REFAÇA SEUS PASSOS

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Ainda estou parada em frente a porta de entrada da minha casa. Ele se foi? Isso aconteceu de verdade? Ele se dissipou em uma névoa branca, assim como a velha o fez em meu carro após me mostrar o que havia acontecido com ela. Eu sei que ela morreu, mas e Matt? Essa não foi a primeira aparição dele, mas pelo menos foi a primeira aparição em paz. Ele sempre aparece deformado e gelado, mas desta vez foi diferente, senti seu calor, seu amor, seu toque. Será que Trevor está por trás disso?
"Eu não estou com ele!", ele me disse isso na terapia do hospital uma vez. Se ele disse a verdade, será que minha ligação com Matt é tão forte que ele veio do além para falar comigo? Não, eu me nego a crer que ele esteja morto. Não faz sentido!

Matt desapareceu após se lembrar de quem matou seus pais. Ele está em busca de algo. Talvez, igual a mim, ele possa se comunicar com algumas almas. E se ele pediu para que elas me enviassem essa mensagem? Ele sabe de algo, disse que me tempo está acabando e que o perdão é o primeiro passo, mas que nem todos o seguem. O que isso quer dizer? Não sei, mas sinto lá no fundo que após toda essa luta travada com Trevor e um mundo obscuro, Matt será meu destino final, eu sei disso porque eu desejo isso. Eu tenho que enfrentar meus medos e finalmente poderei encontrar Matt, só preciso resolver minhas pendências primeiro, pois sinto que tudo de alguma forma está interligado, o meu destino e o de Matt, talvez até o de Andy. Eu sou a chave e não me darei por vencida, mas por hora, continuo aqui, de frente para a porta, onde Matt desapareceu e só sinto vontade de chorar.

*****

Estou no coreto, olhando o lago quase invisível por conta da escuridão da noite, sempre faço isso quando preciso refletir sobre algo e de que adiantaria me deitar e dormir? Não conseguiria realizar esse feito mesmo. Paz é uma coisa muito distante de mim agora. Prefiro ficar aqui refletindo sobre tudo e ultimamente tenho muitas coisas para refletir. Sinto um aperto no meu coração. Devo voltar ao início e penso: "início de que?".

- Relembrando os velhos tempos baby? - Sua voz me congela a alma.

- O que você quer? - Digo assustada me virando para ele.

- Ora, ora Ana - Ele desdenha tirando seu chapéu e vindo em minha direção. - Eu quero o que todos querem... - Para e abre os braços como se estivesse apresentando as pessoas "imaginárias" à sua volta. - Felicidade.

- Acho que temos conceitos diferentes de felicidade Trevor - Digo de forma impetuosa, mas o medo faz meu corpo tremer, ele tem esse poder sobre mim.

- Pode ser - Ele dá de ombros e passa por mim se apoiando no parapeito. - Sabe... - Ele suspira falsamente brincando com seu chapéu - Foi aqui que nos conhecemos Ana. Exatamente aqui. - Ele se vira para mim colocando seu chapéu na cabeça novamente e sorri, só enxergo trevas.

- Eu não acredito em você Trevor, você pode fazer muitas coisas, mas não vai me confundir, você quer me enlouquecer, mas não vai conseguir - Tento soar o mais ameaçadora possível, mas por dentro estou clamando por socorro.

- Ah baby... - Ele toca meu rosto com as costas de seu dedo indicador e como de costume sinto minha pele congelar. - Sabe qual a diferença entre nós dois? - Permaneço inerte - É que eu não minto para ninguém, mas você A-N-A... - Diz sussurrando lentamente o meu nome - Mente para si mesma.

- Você n, não vai me confundir de novo Trevor, essas imagens na minha mente - Me afasto dele atordoada e fugindo de seu toque sombrio e congelante - Você pode colocá-las quantas vezes quiser, mas não são quem eu sou e muito menos são reais.

- Tudo bem... - Ele sorri - Continue acreditando que você é um anjinho querida Ana - Ele volta a se aproximar - Seu fim está próximo e ninguém sua vadia, ninguém poderá lhe salvar! - Ele diz em tom severo e ouço a própria voz do demônio saindo dele.

- Você não...!

Sou interrompida por seu toque gelado que segura minha mandíbula com força e me levanta do chão sem esforços. Sinto-o sugar - como da primeira vez - a minha alma. Tudo se congela por dentro e só sinto medo, pavor, terror. Trevas. Ele aproxima sua boca ainda mais da minha, como se fosse me beijar, o beijo da morte. Mas ele apenas fala, voz de mil demônios, hálito de morte...

- Eu tirei, tiro e vou tirar tudo o que é importante para você sua vadia! E agora... - Ele sorri e olha no fundo dos meus olhos - Não falta quase nada.

Ele me arremessa com força, voo além do coreto caindo com força no gramado e vou perdendo os sentidos enquanto ouço-o cantarolar ao longe sua canção sombria de ninar:

- Ela virá te buscar...
Você não irá escapar...

*****

Me levanto do gramado com dificuldade, sinto dor por todo o corpo, a pancada foi grande. Dor, muita dor. E desespero.
Sinto que a cada vez que Trevor me toca, uma parte de mim se esvai, restando apenas o horror. É assim que ele vai sugar minha alma por completo?

Estou perdida no tempo, a noite parece mais escura do que de costume, mas pela ausência de pessoas por perto, já deve ser madrugada. Há quanto tempo fiquei desacordada? E ninguém me viu por aqui? Não que eu seja de muitas amizades, mas meus vizinhos realmente não são os mais amistosos pelo visto.

Ando mancando pelo gramado, preciso me deitar, não dormir, apenas deitar. Mas confesso que sinto muito cansaço e sono.
Ouço o som de galhos se quebrando, olho para trás e nada. Volto para meu caminho e a velha me pega pelo pescoço. O sinto queimar.

- Por que você fez isso Ana?

Ela me pergunta, já me erguendo do chão, não sei quantas agressões mais meu corpo irá aguentar. Mas sua voz, sua voz não parece aquele som de mil vozes e bramir de ursos. Me parece familiar, muito familiar.
Ela chora e eu também, não sei porque, mas me sinto mal e triste. Porém, o calor de sua mão em meu pescoço me queima e tira minha concentração. Tento me soltar, mas antes disso, ela mesma me joga ao chão, a poucos metros a frente dela e se meu corpo já estava dolorido, agora não aguento nem levantar.

Ergo com muito custo minha cabeça buscando sua silhueta nas sombras, mas vejo Andy, ajoelhada ao meu lado. Ela me toca e sinto seu gelo sobrenatural.

- Você não tem mais salvação Ana... - Sua voz é doce, mas me amedronta - Seu tempo está acabando. Refaça seus passos.

Ela se evapora, assim como Matt, assim como a velha. Meu tempo está acabando, devo refazer meus passos e sei por onde começar.

Meu coma.

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