, obrigada.

Ela coloca o telefone no gancho lentamente, não está mais nos observando, olha apenas para o chão, parece estar refletindo sobre algo e então me dirige a palavra, mas ainda olhando o chão:

- Ana... - Ela faz uma pausa dramática, ainda está com a mão apoiada no telefone. - Quais eram os nomes dos garotos que você me disse ontem? - Continua oobservando o chão.

- É sobre isso que querem conversar? - Digo na defensiva. - Já é passado meus caros... - Falo com ironia. É claro que é passado! - Eu não vou me abrir com vocês se é o que querem, não importa mais.

 - Tudo bem filha... - Ela permanece cabisbaixa. - Apenas me diga os nomes mais uma vez... - Ela levanta o olhar para mim, olhos marejados. - Por favor? - Em tom de súplica.

- Ok... - Reviro os olhos, de que vai adiantar saberem agora? Ninguém se importou antes, mas tudo bem, danem-se! - Samuel, Jackson e Josh. - Digo desprezando internamente todos os nomes.

Ela se encosta na parede com dificuldade, parece que vai desmaiar. Meu pai corre para acudi-la e eu me levanto depressa do sofá, quero ajudá-la, mas ele a ampara primeiro e a ergue com dificuldade. O que houve? Fico parada no centro da sala, apenas esperando uma resposta.

- Martha, o que houve? - Meu pai pergunta levando-a até a poltrona. Ela fica de frente para mim ao sentar e me encara.

- A escola cancelou as aulas desta semana... - Ela olha diretamente para mim. Meu coração dispara.

- Mas por quê? - Meu pai a encara ajoelhando-se ao seu lado.

- Três alunos foram encontrados mortos nesta madrugada em uma praça próxima à escola... - Ela permanece com seus olhos em mim, a bile sobe à minha garganta. - Seus nomes eram Samuel, Jackson e Josh, parece que foram envenenados...

As lágrimas escorrem pelos cantos de seus olhos, mas ela não esboça emoção, apenas me encara com seu rosto pálido, meu pai a observa, parece entender seu olhar e então se vira para me encarar também. A atmosfera muda repentinamente, o mundo parece girar e nesse momento, eu sei: Eles sabem...



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