Lost in fate

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  Morgana está sumida faz meses e o estado do rei só piora, o vemos definhar a cada dia, é como vê-lo morrer lentamente, a cada hora uma parte boa da sua alma, o pouco que ainda restava, apodrece pela depressão e raiva. É praticamente impossível tentar falar com ele sobre qualquer coisa, pobres inocentes que arriscam suas vidas para chegar até a capital em busca de ajuda retornam aos seus vilarejos desapontados e de mãos vazias. Para o rei todo mundo é culpado pelo desaparecimento de sua protegida, e todos pagarão por isso.
Eu perdi meu trabalho com tudo isso. Arthur e Merlin passaram semanas trabalhando em conjunto para encontrar outro para mim. Se fosse só eu, poderia viver facilmente fazendo todas as refeições na enfermaria com Gaius e aproveitando para tomar um banho por lá, mas tenho que tomar conta de Davi, um bebê de poucos meses que pouco faz além de dormir e chorar, mas que já amo como meu próprio filho. Mesmo que Arthur pague todas as despesas e forneça tudo o que ele precise para sobreviver, os suprimentos não são suficientes para nós dois. Mesmo que ele teime sempre querendo me dar as coisas de graça, eu não aceito. Como poderia? Arthur tem as melhores intenções, mas as piores ideias.
Quando ele descobriu que eu sabia cozinhar, me perguntou se eu gostaria de trabalhar na cozinha do castelo. Não fiquei muito animada com a ideia, ter que acordar todo dia na madrugada, passar quase o dia inteiro nas masmorras e longe do sol. Ele disse que eu poderia ser a chefe, que poderia preparar o que quisesse e ensinar todas as comidas típicas da minha terra natal para todos os outros cozinheiros e apresentá-las ao rei, que ele tinha certeza que iria adorar. Então aceitei, não imaginava que Morgana ficaria dois anos desaparecida e que já iriam se passar três anos desde que cheguei aqui.
Davi está prestes a completar um ano, ou é o que meus cálculos dizem. Quando o encontramos na floresta, ele era tão pequenino que não deveria ter mais do que duas semanas, então decidimos comemorar seu aniversário no dia em que ele recebeu sua nova família. Arthur sai escondido do castelo todas as noites e vai nos visitar, sempre trazendo algo novo, seja flores para mim ou novos brinquedos para Davi, que se agita todo quando vê a cabeleira loira de Arthur passando pela porta. Ele ainda não consegue falar, mas Arthur tenta todas as noites ensiná-lo a dizer "papai".
Merlin cumpriu com sua promessa. Sempre que eu recebia alguma folga durante o dia ele me levava para algum lugar afastado para que ele pudesse me ensinar as coisas básicas sobre magia. Ele me emprestou alguns de seus livros, com feitiços e poções, para que eu pudesse dar uma olhada e talvez gravar em minha mente alguns deles, mas o livro era grande e empoeirado, mais pesado do que qualquer outra coisa e quase não conseguia segura-lo com minhas duas mãos.
_Vamos, America, se concentre!- Merlin diz já impaciente. Respiro fundo mais uma vez, provavelmente já fiz a mesma coisa umas cem vezes na última hora, mas simplesmente nada acontece. Recito as palavras, provavelmente digo errado afinal nem sei que língua é essa, mas meus olhos não ficam amarelos e nada se move.
_Estou concentrada!- retruco.
_Inspire e relaxa. Pense que a magia é como o seu sangue, fluindo pelo seu corpo naturalmente. Diga o feitiço e sinta a magia atravessando seus músculos até chegar em sua mão. Você consegue. - completa sorridente.
Sussurro as palavras, baixinho e para mim mesmo, como se para que o magia em meu sangue saiba que estou falando diretamente com ela. Idiotice? Com certeza, mas pareceu funcionar. Não tenho ideia se meus olhos mudaram de cor como os de Merlin, ou se foi ele que fez isso para que eu ficasse um pouco mais feliz e motivada, mas o vaso levitou, poucos centímetros da pedra, mas já é um começo. Abaixo a mão e pulo de felicidade, a tempo de ouvir o objeto quebrar no chão, tendo ficado poucos milésimos de segundo no ar. Suspiro decepcionada e Merlin me abraça feliz.
_Você conseguiu! Você conseguiu!- ele percebe que não compartilho de seu entusiasmo. - Hoje foi isso, mas amanhã poderá ser muito mais. Quanto mais treinar, mais coisas alcançará. Tenha paciência. - sorrio grata.
_Muito pouco em comparação ao que você faz...- suspiro.
_Um dia conseguirá fazer tudo o que faço.- ele tenta me animar, mas sei que mente.
_Não se preocupe, sei que não vou, afinal não é a toa que todos falam de você no futuro e de mim não.- dou de ombros.
_Pode ser, mas você é especial, America Singer, não são todos que podem viajar no tempo.
_É... Pode ser.
_Só tome cuidado, tudo bem. É perigoso. - finjo que escuto mais um de seus sermões. Serio, ele está parecendo Gaius falando.
_Não existe um clube de feiticeiros, não? Não preciso fazer uma cerimônia de iniciação ou assinar alguns papeis pra provar que faço parte?- ele me olha impassível. - Não? Tudo bem. - desisto de provocá-lo.
_Estou falando sério, America. - ele não sorri para mim. - Você ouviu o que o dragão disse, você tem um dever a cumprir e se continuar brincando, não acho que conseguirá fazê-lo. - paro de andar e o empurro de volta para a clareira.
_Você sabe o que ele quis dizer?- ele nega rapidamente. - Você sabe!- acuso- Como não me contou?
_Me desculpa, achei que conseguiria descobrir sozinha e mesmo se não tivesse, acreditei que poderíamos esquecer isso.
_Esquecer?- berro e agradeço por estarmos no meio do nada sem ninguém para nos ouvir. - Como posso esquecer? Ele me disse que posso voltar para casa, Merlin! Como pode fazer isso comigo?- ele abaixa a cabeça envergonhado.
_Tecnicamente você só voltará se cumprir o seu destino.- ele dá ênfase na última palavra, soltando seu sarcasmo.
_Eu sei.- me sento no chão, acabada.- Como você consegue?- imploro e ele se senta ao meu lado.
_Eu não consigo. Todo dia é uma tortura. É como ter o peso do mundo nos ombros.- suspira.
_Porque não some e vai embora?
_Porque desistir seria trair quem eu sou.- ele me abraça e olhamos o céu em silêncio.
_Então não tem como fugir? Tenho que ficar aqui até tudo acabar?- sofro com o pensamento.
_Imagino que sim, America. Não acho que voltará para casa, mesmo que você acredite que sim.
_Cala a boca, Merlin! Eu vou voltar para casa, vou ver minha família, independente do que custe.- retruco ríspida.
_É isso que quer? Nos deixar aqui? Eu e Gaius? Deixar Davi para trás? Se separar de Arthur? Porque se for, então eu estava enganado sobre você. - ele me dá as costas, decepcionado e some na escuridão das árvores. É o que eu quero? Voltar para casa vale realmente a pena se chegarei lá com um coração partido e mais saudades do que eu gostaria de admitir? Mas ficar e nunca mais ver meus pais e meus irmãos? Continuar em uma terra sem luz e água quente?
_Me desculpe, não foi o que eu quis dizer. - tento me desculpar e ele se vira para mim, voltando a caminhar em minha direção.
_Eu não deveria ter citado o assunto. - complementa.
_O que eu tenho que fazer?- berro para o céu, mas obviamente não recebo nada como resposta.
_Não é tão difícil descobrir. - o olho confusa. - Veja bem, ele disse que seu destino era decidir quando o meu terminaria, certo?- assinto com a cabeça para que ele prossiga. - Eu tenho que manter o traseiro de Arthur na linha e fora de perigo enquanto ele nos guia para o Reino de Albion e todas as maravilhas que vêm acompanhadas.
_Acho que você nunca havia me dito isso. - comento e ele dá de ombros.
_ Meio que já acostumei a fazer tudo e não ser reconhecido. Invisibilidade às vezes é bom.
_Sabe que ele faria tudo diferente se contasse a verdade, não é mesmo? Ele seria grato por todas as vezes que o salvou.
_Talvez. - sigo seu olhar pensativo até um pássaro bicando o tronco de uma árvore.- Mas não posso arriscar.
_Continue o que estava dizendo antes, por favor.- peço e ele parece voltar para a Terra.
_Eu tenho que manter Arthur a salvo e você vai decidir quando isso vai acabar.
_ Está me dizendo que eu vou decidir quando Arthur morrerá?- ele assente triste.
_É exatamente isso. Você, America Singer, acabará com o meu destino, decidirá a morte de Arthur e condenará Camelot às ruínas. - uma sombra passa por seu rosto, uma mistura de medo e choque, totalmente sombrio e assustador.
_ Você não está falando sério, está?- minhas mãos começam a tremer descontroladamente.
_Não. Você veio do futuro, sabe o que acontecerá conosco. Conhece nosso fim.- afirma com convicção.
_Sim, mas...
_Não há nenhum "mas". - ele me interrompe. - As coisas acontecem do jeito que são feitas para acontecer. E alguém escolheu você para acabar com uma dinastia. Você nos tornará, me fará, uma lenda. Não podemos impedir o destino.  

Lost In TimeOnde histórias criam vida. Descubra agora