Lost in my worst nighmare

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Pov América
Eu não tinha ideia de onde estava. O vento batia na minha camisola e eu tentava desesperadamente segura-la enquanto corria pela grama molhada. Não enxergava o céu, nem sabia se ele estava realmente ali. Não tinha lua ou estrelas, árvores ou qualquer outra coisa para atrair minha atenção, só a escuridão, um infinito de diversos tons de preto. Enxergava poucos palmos à minha frente, o suficiente para saber onde pisar, mas não para saber aonde ia. Então veio o rugido e senti o bafo em meu pescoço. Congelei por um instante, com a certeza de que o animal estava atrás do meu cangote, me virei hesitante, já incapaz de sentir qualquer outra coisa que não seja medo. Mas não havia nada além do vazio. Ousei respirar em alivio e tornei a me virar para encontrar meu pior pesadelo.
No lugar onde antes era negro, o rubro do sangue inundava o chão. Corpos mutilados espalhados sob meus pés, sumindo na vastidão das montanhas ao longe. As nuvens carregadas se preparavam para lavar o vermelho, encobrindo a lua e deixando o lugar ainda mais sinistro do que parecia. O cheiro de suor misturado com sangue me deu tontura, tive de levar a mão ao nariz se quisesse continuar respirando naquele lugar. Só haviam duas pessoas em pés. Não estavam perto o suficiente para me verem, nem longe para o bastante para que não pudesse reconhecê-los. Eu não conhecia o homem da direita, os cabelos morenos colados na testa pelo suor, a fuligem em seu rosto e parte da malha rasgada pela espada de seu oponente, mas eu tinha certeza de que já havia visto aqueles olhos. O mais profundo verde que já havia visto, mas a única coisa que me passavam era morte. Quando perdeu o equilíbrio e olhou para mim, senti minha espinha estremecer e todas as sensações ruins possíveis me vieram a mente. Nosso olhar durou menos de milésimos de segundos antes que ele se levantasse e se defendesse de Arthur, que continuava a atacar.
Sua cabeça estava sangrando e sua armadura parcialmente colocada, como se tivesse chego às pressas sem tempo de se arrumar por completo. Eu conseguia ver a expressão de seu rosto quando me olhou: traição. Foram esses poucos segundos em que me viu necessários para que o sangue começasse a jorrar de sua boca semi- aberta, olhasse para baixo, para a altura de seu peito, e notasse a espada cravada em seu coração. Eu gritei, tenho certeza de que gritei, mas não ouvi som nenhum. Sei que chorei, mas nenhuma lágrima saiu. Também sei que corri, mas eu não parecia chegar nunca onde seu corpo jazia em meio a tantos outros. Então ouvi a voz pela primeira vez, fria e distante. Fiquei em dúvida se estava em minha cabeça ou se vinha do céu, só sei que não havia mais ninguém ao redor.
_É hora de voltar, criança. –ele disse repetidas vezes. –Lembre-se do aviso, você fez uma escolha, agora sofra as consequências. Você mudou a linha do tempo, se permanecer neste tempo por mais tempo, ele se tornará definitivo e tudo o que fez no passado nunca terá existido. – sua voz era velha, cansada, diversas vezes tomava tempo para respirar entre palavra em outra. – Encare sua escolha, é tudo o que lhe resta fazer. –sua voz se tornou um mero sibilo em minha mente. –Eu choro por vocês, meu irmão e irmãs, eu choro por todos vocês. Porque quando minha luta aqui está chegando ao fim, a sua batalha ainda está por começar. –Então eu acordei.
Minha respiração estava ofegante, meus olhos esbugalhados e eu suava por completo. A adrenalina ainda corria livre por meu sangue, qualquer tentativa de voltar a dormir seria um completo desperdício, não com o medo e a preocupação tomando conta de mim. Me virei para o lado e tateei a lateral da cama para acordar Arthur, mas só encontrei os lençóis vazios.
Semicerro os olhos e grito por seu nome, sem nenhuma resposta. Me levanto rapidamente e acendo a luz. Eu imaginava que ele fosse estar no banheiro, ou que teria saído cedo e não quis me acordar, mas ainda estava escuro do lado de fora e seu lado da cama estava ainda arrumado. Ele não dormiu aqui. Tentava encontrar um motivo para isso ter acontecido, ele não faria isso, não sem uma desculpa importante. Deixei os pensamentos de lado, ele deve ter ficado acordado com Merlin até tarde e acabou dormindo em qualquer canto como muitas vezes antes. Claro. Não há nada de errado.
Troquei de roupa rapidamente, nem escovei os cabelos, tinha preocupações maiores no momento, e corri até Merlin. Precisava contar o que havia visto essa noite, não conseguiria guardar isso para mim ou enlouqueceria. Ele estava transtornado quando abriu a porta. Nem pensei que poderia tê-lo acordado, sua feição perturbada me incomodou, ele não poderia, poderia? Ter visto a mesma coisa que vi? Imaginei que eu devia estar do mesmo jeito.
_Você... –fico sem sabe exatamente o que dizer e paro quando ele assente com a cabeça. Ficamos em silêncio, a preocupação entre nós, os dois tentando digerir todas as informações. –O que fazemos? –quebro finalmente o silêncio.
_Fazemos o que ele mandou. Vamos embora. –sua voz é seca, quase robótica.
_Você viu o mesmo que eu? Não podemos voltar! –tento retrucar.
_As coisas são mais complicadas do que isso. Não se muda o que já foi escrito. Você tentou fazer isso ai trazê-lo aqui, fez sua escolha, agora vai ter que aceitar o que vier.
_Está parecendo ele quando fala. –resmungo.
_É porque ele está certo. Vamos voltar de um jeito ou de outro. Se não fizermos agora, alguma coisa acontecerá que lhe obrigará a retornar. Talvez Davi morra, eu não sei. Melhor irmos agora que teremos uma chance melhor de contornar o que for que nos espera, do que chegar em um ponto onde não há mais nada a fazer. –assinto, sem saber exatamente o que fazer. –Aviso Arthur assim que ele acordar. –o encaro, esperando que diga algo mais.
_Sabe onde ele está?
_Como assim? Ele não está no quarto? –semicerro os olhos, procurando algum tipo de mentira em suas palavras. Não queria admitir não saber onde ele está, mas é impossível. –Alguma coisa aconteceu? –por um momento realmente achei que ele soubesse o que havia acontecido. Todo o meu envolvimento com Maxon e tinha decidido contar para Arthur, mas afastei o pensamento, isso não é do feitio de Merlin.
_Você sabe quem é o garoto? –hesito em perguntar. Seus olhos escurecem por um momento. _Não. –sei que mente, mas não faço questão em saber.
_Ele vai ficar bem, não vai? –um sorriso aparece em seu rosto.
_Não se preocupe, não vou deixar que nada aconteça a ele. Tenho um plano. –provavelmente foi estupidez minha acreditar em suas palavras tão fielmente, mas estava desesperada por qualquer gota de esperança. Merlin nunca tem um plano, e os que bola sempre dão errados.
Voltei pro quarto absorta em meus pensamentos. Relembrava a noite anterior e tentava entender como as coisas haviam chego a determinado ponto. Suprimi meu afeto por Maxon no poço mais fundo do meu coração, tão longe que esqueci estar ali, espreitando, esperando pelo momento certo de sair. O deixei de lado mesmo quando todos os meus sentidos me diziam para deixá-lo fluir, até que chegou um momento que ele encontrou seu próprio caminho até o lado de fora, e tudo o que aconteceu depois disso é inteiramente minha culpa.
Estava plenamente consciente de que estava no corredor, de que qualquer um poderia aparecer ali e nos ver, mais foi só vê-lo se aproximar, seus lábios se abrindo a milímetros do meu, que perdi o controle sob mim mesma. E quando o recobrei, bem, já era tarde demais. Abri a porta do quarto para me deparar com a luz da televisão acesa e um corpo esparramado na cama. Olhei atentamente para Arthur, mas ele nem pareceu me notar. Bati a porta com força, mas só consegui um pequeno desvio de olhar.
_Achei que fosse chegar e vê-la ainda dormindo. Não queria que acordasse e visse que não estava aqui. –confessa ainda sem parar de ver o filme.
_Onde estava? –pergunto casualmente tentando esconder minha real curiosidade. Visto o pijama novamente e me deito ao seu lado.
_Na cozinha. Eles me proibiram de ir lá...
_Então você foi só pra irritá-los. -rio. Típico. Mas ele não sorri. –Você está bem? –praticamente entro na frente, o impedindo de ver a televisão.
_Só estou cansado. –responde vago e se desvia de mim.
_Tem certeza? Consigo pensar em muitas coisas para te animar. –digo com segundas intenções e me inclino para beijá-lo, para não encontrar sua boca.
_É serio, America, estou exausto. –então simplesmente se vira e dorme, me deixando sozinha. Passei as horas seguintes acordada, encarando o teto e ouvindo o som de sua respiração.
Porque ele não me conta o que está acontecendo? Não seria possível que ele tenha visto a própria morte como eu e Merlin vimos? Se for, deve estar enlouquecendo, e me dói vê-lo assim. Ponderava como poderia contar para ele sobre Maxon quando ele já está deprimido. Decidi contar a verdade há dias, mas sem nunca encontrar o momento certo, e agora o beijo, estou sendo completamente esmagada pela culpa. Talvez fosse melhor não dizer nada, afinal não significou nada, ou significou? Mesmo que tenha, não é como se pudesse ficar em Illea, especialmente não depois do sonho de hoje. Estava tão absorta dentro de mim, que nem notei a mudança em sua respiração quando acordou.
_Bom dia. –ele sorri para mim, um sorriso que mais parecia uma careta, mas que ainda o deixava maravilhosamente fofo.
_Parece melhor. –comento e ele fecha a cara.
_Me desculpe por ter sido rude, eu estava cansado e descontei em você. Não deveria ter feito isso. Me perdoa?
_Tem certeza de que está melhor agora? –ele se inclina e me beija suavemente.
_Agora sim. –sua voz parece confiante, mas até seu beijo parece diferente. Jogo de lado essa sensação, é provavelmente só meu inconsciente mexendo com a minha cabeça. –Temos alguma coisa programada para hoje?
_Não, mas preciso conversar com você. –o faço se sentar na beirada da cama, a minha frente. Sua perna balança constantemente, o que me irrita, quase como se estivesse nervoso com o que vou falar. –Eu tive um sonho hoje. –ele não tenta esconder o alivio. O que ele achava que eu fosse dizer? –O velho que nos trouxe para cá... Você não estava lá, mas ele disse que está na hora de irmos embora. –ele tenta esconder a felicidade, abre um sorriso, mas logo o fecha. Conto para ele sobre o sonho, menos a parte de sua morte.
_Vai levar em conta as vozes de um velho que falou em sua cabeça durante um sonho? –ele segura o riso. –Tudo bem, acredito em você. Quando vamos? –congelo. Não havia pensado nesse detalhe ainda.
_Tenho que me despedir de algumas pessoas, dar algumas explicações, mas amanhã? –ele me olha indecifrável, e sem dizer nada, sai do quarto. Dou de ombros e começo a me arrumar para o café. Estava para sair quando a bota bateu. Merlin não parecia muito alegre, parecia não ter dormido nada. Compreendo o sentimento.
_Arthur está ai? Já voltou? –ele se inclina para frente para procurá-lo enquanto não o respondo. Nego. Ele assente e se vira para ir embora, mas o seguro pelo braço antes, o impedindo de se movimentar.
_Você sabe o que aconteceu com ele? –me olha confuso. –Ele parece... –procuro pela palavra certa. –Estranho. –completo.
_Me desculpe, não sei de nada. –se solta da minha mão vai embora ligeiro antes que possa dizer outra coisa. Bufo de exaustão.
Maxon, se possível, parece ainda pior do que eu. As olheiras profundas debaixo de seus olhos indicam que ele claramente não dormiu, mas apesar do evidente cansaço, o sorriso não sai de seu rosto. Acho que não o havia visto feliz desse jeito desde... bem, desde muito tempo. Me incomodei por um momento. Sabia perfeitamente o motivo de tamanha felicidade. Mesmo depois, quando recobrei meu autocontrole, que o afastei, disse que aquilo nunca mais poderia acontecer e me tranquei em meu quarto, nem isso parece tê-lo desanimado.
Eu teria que dizer que partiria amanhã, que muito provavelmente nunca mais o veria novamente, eu teria que partir seu coração, os de nós dois, e eu não tinha ideia de como fazer isso. Fiquei em silêncio durante toda a refeição. As pessoas pararam depois de um tempo de começar uma conversa, devem ter percebido que eu não estava no humor para isso. Arthur nem se virou para conversar comigo, estava entretido demais em uma discussão com a rainha sobre viagens ou algo do tipo, não estava prestando muita atenção. Mas vi quando Maxon levou a mão a orelha, discretamente, e a mexeu levemente. Fiz o mesmo. Esperei que todos saíssem do salão com a desculpa de que estava esperando por mais torta. Todos acreditaram.
_Está bem? Parece cansada. –ele segura minhas mãos com delicadeza e sorri.
_Estou ótima, dormi mal essa noite. Tive esses sonhos malucos, mas nada que você queira ouvir. –sorrio de volta. Ele se inclina em minha direção, nossos lábios selados, mas me afasto rapidamente, nervosa.
_Me desculpe, eu achei que... depois de ontem... Nós nos beijamos, não? –ele tenta esconder a vergonha.
_Sim, Maxon, e eu disse que isso nunca poderia acontecer novamente. –ele faz uma careta. _Então porque concordou em me encontrar? Eu não te entendo, America. –consigo sentir sua frustração. Nem eu me entendo, como ele espera me entender? _Eu concordei porque preciso te contar algo e realmente espero que entenda. –começo hesitante. Pela sua feição de raiva sei que já sabe sobre o que quero dizer.
_Por favor, não me diga...
_Estamos indo embora amanhã. –o interrompo, despejando as palavras de uma vez, assim não tem mais volta. –Eu gostaria de ficar, você sabe disso, mas eu simplesmente não posso.
_Então você o escolheu? –assinto de cabeça baixa. –Alguém mais já sabe disso?
_Só nós quatro. –ele me olha confuso. –Eu, você, ele e Merlin. –assente pensativo e começa a dar voltas em silêncios.
_Você já contou a verdade para ele? Sobre nós? –nego. –Então eu ainda tenho uma chance. – diz mais para si mesmo. –Você não vai embora, não sem mim. –grita já longe, antes de sumir pelo corredor e antes que eu pudesse compreender verdadeiramente o que ele havia acabado de dizer.

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