02. O presságio místico

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A primeira lembrança que me veio foi o choro. Hara e eu estávamos caminhando pelo cemitério Mesquita quando Raylla me chamou a atenção. Ela estava prostrada sobre uma lápide e chorava feito uma criança. Naquele dia, eu não consegui ver o seu rosto, mas a californiana pink ficou marcada na minha mente, e embora eu não tivesse visto a sua face, tinha certeza que era a mesma pessoa. Não era possível haver duas meninas negras, de cabelos lisos e californiana da mesma cor no mesmo bairro, praticamente. Seria coincidência demais.

E durante a nossa caminhada silenciosa, percebi que ela era cautelosa. Disfarçava bem ao olhar para os lados, mas eu a entendia perfeitamente.

- Tem certeza que esse lugar é seguro? – perguntou, quando finalmente chegamos ao nosso local de conversa.

- Mas é claro – falei, e abri a pequena porta da Lanchonete Lendária. E como previsto, o barman ergueu a sobrancelha ao me ver. Agora o que se passava em sua cabeça, era difícil saber. Além de estar aparecendo no estabelecimento às onze e meia da noite, eu estava parecendo um mecânico de tanta fuligem que tinha pela roupa – e isso porque lavei o rosto no banheiro da estação.

- Diogo – ele disse, acenando com a cabeça.

- E aí, Leandro – também acenei, e como o balcão estava congestionado de caras que eu sequer conhecia – como era costumeiro naquele horário, já que marmanjos gostavam de uma breja depois de um dia cansativo de trabalho enquanto comentavam sobre futebol –, eu me dirigi à única mesa daquela parte, que ficava encostada à janela da lanchonete.

Acabei me lembrando de quando almoçava ali com os meus amigos, todos reunidos, quase toda semana. Afastei o pensamento, notando que a ala das mesas estava animada; Juca cumprimentava um grupo de pessoas de branco, provavelmente funcionários de alguma unidade médica.

E a primeira pergunta que fiz à garota foi:

- Como você fez aquilo?

Raylla, embora demonstrasse insegurança, parecia bem calma para uma adolescente que caminhava por uma cidade repleta de vampiros à noite. Eu me perguntei se ela costumava fazer isso sempre. E considerando que era a segunda vez que eu a via nessa região, deduzi que ela morava por perto.

- Telecinese – ela respondeu, um pouco sem jeito. – Consigo mover coisas apenas com a força do pensamento. Dificilmente eu consigo mover alguém, mas naquele momento eu me desesperei tanto que tirei forças de onde não tinha.

- Fica tranquila, eu entendo bem isso – tentei soar gentil, talvez assim ela confiasse mais em mim, já que parecia tão receosa. E, querendo ou não, eu estava falando a verdade. Exemplos era o que não faltava na minha vida. Aquilo era o que o meu tio Michael chamava de modo de alerta.

- Por que você estava o seguindo? – foi a vez dela de perguntar, e falava baixo, para que nenhum dos bebuns ouvisse.

- Ele incendiou um prédio – falei, e acho que a impressionei. – Sou acostumado com esse tipo de coisa.

- Com prédios incendiados?

- Com caras estranhos que surgem do nada e me atraem para alguma armadilha.

Raylla olhou para a rua com olhos distantes, expressando o que parecia preocupação. Lembrei-me de quando a vi chorando no cemitério, e quase perguntei sobre isso, mas poderia ser um erro fatal. Ela poderia pensar que eu andava a investigando.

- Olha, eu sei que você é uma mística, e que possui esse poder surpreendente, mas não acho que é uma boa ideia andar por aí sozinha à essa hora da noite – falei, o que era a pura verdade. Até mesmo para mim era perigoso, mesmo que nos últimos meses fosse zero o número de casos de mortes misteriosas pelo sul da cidade. E era por esse motivo que meus amigos e eu estávamos caçando apenas pelo centro de Honorário, ultimamente.

Caçador Herdeiro (5) - Fogo Traiçoeiro | COMPLETOOnde histórias criam vida. Descubra agora