O ABRAÇO DA MORTE

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Sinto o abraço da morte, um gelo terrível, é como se eu estivesse dentro de um frigorífico, cada pedaço do meu corpo está se congelando agora - pelo medo e pela atmosfera mórbida proporcionada por ela - hoje declaro oficialmente que a morte me abraçou, reencontrarei meus pais e talvez, Matt.

- Mãe, pai, estou indo. - Digo dando boas vindas à morte em minha alma.

Sinto ela me soltar e de repente ouço uma gargalhada ensurdecedora, Matt ri também, com seus dentes pontiagudos, as luzes piscam e depois ficam tão claras que não consigo enxergar mais nada. Suas gargalhadas tornam-se ecos e quando a luz volta ao normal, estou sozinha na ponta da escada e chorando como um bebê. Minha luz se foi e agora estou perdida de vez na escuridão.

*****

Não estou com fome, mas talvez cozinhar aqui, agora, em pé, me deixe acordada o resto da noite. Pego sal, um pouco de páprica, queijo e misturo tudo aos ovos, uma omelete vai me manter acordada, talvez depois eu possa escrever ou fazer uma caminhada, dormir jamais. Eles não me pegarão tão facilmente! E ao pensar nisso, me lembro do que a Sra. Thompson disse. Ela já teve pesadelos, eles não foram embora, mas quem quer pegá-la? Será que ela também tem sonhos como os meus? Adoraria saber mais.

Minha omelete ficou horrível, terei que voltar para comida congelada, é o jeito. Me levanto da mesa, jogo a comida no lixo, subo no quarto, coloco uma blusa de frio, desço e saio para caminhar. Pelo horário esperava as ruas mais vazias, mas não, acho que meus vizinhos preferem a vida noturna ou então têm pesadelos como eu. Rio de mim mesma, eles não estão com cara de pessoas atormentadas por meninas ensanguentadas, velhas amaldiçoadas e garotas zumbis, sou a única nesse quesito.

Caminho à esmo pelas calçadas, acho que me perdi - de novo - se parece com... México? Que loucura é essa? Vejo rostos desconhecidos, um restaurante, tem algo escrito e... Acho que isso é espanhol, perdi as aulas de espanhol no ensino médio, que droga. Giro em torno de mim mesma, estou em frente a lanchonete do Sr. Luke e já é manhã. O quê? A cada dia fico mais perdida, eu sei que as ressonâncias não mostraram nada, mas tem algo de errado com a minha cabeça, ora pelas assombrações que vejo, ora pelos lapsos momentâneos. Será que já fui ao México? Talvez essas imagens de outras cidades sejam lembranças, sinto que estou esquecendo algo, talvez um pedaço da minha vida, lembro vagamente do acidente, lembro de sangue, fogo e folhas. Trevas, é disso que mais me lembro, mas acho que tem a ver com o coma, dormir durante anos enxergando apenas a escuridão, nesse tempo devo ter esquecido muita coisa, pois só minha infância é totalmente nítida para mim, de resto, tudo é vago e sombrio.

- Bom dia moça! - O Sr. Luke me cumprimenta assim que entro.

- Bom dia, o de sempre por favor. - Digo me sentando nos bancos do balcão.

- Quanto tempo hein! - Ele diz animado e confesso ficar irritada com tanta animação.

- Verdade - Digo distraída desenhando linhas imaginárias no balcão.

- Por que essa carinha triste moça? - Ele me encara com precisão.

- Eu estou sem chão Sr. Luke - Quero chorar, mas me mantenho firme - Eu sou como um pássaro preso em um gaiola, uma gaiola sem chave com uma tranca de pedra - Me sinto dramática - Como se essa gaiola existisse apenas nas trevas e queimasse como no inferno.

- Inferno - O Sr. Luke toca sua barba como se segurasse seu queixo, analisando a palavra - O que é o inferno afinal moça? - Não sei se é uma pergunta retórica, mas decido ficar calada - Há quem diga que o inferno é a terra, outros, que o inferno é um estado de espírito, vi um filme onde o inferno era tudo isso aqui - Ele gesticula como se suas mãos abrangessem o mundo - Que estava atrás de cada parede e teto, mas somente aqueles com algum dom poderiam enxergar. É possível que tenha um demônio agora sentando aí do seu lado em uma lanchonete paralela - Olho assustada para meu lado - Mas como saber?

Sorrio, ele é genial. Como saber? Onde e como será o inferno? Não há uma resposta, não há como saber se realmente existem céu e inferno, ninguém que foi voltou para contar.

- Obrigada Sr. Luke - Ele serve meu shake predileto e ao prová-lo sinto como se somente ele pudesse resolver meus problemas.

- Onde está seu... Amigo?

- Matt? - Pergunto surpresa - Eu também gostaria de saber - E volto para meu shake.

- Como assim? - Ele se debruça sobre o balcão, nossos rostos bem próximos agora, sua aparência ainda me assusta.

- Eu não sei Sr. Luke, eu simplesmente acordei e ele não estava mais lá.

- Estranho - Ele se ajeita em pé novamente coçando seu queixo por cima da barba.

- Sim, muito estranho, mas vou procurá-lo.

- Está certa disso? - Ele diz como se estivesse me fazendo mudar de ideia.

- Sim, estou.

- Sabe moça - Ele pega uma copo e o seca distraído - Em uma jornada de busca, podemos encontrar muitas coisas, coisas que queríamos encontrar e outras nem tanto. É preciso estar preparada para isso - Ele pisca para mim.

- Acho que depois de tudo o que tenho vivido, estou preparada para tudo. Luz, trevas. - Faço uma análise momentânea - Uma vez o senhor me disse "Todos temos trevas em nós", mas é possível que uns tenham mais trevas que outros?

- Moça - Ele me olha com seus olhos negros e sua barba assustadora, mas sua fala é dócil - De vez em quando, levamos surras e pancadas da vida, mas é preciso passarmos por isso para entendermos que em meio à neblina haverá obstáculos e para ultrapassá-los é preciso deixar de lado alguns objetivos e focar no certo, pelo visto, você está tentando isso, mas parece presa por alguma razão, não na neblina, pois ela é clara, e sim na escuridão. E sim, é possível uns terem mais trevas do que outros.

Ele sabe o que diz, é na escuridão que estou presa, Matt era minha neblina, a claridade em minha vida e eu sou as trevas, a escuridão. Encaro o Sr. Luke por alguns instantes, foi uma ótima conversa.

*****

Entro em casa, está tudo muito bem iluminado e em vez de sentar no sofá onde nem sempre a luz bate, sento-me abaixo da janela, abaixo da luz do sol, quem sabe se fechar meus olhos aqui, eu esteja mais próxima de Matt, da luz.

- Ana? - Levanto minha cabeça, é Andy, está imaculada.

- Andy? Onde ele está? O que você quer?

Ela me estende a mão, tem um bilhete, pego-o e antes de abri-lo olho para ela mais uma vez, ela se foi, abro o bilhete e é a letra de Matt.

"Oneida Lake".

E eu sei, é uma nova pista.

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