Lost in fire

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O dia estava ótimo até ouvirmos a sirene. Toda a confusão do dia anterior havia sido esquecida, tirando os arranhões e os diversos roxos pelo corpo de Maxon que, mesmo tendo ido na enfermaria, não desapareceram assim tão fácil. Arthur se eecuperou rapidamente, o que particularmente foi bom para mim. Não gostaria de conviver com essa culpa em meu coração, mesmo que ele insista em dizer que não foi nada demais. Também tentei dizer para os dois "eu te avisei", mas achei que depois de todo o ocorrido eu estaria sendo completamente idiota.
Eu achei que os ataques haviam acabado e ao olhar a expressão de Maxon, percebi que ele também. Não entendia o que estava acontecendo, só sabia que tinha que sair dali o mais rápido possível. As pessoas não levantaram rapidamente e se desesperaram como de costume, acho que todos os estavam acostumados com o som do alarme estavam chocados demais, e a outra maioria simplesmente não tinha ideia do que poderia estar acontecendo.
_O que foi isso? –me viro, ainda transtornada, para Arthur. –O que está acontecendo? –dessa vez ele fala mais alto, me acordando de meus devaneios.
_Ataque. Rebelde. Temos que nos esconder! –todos na mesa parecem tomar consciência de nossa atual situação e se levantando rapidamente, o caos tomando conta do ambiente.
_Eu preciso de uma espada, America. Eu preciso da minha espada! –ele grita para Clarkson, que não lhe dá a mínima. Ele parece apreensivo, suas pernas não param de se mexer e em pouco tempo ele se joga em cima da mesa, catando todas as facas que encontra, com ou sem ponta.
_O que está fazendo? –uma voz feminina, claramente alterada pelo desespero, pergunta apesar de eu já saber a resposta.
_A não ser que resolvam devolver minha espada, preciso encontrar outro jeito de proteger vocês. –responde focado em sua avaliação das facas.
_Mas os guardas... –alguém no fundo tenta retrucar.
_Você vê um guarda aqui? –consigo ver uma veia pulsando ao lado de seu olho. Ele encara cada um deles, tentando mostrar o máximo de confiança possível. –A menos que aprendam a se defender sozinhos, então morrerão sozinhos.
Caminho ao seu lado, abrindo os portões do Grande salão e checando se não há um perigo eminente. Não preciso olhar para trás para saber que todos os outros nos seguem. Arthur me para antes de continuar no corredor e me dá uma das facas, a maior e a maia afiada, me fazendo prometer não fazer qualquer idiotice com ela e que tentasse evitar fazer magia o máximo que pudesse, mas se a vida de alguém estivesse correndo perigo, a de qualquer um, eu não deveria hesitar em ajudar.
Não havia feito feitiço algum durante todo o período em que estive aqui, então hesitei em lhe conceder essa promessa, o medo tomando conta de mim. Por cada abrigo que passávamos, deixávamos alguém para trás. Sabia que não conseguiríamos chegar ao abrigo real, não sem encontrar um grupo de rebeldes no caminho e perder grande parte do nosso grupo. Nicoletta e suas primas foram primeiro, elas não quiseram ficar sozinhas, estavam completamente apavoradas, mas depois de uma longa conversa que durou um tempo que não tínhamos, aceitaram entrar.
Depois Clarkson e Amberly. A rainha chorava descontroladamente, gritando pelo filho, que seguia caminho conosco. Então foi Kriss. Ela praticamente correu na frente para pegar o abrigo antes de qualquer outro, o fechando antes que qualquer outra pessoa pudesse entrar com ela. Não demos nem mais dois passos antes de eles apareceram. Cinco homens, do triplo do tamanho de Arthur, sujos e completamente nojentos. O pensamento de suas roubas velhas e maltrapilhas me fez lembrar dos muitos saxões que Arthur teve de matar nesses sete anos para proteger a mim e meus filhos.
Alterno meu olhar entre seus sorrisos sádicos e as facas na mão de Arthur. Não acho que nesse momento, contra esses caras, ela vá funcionar muito bem. Três deles levam a mão às costas e não é necessário que a mostrem para saber que seguram armas de fogo. A menos que Arthur acerte a faca enquanto ela se dirige até nós no ar, já estamos mortos. Estava levantando as mãos, tentando me lembrar os encantamentos, mas Arthur foi mais rápido.
A prata viajou pelo ar e em milésimos estacou na garganta dos dois da frente. Antes de caírem mortos no chão, conseguiram esbugalhar os olhos e os direcionar para baixo, para a dor. O tempo de distração dos outros três permitiu que Arthur atacasse com uma mínima vantagem. Assim que se recuperaram do choque, se defenderam. Meu marido não estava acostumado a lutar com as mãos, sem sua espada ele ficava perdido na maior parte das vezes, mas nesse momento ele sabe que perder e abrir mão de nossas vidas, então mesmo levando socos que o deixam completamente atordoados, ele se levanta.
Por inteligência ou não, um deles decide que três contra um é fácil demais, então caminha em nossa direção. Aperto a faca com mais força e a seguro perto do peito, mais para minha proteção do que para machucar alguém. Eu congelei. Estive em batalhas e guerras por tanto tempo, cavalgando entre tropas, pondo seus sentimentos em favor do meu, fingindo uma confiança quando eu estava prestes a desabar, mas quando vi aqueles brutamontes caminhando em minha direção, eu permaneci estática.
Ousei olhar em direção de Arthur, que se levantava uma nova vez, dessa vez com a energia renovada, e chutava a virilha do rebelde na sua frente, o fazendo cair e gemer de dor. Maxon se esquivava dos socos com dificuldade, e quando digo se esquiva, quero dizer que arqueava de dor e recuava cada vez mais. Já estava praticamente inconsciente, deitado no chão, quando sangue começou a escorrer pela boca do homem, se juntando ao sangue de Maxon. Arthur retira a faca de sua nuca e deixa cair no chão ao lado de Maxon. Ele bufa, exausto, se abaixando para verificar os ferimentos do príncipe.
_Está bem? Consegue levantar? –Maxon responde alguma coisa inaudível e aceita a mão de Arthur para se levantar.
_Obrigada. Você sabe, por salvar minha vida. –agradece entre engasgos.
_Você viu o que eu fiz? –Merlin sussurra para mim, deixando um espaço seguro entre nós e Arthur. Tinha até esquecido que ele estava ali.
_Não, estava ocupada demais temendo pela minha vida. E porque dessa vez é importante? Você salva ele todos os dias. –ele dá de ombros, sem uma resposta completa e continuamos o caminho em silêncio. Ouvimos os tiros e, embora eu quisesse correr o mais longe possível deles, Arthur não conseguiria deixar para trás. Cruzamos o corredor a tempo de ver Aspen atirando em dois rebeldes, que agora jazem caídos no chão, seus sangues sujando o tapete.
_O que foi isso? –Arthur exagera no grito. Deixando um Maxon manco ao lado de Merlin e correndo até Aspen e sua arma. –Saiu fogo da sua mão! Isso é magia! –todos o olham como se fosse um louco, que é exatamente o que parece no momento. Ele olha para nós, esperando que concordássemos com seu susto.
_Só cale a boca, Arthur. –Merlin o repreende. –Você já pagou muito mico essa semana, não precisa de mais. –escondo um sorriso, mas é praticamente impossível.
_Quer experimentar? –Aspen o entrega a arma, mesmo sob meu olhar de negação. –É só apertar o gatilho. –lhe ensina as lições básicas e em pouco tempo ele já mira para atirar em um vaso do outro lado do corredor.
_Arthur, abaixe isso, por favor. Temos que nos esconder, você pode aprender depois. –tento dissuadi-lo, mas não adianta de nada. Ele atirou. Eu não sei para onde a bala foi parar, mas o vaso não explodiu. Era de esperar que alguém que possui uma excelente mira para flechas fosse conseguir atirar com uma arma, mas pelo jeito não. Ficamos em silêncio, olhando ao redor, sem entender o que havia acabado de acontecer. Olho para o lado, para Maxon, o único que se movimentou. Ele levou a mão a orelha, e de lá apareceu sangue. Ele encarou a própria mão e depois para a marca de tiro na parede.
_Você quer matar? Qual o seu problema? –grita seguidamente, desesperado. –Porque fez isso? – consigo sentir a raiva em seu olhos.
Arthur é interrompido antes mesmo que possa começar a responder. Dezenas de passos são ouvidos, sincronizados, altos e fortes, fazendo minha espinha estremecer. O resto virou um completo caos. Guardas apareceram e quando vi, estávamos no meio do front, sem saber para que lado correr. Quando começaram a atirar, me perdi da multidão. Onde antes estávamos em um salão aberto, agora estava em um corredor escuro sem ter ideia de para onde ia.
Conseguia ouvir os tiros ao lado, mas não conseguia ver. Não sabia se os três haviam conseguido escapar ou se estavam caídos, mortos, enquanto eram pisoteados por guardas e rebeldes. A preocupação me remoía enquanto fugia. Eu deveria ter voltado, digo para mim mesma esse tempo todo, mas não voltei, e Arthur deve estar ferido nesse momento. E Maxon. Merlin deve estar bem, afinal ele é ele. Continuo correndo, já sem saber para onde ia. Até bater em um corpo e cair no chão. Kriss. A encaro por um momento antes me levantar, então perco o pequeno brilho escondido em sua mão direita. Como se não houvesse pessoas demais tentando me matar nesse momento. A olho sem compreender. Ela estava em um abrigo, eu a vi, e não pode ser aberto por dentro. Com ela pode ter saído? Entendo suas motivações para me odiar, mas deixar sulistas entrarem no palácio só para poder se acobertar já é demais. Me levanto rapidamente, hesitante, recuando alguns passos.
_Aqui estamos. –sorri sádica. Se Merlin estivesse aqui ele arrumaria um jeito de zombar de sua cara e distraí-la por tempo suficiente até que encontrasse uma brecha. Se fosse Arthur ela provavelmente já estaria morte. Ate mesmo Maxon encontraria um jeito de dissuadi-la. Mas eu? Eu estava completamente sem ideias. –Tem alguma ideia do quanto esperei por esse momento? – olho ao redor, procurando por qualquer pontiaguda que possa ajudar em minha defesa, mas estávamos em um corredor abastado, com nada mais do que quadros pendurados e carpetes.

Recuo alguns passos, mas ela não deixa o espaço entre nós diminuir. Como se as coisas não pudessem piorar, tropeço em uma estátua, virando minha atenção para a cerâmica quebrada e abrindo por completo minha guarda. Só tive tempo de vê-la pulando em minha direção, faca em punho, antes de cobrir meu rosto com os braços. Mas o choque não veio. Abro os olhos, hesitante, sem ter certeza do que encontrarei pela frente. Eu achava que o ferimento havia sido tão doloroso que tinha perdido a capacidade de sentir, ou que já estava morta e me encontrava no inferno, mas uma rápida olhada por meu corpo me fez constatar que eu não havia sido atingida. Sinto minhas mãos quentes, o que e estranho já que a pouco tempo morria de frio. Olho para cima quando ouco o grito de pavor Kriss corre pela sala tomada em chamas. Seu vestido, antes maravilhoso, queima de baixo para cima, espalhando cinzas e fuligem por onde vai. Seu rosto é ainda pior.
Completamente deformado, tenho dificuldades em olhar diretamente seu sofrimento. Alterno meu olhar entre minhas mãos vermelhas e quentes, e sua corrida desesperada por água. Seus urros me atingem em cheio, apertando meu coração cada vez mais. Eu fiz isso. E minha culpa. Os moveis ao redor levantam labaredas, incapazes de conter o desespero da futura rainha. Tusso, a fumaça entrando em meus pulmões, mas incapaz de me mover. Posso me fazer de durona, fingir ser a guerreira que por pouco tempo fui, posso ter participado e guerras na linha de frente, mas, ainda assim, essa foi a primeira vida que eu tomei. Meu subconsciente me dizia que ali era o lugar onde eu deveria ficar, mereço morrer queimada pela bruxa que sou. Observava seu corpo ser finalmente consumido por inteiro quando dois braços me retiraram dali.
_O que você acha que estava fazendo? –reconheço o tom repreendedor de Arthur.
_Eu merecia ter morrido. –respondo vaga, sem tirar os olhos do chão. –Eu fiz aquilo. Eu a matei. Deveria ter ficado lá. –confesso vazia, incapaz de sentir qualquer emoção.
_Aaah America... –suspira, se sentando ao meu lado e passando seus braços ao meu redor, me abraçando forte sem dizer uma única palavra. Sei que ele entende. Por anos ele tentou me livrar dessa sensação, mas ela finalmente chegou, e eu a encarei do melhor jeito possível: chorando.

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